FONTE: Kelly Cerqueira, TRIBUNA DA BAHIA.
Indicado apenas quando todos os métodos
convencionais de cura não apresentam resultado, o transplante de órgãos e
tecidos continua lotando as unidades do Sistema Único de Saúde (SUS),
principalmente, por falta de doadores. Setembro é o mês nacional de
incentivo à ação e, no Brasil, apenas 30% das pessoas permitem o reaproveitamento
de coração, pulmão, córneas, ossos, rins, fígado, partes do corpo humano que, a
depender da causa da morte, podem ser transplantadas em outras pessoas. No país
95% dos transplantes são realizados pelo SUS, divididos em unidades públicas e
particulares.
Na Bahia, a maior fila de espera é pelo
transplante de rim, assim como em todo o país. Até meados do mês de agosto,
1.110 pessoas sofriam com a espera angustiante em todo o estado, dependendo
apenas da boa ação de familiares que permitissem o reaproveitamento dos rins de
seus entes queridos falecidos, já que, pela lei, apenas parentes de 1º e 2º
grau podem consentir a doação de órgãos e tecidos de pessoas vítimas de parada
cardíaca ou morte encefálica.
No caso do transplante de rins, outro fator agravante
é a necessidade de compatibilidade entre os tecidos do órgão do doador e da
pessoa implantada e esta é uma dos responsáveis pela enorme fila para este tipo
de cirurgia, conforme informou Eraldo Moura, coordenador do Sistema Estadual de
Transplantes da Secretaria Estadual de Saúde da Bahia (Sesab). “Este é um
problema enfrentado em todo o país, não só pela falta de doadores, mas pela
complexidade que envolve as condições para a realização da cirurgia”, explicou.
Este é o problema enfrentado pela aposentada
Marenize de Jesus, que desde 2004 foi diagnosticada com insuficiência renal
crônica e até hoje não conseguiu um rim compatível. Na fila de espera desde
2008, ela já foi chamada sete vezes, mas, em todas as tentativas, os rins dos
doadores não foram adequados ao seu. “Nem mesmo minha família pode ajudar, já
que todos têm problemas de saúde”, contou Marenize que, pela falta de órgão
compatível, realiza hemodiálise três vezes por semana, sem perder a esperança
de que ainda conseguirá encontrar um doador de acordo com as especificidades do
seu organismo.
No total, mais de três mil pessoas aguardam
transplantes no estado, apenas uma pequena parcela das 45 mil que passam pela
mesma situação em todo o país.
O transplante de córneas é o mais realizado
na Bahia, segundo Moura. Por se tratar de um tecido, o procedimento não depende
de compatibilidade entre os doadores para a realização da cirurgia, mas ainda
assim, existe uma fila com quase 800 pessoas à espera de doação. Ele explica
que a retirada do tecido a ser reaproveitado deve ser feita com até seis horas
após a parada cardíaca do doador. “Apenas mortes causadas por tumores no globo
ocular, linfomas e leucemia impedem o aproveitamento da córnea”, continuou.
Um dos beneficiados com este tipo
de cirurgia foi o jovem Fagner dos Santos Silva, 24 anos, que desde criança
apresentava problemas nos olhos, causados por uma alergia. “Eu coçava muito os
olhos e isso acabou evoluindo para uma doença chamada de ceratocone, que deixa
a córnea mais fina”, explicou. Com a doença, Fagner passou a perder boa parte
da visão e precisou passar pelo transplante. “Eu já havia esperado dois anos e
meio em Feira de Santana e estava decidido a ir para São Paulo porque a oferta
de córnea lá é maior, quando meu pai viu uma reportagem na TV falando sobre a
cirurgia em Salvador. Depois daí fiquei só seis meses na fila e consegui o
transplante”, contou o industriário que recebeu o tecido em Salvador, nos
Hospital das Clínicas, em maio de 2012.
Ele diz que, embora não conheça a família do
doador que permitiu que hoje ele enxergue bem, agradece todos os dias pela
ação. “Eu mudei completamente meu pensamento sobre doação de órgãos. A gente só
passa a ser doador, a pensar nestas coisas, quando passa por uma situação
destas.”, comentou.
Desinformação.
Para o coordenador do Sistema Estadual de
Transplantes, o grande problema na doação de órgãos gira em torno da
desinformação. “A pergunta que devemos fazer é: Se você necessitasse receber um
órgão para sobreviver, aceitaria a ajuda de um estranho? Se a resposta for sim,
porque não permitir a liberação dos órgãos de familiares para a salvação de
muitas vidas?”, questiona o coordenador do sistema. Ele explica que muitas
vezes os familiares não sabem se o parente falecido queria ou não ter seus
órgãos doados e que por isso o assunto gera dúvidas.
Segundo ele, a incerteza diária enfrentada
por pessoas que aguardam as longas filas é angustiante. “Elas vivem sem saber
se vão ver o dia novamente, porque são casos graves, que não podem esperar por
muito tempo. As pessoas que podem ajudar precisam refletir mais sobre isso”,
continuou.
E foi pensando apenas no bem estar de quem
continua lutando pela vida que o aposentado Edinho Costa Almeida, 58 anos,
permitiu que os órgãos do seu filho Fabrício Soares de Almeida, que teve o
diagnóstico de morte encefálica em maio do ano passado. “Se a gente não
consegue manter a pessoa aqui, do nosso lado, por que não ajudar alguém que
está passando por dificuldade, lutando pela vida?” questionou o aposentado, que
com a permissão conseguiu ajudar quatro pessoas, através da doação do coração,
fígado, rins e córneas de Fabrício.
Terceiro maior banco de
medula óssea.
Mais rápido e fácil de fazer a doação, a
retirada de parte da medula óssea, realizada apenas em pessoas vivas, também
pode ajudar a salvar vidas. O transplante pode ajudar na reconstituição de
outros órgãos deficientes e no tratamento de leucemia, linfomas, mielomas,
entre outros problemas no sangue. Para este tipo de procedimento também é
necessária a compatibilidade genética entre doador e receptor e por isso os
bancos de coleta realizam inicialmente o recolhimento de 5 a 10 ml de sangue do
doador para a análise de suas características genéticas. Essas informações
ficam armazenadas em um banco de dados, aguardando o surgimento de demanda, e
caso haja paciente compatível a espera de transplante, o doador é chamado para
realizar a coleta definitiva.
De acordo com Eraldo, o Brasil tem o
terceiro maior banco de medula óssea do mundo, perdendo apenas para os EUA e a
Alemanha. “Existe um intercâmbio de medula muito forte entre os países, os
bancos trocam informações e material, conforme a demanda e a compatibilidade
que surgem”, afirmou.
Outra novidade na área de doação deste órgão
é a disposição do cordão umbilical por partes das mulheres no pós parto, já que
esta parte do corpo humano contém células da medula óssea. “O Hospital das
Clínicas está construindo um Banco de Cordão Umbilical para que este tipo de
material fique a disposição de quem precisa”, anunciou.
Embora algumas mães estejam optando por
congelar o cordão umbilical para recorrer a ele, futuramente, caso a criança
apresente algum problema de saúde e precise de tratamento com células da medula
óssea, Moura diz que a doação deste material para pacientes que realmente
estejam necessitando é a melhor opção. “A probabilidade de uma pessoa
desenvolver um problema que dependa destas células e quase nula”, garantiu.
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