FONTE: Ana Ribeiro, TRIBUNA DA BAHIA.
Nem foi
preciso ganhar os prêmios de melhor ator e melhor série de comédia no Globo de
Ouro no domingo (11) para “Transparent” levantar muitas questões sobre
transgêneros. Como pode o Mort Pfeffermann (Jeffrey Tambor), pai de três, aos
70 e tantos anos, “decidir” virar mulher? Pode. Assim como, em outro caso
completamente diferente, uma criança descobre na infância que sua identidade de
gênero é diversa daquela do sexo definido no seu nascimento. Como qualquer ser
humano que habita este planeta, cada caso é um caso.
Transexuais
são transgêneros que fazem a transição de gênero, com ou sem a cirurgia de
readequação genital. Travestis são transgêneros que, tradicionalmente, no
Brasil, modificam seu corpo com o objetivo de atuar na indústria do sexo, mas
em geral não fazem a cirurgia de readequação genital: o silicone dos seios
convive com o órgão sexual masculino e elas estão felizes assim. Drag queens
são homens que gostam de se "montar" como mulher em algumas ocasiões,
como animar festas e atuar como hostesses em clubes LGBTs. Elas quase sempre
são gays, e quase nunca querem ser mulheres em tempo integral.
Até
aqui tudo certo? Então vamos avançar nessa conversa citando 12 dúvidas comuns
sobre as pessoas transgêneras.
Transgênero
é uma identidade sexual.
Não.
Transgênero não é uma identidade, mas uma condição sociopolítica de desvio das
duas categorias oficialmente aceitas: homem e mulher. Transexual, travesti e
drag queen estão sob o leque de pessoas transgêneras.
A classificação “o” transgênero serve para mulheres e
homens.
Não.
Questão importante de tratamento e estilo: use sempre formas neutras, como “a”
pessoa trans. Quando se diz “o” trans, está se referindo apenas aos
transgêneros FtM (Female to Male, ou seja, transhomens). Travestis são
"as", assim como as drag queens. (Mulheres que se vestem
eventualmente de homem são "os" drag kings).
Se perceber trans é a mesma experiência de se descobrir
homossexual.
Não. A
homossexualidade implica basicamente em atração por pessoas do mesmo sexo, com
o desejo erótico e/ou afetivo por alguém do mesmo sexo. A transgeneridade é um
caminho bastante diverso pois diz respeito à manifestação da identidade e
expressão de gênero autopercebida. A sexualidade, que é o ponto central da
homossexualidade, é apenas um aspecto da transgeneridade. Um traço que não
abandona o transgênero é a vontade de se travestir.
Arrumar um emprego é a mesma experiência para um gay e para
um transgênero.
Não. Se
você é gay e não é muito "pintoso", pode sempre omitir o fato. Ou
mesmo que você seja um tanto feminilizado (ou masculinizado) e optar por não
mencionar a sua homossexualidade, talvez não venha ao caso. Entre os
transgêneros, qualquer checagem durante o processo de contratação vai levar à
descoberta da transgeneridade do pretendente. Depois de completar a transição
para outro gênero, pode ficar ainda mais difícil conseguir um emprego.
Para os transgêneros, namorar é uma experiência similar à dos
gays.
Não.
Para os transgêneros, namorar é uma experiência única. Primeiro, você tem de
decidir quando contar a sua história. E, depois, você terá uma longa história
para contar sobre sua transição: quando, como, onde. As reações podem ser
diversas, até, em alguns casos, violentas. Ou, em outros casos, humilhantes.
A
beleza das mulheres transgênero não se encaixa exatamente na noção de beleza
feminina. Os homens que se sentem atraídos por mulheres trans muitas vezes
estão interessados em explorar um fetiche e não em se envolver em um
relacionamento.
Para as
mulheres transgênero que namoram mulheres é ainda mais difícil: as lésbicas
muitas vezes recusam uma relação dizendo: "Eu gosto de mulheres, e você
não é uma mulher."
