FONTE: Revista Pesquisa Fapesp
(noticias.uol.com.br).
Nas últimas semanas de março o dia
foi mais longo que o normal no laboratório da farmacologista Regina Markus na
Universidade de São Paulo (USP). À frente de uma equipe de 12 pessoas, ela
própria chegava à universidade bem cedo pela manhã e só retornava para casa
tarde da noite. "Estou trabalhando 24 horas por dia", escreveu em um
e-mail enviado no dia 24 às 2h46 da madrugada. Mais tarde no mesmo dia, em uma
conversa por telefone, ela contou que nessas fases de trabalho mais corrido
estava habituada a passar dias quase sem dormir, tirando apenas cochilos
estratégicos. A pressa era para concluir a redação de oito artigos que mostram
uma possível conexão entre a inflamação leve e persistente observada na
obesidade e em alguns casos de câncer e a desativação da pineal, glândula
localizada na região central do cérebro e principal fonte de melatonina para o
organismo.
Na mensagem de e-mail, Regina chamava
a atenção para um trabalho que enviava em anexo. Uma semana antes ela e sua
equipe haviam publicado no Faseb Journal as primeiras evidências de que os
oligômeros beta-amiloide, compostos tóxicos que se acumulam no cérebro nos
estágios iniciais da doença de Alzheimer, alteram o funcionamento da glândula
pineal e bloqueiam a síntese de melatonina. Produzido por quase todos os seres
vivos, esse hormônio de múltiplas funções ajusta o ritmo de fenômenos
fisiológicos como o sono, a fome e a temperatura corporal. No final dos anos
1990 o pesquisador italiano Salvatore Cuzzocrea, da Universidade de Messina,
demonstrou também que a melatonina funciona como um importante agente
anti-inflamatório. Desde então, Regina e sua equipe trabalham para compreender
melhor como a inflamação afeta a produção do hormônio e como as variações na
secreção da melatonina influenciam a inflamação. O objetivo do grupo é
identificar alvos específicos sobre os quais compostos, já existentes ou a
serem desenvolvidos, possam agir e evitar os danos indesejáveis da inflamação
persistente.
Com o estudo do Faseb Journal, o
grupo de Regina parece ter chegado a uma possível explicação para os efeitos
limitados de uma das poucas classes de medicamentos – os compostos
anticolinesterásicos, como a rivastigmina e a galantamina – disponíveis contra
o Alzheimer. Também pode ter aberto um caminho novo para o desenvolvimento de
fármacos que, usados em associação com os anticolinesterásicos, talvez consigam
melhorar o desempenho deles e permitir a administração de doses mais baixas,
reduzindo os efeitos colaterais.
Erika Cecon, bióloga da equipe de
Regina, realizou uma série de experimentos com ratos em que tentava simular a
inflamação causada pelos oligômeros beta-amiloide no Alzheimer. Primeiro, ela
injetou uma pequena dose dos oligômeros em uma das câmaras do cérebro dos
roedores e depois analisou, tanto em nível molecular como celular, o que
acontecia.
Na pineal, os oligômeros aderiram a
uma molécula da superfície das células chamada toll-like receptor 4 (TLR-4),
especializada em detectar sinais de danos ou de perigo, como a presença de
fragmentos de células mortas e de pedaços de microrganismos invasores. Uma vez
ativado, esse receptor desencadeou uma sequência de reações químicas que, nas
células produtoras de melatonina (pinealócitos), cessou a síntese do hormônio –
efeito semelhante já havia sido observado pelo grupo ao causar uma inflamação
cerebral em roedores usando lipopolissacarídeos (LPS), moléculas da parede de
bactérias. "Estudos internacionais sugerem que as pessoas com doença de
Alzheimer não produzem melatonina", conta Regina.
A redução inicial dos níveis de
melatonina é desejável e até fundamental para que células do sistema de defesa
se dirijam ao local danificado, destrua as células mortas ou os microrganismos
invasores e depois elimine os restos, numa espécie de faxina celular. Mas,
prolongada, ela se torna danosa porque começa a destruir também os tecidos
sadios.
No sistema nervoso central, a
diminuição dos níveis de melatonina deixa as células vulneráveis. Em 2013
Luciana Pinato e Regina demonstraram que a baixa da melatonina matou neurônios
em diferentes regiões do cérebro. Só foram poupados os neurônios do cerebelo,
órgão associado ao controle dos movimentos, que, por razões desconhecidas,
apresenta uma produção local do hormônio.
Sem ele, ocorre também outro efeito
no tecido cerebral. Os neurônios, células que transmitem e armazenam
informação, deixam de expressar em sua superfície os receptores sobre os quais
agem os anticolinesterásicos, os medicamentos contra o Alzheimer, observou o
grupo de Regina em parceria com o pesquisador francês Ralf Jockers. "A
restauração dos níveis de melatonina no sistema circulatório e a recuperação da
função dos receptores de melatonina podem ter um valor terapêutico,
especialmente por meio da administração de melatonina nos estágios avançados do
Alzheimer", escreveram no Faseb Journal. Esse efeito ainda precisa ser
comprovado em humanos.
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