sábado, 2 de maio de 2015

INFLAMAÇÃO ASSOCIADA AO ALZHEIMER INIBE A PRODUÇÃO DE MELATONITA...

FONTE: Revista Pesquisa Fapesp (noticias.uol.com.br).

Nas últimas semanas de março o dia foi mais longo que o normal no laboratório da farmacologista Regina Markus na Universidade de São Paulo (USP). À frente de uma equipe de 12 pessoas, ela própria chegava à universidade bem cedo pela manhã e só retornava para casa tarde da noite. "Estou trabalhando 24 horas por dia", escreveu em um e-mail enviado no dia 24 às 2h46 da madrugada. Mais tarde no mesmo dia, em uma conversa por telefone, ela contou que nessas fases de trabalho mais corrido estava habituada a passar dias quase sem dormir, tirando apenas cochilos estratégicos. A pressa era para concluir a redação de oito artigos que mostram uma possível conexão entre a inflamação leve e persistente observada na obesidade e em alguns casos de câncer e a desativação da pineal, glândula localizada na região central do cérebro e principal fonte de melatonina para o organismo.

Na mensagem de e-mail, Regina chamava a atenção para um trabalho que enviava em anexo. Uma semana antes ela e sua equipe haviam publicado no Faseb Journal as primeiras evidências de que os oligômeros beta-amiloide, compostos tóxicos que se acumulam no cérebro nos estágios iniciais da doença de Alzheimer, alteram o funcionamento da glândula pineal e bloqueiam a síntese de melatonina. Produzido por quase todos os seres vivos, esse hormônio de múltiplas funções ajusta o ritmo de fenômenos fisiológicos como o sono, a fome e a temperatura corporal. No final dos anos 1990 o pesquisador italiano Salvatore Cuzzocrea, da Universidade de Messina, demonstrou também que a melatonina funciona como um importante agente anti-inflamatório. Desde então, Regina e sua equipe trabalham para compreender melhor como a inflamação afeta a produção do hormônio e como as variações na secreção da melatonina influenciam a inflamação. O objetivo do grupo é identificar alvos específicos sobre os quais compostos, já existentes ou a serem desenvolvidos, possam agir e evitar os danos indesejáveis da inflamação persistente.

Com o estudo do Faseb Journal, o grupo de Regina parece ter chegado a uma possível explicação para os efeitos limitados de uma das poucas classes de medicamentos – os compostos anticolinesterásicos, como a rivastigmina e a galantamina – disponíveis contra o Alzheimer. Também pode ter aberto um caminho novo para o desenvolvimento de fármacos que, usados em associação com os anticolinesterásicos, talvez consigam melhorar o desempenho deles e permitir a administração de doses mais baixas, reduzindo os efeitos colaterais.

Erika Cecon, bióloga da equipe de Regina, realizou uma série de experimentos com ratos em que tentava simular a inflamação causada pelos oligômeros beta-amiloide no Alzheimer. Primeiro, ela injetou uma pequena dose dos oligômeros em uma das câmaras do cérebro dos roedores e depois analisou, tanto em nível molecular como celular, o que acontecia.

Na pineal, os oligômeros aderiram a uma molécula da superfície das células chamada toll-like receptor 4 (TLR-4), especializada em detectar sinais de danos ou de perigo, como a presença de fragmentos de células mortas e de pedaços de microrganismos invasores. Uma vez ativado, esse receptor desencadeou uma sequência de reações químicas que, nas células produtoras de melatonina (pinealócitos), cessou a síntese do hormônio – efeito semelhante já havia sido observado pelo grupo ao causar uma inflamação cerebral em roedores usando lipopolissacarídeos (LPS), moléculas da parede de bactérias. "Estudos internacionais sugerem que as pessoas com doença de Alzheimer não produzem melatonina", conta Regina.

A redução inicial dos níveis de melatonina é desejável e até fundamental para que células do sistema de defesa se dirijam ao local danificado, destrua as células mortas ou os microrganismos invasores e depois elimine os restos, numa espécie de faxina celular. Mas, prolongada, ela se torna danosa porque começa a destruir também os tecidos sadios.

No sistema nervoso central, a diminuição dos níveis de melatonina deixa as células vulneráveis. Em 2013 Luciana Pinato e Regina demonstraram que a baixa da melatonina matou neurônios em diferentes regiões do cérebro. Só foram poupados os neurônios do cerebelo, órgão associado ao controle dos movimentos, que, por razões desconhecidas, apresenta uma produção local do hormônio.


Sem ele, ocorre também outro efeito no tecido cerebral. Os neurônios, células que transmitem e armazenam informação, deixam de expressar em sua superfície os receptores sobre os quais agem os anticolinesterásicos, os medicamentos contra o Alzheimer, observou o grupo de Regina em parceria com o pesquisador francês Ralf Jockers. "A restauração dos níveis de melatonina no sistema circulatório e a recuperação da função dos receptores de melatonina podem ter um valor terapêutico, especialmente por meio da administração de melatonina nos estágios avançados do Alzheimer", escreveram no Faseb Journal. Esse efeito ainda precisa ser comprovado em humanos.

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