Em muitos casos, apenas um transgênero pode amar uma outra
pessoa transgênera.
Ser
trans é igual em qualquer lugar
Pelo
contrário: ser trans é muito diferente de lugar para lugar. Se você comparar um
transgênero que vive nos Estados Unidos, em um estado como a Califórnia, onde a
população trans tem total reconhecimento em todos os níveis, e inclusive planos
de saúde específicos, com um lugar onde as pessoas trans ainda estão tendo
problema para mudar de nome, é fácil perceber que alguns países estão ainda na
pré-história dos direitos LGBT.
Num ambiente profissional, as relações serão cordiais.
Quase
nunca. Algumas carreiras mais liberais têm espaço para os transgêneros e a
experiência de trabalhar nesses ambientes é muito diferente de ocupar uma
posição em algum ramo mais conservador, que não tem proximidade com os LGBTs.
A
pessoa trans tem de ir com calma: antes de tentar se aproximar dos colegas, ir
testando quais deles oferecem abertura para uma amizade. Não adianta já chegar
mostrando fotos do parceiro e dos filhos, isso pode assustar.
As pessoas entendem a diferença entre drag queen e
transexual.
Nem
sempre. A diferença é bastante óbvia para quem tem um mínimo de conhecimento de
um ou outro, ou dos dois, mas, para a grande maioria das pessoas, é confuso. As
duas são categorias debaixo do guarda-chuva transgênero. Drags, como já vimos,
são homens, quase sempre gays, que se vestem de mulher em algumas situações. A
pessoa transexual se identifica com o sexo oposto e quer fazer, ou já fez, a
transição.
Tendo feito a transição de gênero, as pessoas transexuais
querem ser aceitas como mulher ou homem.
Não
necessariamente. Alguns sim, quando têm a aparência muito feminina ou masculina
e não levantam suspeitas, preferem viver como mulheres e homens e deixam para
contar que são transgêneros apenas na intimidade, em relações próximas de
amizade ou quando estão prestes a se envolver romanticamente com alguém.
Outros
transgêneros se identificam como transgêneros mesmo, como mulher transgênero ou
como homem transgênero. Essa é a identidade deles.
Seja
qual for o caso, você tem de respeitar. Preste atenção para não colocar um
rótulo que eles não querem carregar.
Tenho interesse autêntico por transgêneros, posso perguntar
o que eu quiser saber?
Não.
Por mais legítimo e respeitoso que seja o seu interesse, nem todo mundo está
disposto a discutir questões íntimas com você. Espere ter alguém que se sente à
vontade para responder antes de fazer perguntas que podem aborrecer os trans,
como: "Você fez a cirurgia?"
Sair do armário como trans é uma experiência igual a se
assumir homossexual.
Não. É
muito diferente. Muitas vezes as famílias que estariam preparadas para aceitar
um filho gay não estão preparadas para ver o filho transformar-se numa mulher,
ou a filha transformar-se num homem. Grande parte das transições acontecem
longe de casa, longe dos olhos das mães. Por isso acontecem tantos casos de
mulheres trans que são enterradas como homens. As famílias se distanciaram
delas e, na hora da morte, recebem um corpo de mulher para enterrar. A família
não sabe, os vizinhos não sabem. Cortar o cabelo delas, vestir um terno e as
enterrar como homem é a opção das famílias.
Uma pessoa trans que toma hormônio na adolescência para
bloquear a puberdade não precisa mais usar hormônio.
Não.
Como toda dosagem hormonal, vai depender essencialmente da fisiologia própria
de cada pessoa. Provavelmente os bloqueadores de andrógenos deixam de ser
necessários depois de algum tempo. Mas como o organismo macho não produz
estrogênio, e a produção de testosterona foi definitivamente inibida, a pessoa
terá sim de usar hormônios femininos para o resto da vida.
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