Traumas como o 11 de setembro
podem ser transmitidos por várias gerações; é o que defendem especialistas em
epigenética.
Você pode
ter ouvido muitas vezes aquela conversa sobre o quanto o ambiente em que as
crianças crescem interfere em seu estado psicológico e emocional para o resto
da vida. É uma teoria antiga que, agora, mais do que nunca está sendo
acreditada – e comprovada – pela ciência. Novas revelações da neurociência
confirmam a importância do ambiente para os processos neurocognitivos e
emocionais na capacidade de aprender e, mais do que isso, neurocientistas
acreditam que muitos distúrbios e dificuldades de aprendizagem vêm de processos
emocionais difíceis, comprometendo o que chamam de ‘sinapses de aprendizagem’
ou pontes neuropsicopedagógicas. O papo parece difícil, mas é menos complicado
que se imagina: os cientistas defendem e provam como a emoção é quase tudo no
processo de aprendizagem e desenvolvimento das crianças. Segundo a educadora
especialista em psicopedagogia e neuropsicologia, Adriana Foz, filha de Tolita
e Cícero, o desenvolvimento emocional saudável resulta no desenvolvimento
completo do ser humano. E isso acontece especialmente nos primeiros anos de
vida, até os 10 anos. É durante nossos primeiros anos que formamos nossa grande
estrutura emocional, sendo, portanto, bastante importante cuidar dos afetos da
criança e do ambiente em que ela cresce, já que isso vai interferir em
características futuras: inclusive se ela vai desenvolver dificuldades na hora
de aprender ou conviver socialmente.
Segundo a especialista, muitos
dos problemas de infelicidade e insatisfação, por exemplo, são frutos de
problemas emocionais passados – da criança que fomos. “E isso não é empírico, é
neurocientifico: ou você desenvolve recursos na primeira infância ou fica muito
difícil mudar depois. Um dos exemplos simples para entender essa relação é
nossa formação da língua materna, que ocorre até os 10 anos. “Depois de 10
anos, não teremos uma outra língua materna. Podemos aprender, mas não a
desenvolveremos como nativa. E é assim com quase tudo na vida”, explica
Adriana.
Epigenética: nome difícil,
influência complexa.
Cognição significa a aquisição de
um conhecimento através da percepção, é o conjunto dos processos
mentais usados no pensamento e na percepção, também na classificação,
reconhecimento e compreensão para o julgamento através do raciocínio para
o aprendizado de determinados sistemas e soluções de problemas.
Simplificando, podemos dizer que cognição é a forma como o
cérebro percebe, aprende, recorda e pensa sobre toda informação captada
através dos cinco sentidos. Para demonstrar a influência do emocional no
aprendizado cognitivo os neurocientistas têm usado as ideias da epigenética.
Parece complicado. Bom, e de
certa forma é mesmo. A epigenética não é um estudo recente, mas vem se tornando
importante no cenário científico nos últimos dez anos com novos estudos que dão
força às teorias. Estuda-se a influência do ambiente na modificação do nosso
DNA e, mais do que isso, os cientistas dessa área defendem que existe uma
“herança epigenética”, ou seja, características que passamos aos nossos filhos
que foram adquiridas por nós no meio ambiente. Os estudos mais sérios sobre o
assunto são realizados nos Estados Unidos: por lá, os cientistas já notaram que
crianças nascidas de mulheres que presenciaram o 11 de Setembro demonstram mais
chance de desenvolver estresse. E que filhos de fumantes têm maior
probabilidade de apresentar obesidade.
Por isso, todas as nossas
experiências e escolhas do nosso dia a dia (como fumar demais ou ser muito
estressado no trabalho) podem não só influenciar em nosso estado físico e
emocional, como também pode virar uma “herança” para nossos filhos. “Não sou
especialista em epigenética, mas eu uso o conhecimento que estes estudiosos
pesquisam para corroborar o que quero passar para meu público. Ela começou numa
questão ligada à biologia, mas passa por várias áreas hoje. Mas, é importante
ressaltar que, quando a gente fala de um ambiente sadio, nós não estamos
falando de superproteção: é bom que existam cobranças, estimulações e limites.
Um ambiente saudável não é um ambiente permissivo. Se os pais soubessem o
quanto mimar prejudica, eles não fariam. Mas se os pais mimam, eles têm um
problema neles. A criança não nasce mimada, é o ambiente que promove. As
regras, o papo, tudo isso faz parte de mudanças, inclusive genética”, explica
Adriana.
Presente de grego.
Um dos estudos mais conhecidos na
área da epigenética é o da psiquiatra e professora da Escola de Medicina de
Monte Sinai Rachel Yehuda, que abriu uma clínica em Nova York em 1992 para
atender sobreviventes do Holocausto. Para a surpresa da médica, ela percebeu
que muitos dos filhos das vítimas, nascidos anos depois do fim da Segunda
Guerra, também apresentavam sintomas de estresse acima do comum, mesmo não
tendo convivido com o sofrimento dos pais.
Outra pesquisa realizada foi na
Universidade de Edimburgo, na Escócia, pelo professor de medicina molecular
Jonathan Seckl. Experimentos com ratos mostraram que fêmeas grávidas
expostas a hormônios reguladores do estresse geravam filhotes com respostas
alteradas a estímulos violentos. Na prática, os filhotes de mães
estressadas eram mais ansiosos. Seckl prosseguiu seu trabalho notou que os
“netos” das ratas também apresentavam sinais de estresse. Para o pesquisador, a
única explicação plausível é a de que os hormônios mexeram com alguns genes e
que esse padrão foi transmitido pelo menos até a terceira geração de ratos.
Hoje, Rachel Yehuda e Jonathan
Seckl estudam juntos as grávidas que presenciaram os ataques terroristas de 11
de setembro de 2001. Até agora, as crianças nascidas apresentaram um nível de
cortisona (hormônio ligado ao estresse) no sangue mais alto do que a média da
população. Daqui a alguns anos eles pretendem examinar os filhos dessas
crianças e avaliar se o mesmo acontecerá.
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