Rio -
Foi durante os exames de rotina que a dona de casa Marilene Valese Pantarotte,
hoje com 69 anos, descobriu que algo não ia bem com seu fígado. Acima do peso,
diabética, ela fazia acompanhamentos semestrais.
Depois de muitos especialistas e exames veio o
diagnóstico de cirrose e tumor. O fígado estava perdido. Marilene está há dois
anos à espera de transplante. Ao contrário do senso comum, que associa cirrose
a consumo de álcool, Marilene nunca bebeu. A doença foi causada pelo acúmulo de
gordura no fígado, a esteatose hepática. A longo prazo, a gordura acumulada
pode levar a processo inflamatório crônico até, por fim, desencadear cirrose ou
câncer.
"A esteatose há até dez anos não
representava causa importante no transplante de fígado. Hoje, a curva é
ascendente", afirma o hepatologista Carlos Terra, presidente do Grupo de
Fígado do Rio e médico do Hospital Federal da Lagoa. "Não é difícil
entender a razão. Metade da população tem sobrepeso, o principal fator de
risco. Se considerarmos que 20% dos pacientes com esteatose podem desenvolver
cirrose, a gente entende que o impacto no transplante do fígado vá aumentar
progressivamente nas próximas décadas."
Dados do Ministério da Saúde mostram que 52,2% da
população adulta tem excesso de peso. Nove anos atrás, a taxa era de 43% - o
aumento da população acima do peso foi de 23%. "É preciso conscientizar as
pessoas de que o sobrepeso não é problema de ordem estética. É questão de
saúde, que pode impactar muito seriamente a qualidade de vida", diz Terra.
A gordura no fígado não tem sintoma nenhum. O
paciente não sente dor, enjoo, nenhum incômodo. Costuma ser descoberta por
acaso. Entre as mulheres, quando fazem o exame periódico e o ginecologista pede
ultrassom abdominal. Nos homens, quando as enzimas do fígado aparecem alteradas
em exames de sangue feitos em check-ups. Não há remédio para acabar com a
gordura acumulada no fígado, mas o quadro é reversíves com alimentação adequada
e exercícios.
"Dos pacientes com gordura no fígado, entre
10% e 15% desenvolverão a inflamação crônica em 10 anos. Desses, nos 10 anos
seguintes, 20% terão cirrose; o tipo de cirrose que predispõe ao câncer de
fígado", diz o hepatologista Carlos Eduardo Sandoli Baía, da Rede de
Hospitais São Camilo de São Paulo.
Sem aviso. Como o paciente não sente dor
ou desconforto, muitas vezes não entende a gravidade do problema. Nem acredita
que está com cirrose. "Surpreendeu muito quando o médico disse que Marilene
tinha cirrose. É uma pessoa que não bebe, nunca bebeu", diz o militar
reformado João Eduardo Pantarotte, de 72 anos. "Há uma ignorância muito
grande da população. Quando digo que ela tem cirrose, a gente nota que a pessoa
tem uma reação, vê como coisa pejorativa. Minha mulher adoeceu por causa da
alimentação mal feita durante a vida. Ela foi criada passando gordura de porco
em tudo, até no pão. Mas o costume adquirido desde o início da vida é difícil
mudar. Nesse ponto é que nem o álcool. A pessoa não consegue mudar."
Hoje, as principais causas de transplante de
fígado são a cirrose provocada pelas hepatites B e C, com 30% dos casos, e
cirrose alcoólica, 20%. "As novas drogas que estão para ser aprovadas para
o tratamento da hepatite C resolverão a questão da fila de transplantes. Os
pacientes com cirrose por esteatose se tornarão a maioria", disse Baía. Em
2011, os transplantes por cirrose em decorrência da esteatose respondiam por
0,6% dos transplantes de fígado. Em 2014, essa proporção passou para 2,3% -
crescimento de 283%.
*** As informações
são do jornal O Estado de S. Paulo.
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