FONTE: Camila Neumam, Do UOL, em São Paulo (noticias.uol.com.br).
Há seis meses o bancário Roberto*, 22 anos, toma um
comprimido do medicamento Truvada todos os dias para evitar se contaminar com o
HIV. Ele mora na capital paulista com o seu namorado, o designer Cláudio*, 32 anos,
portador do vírus.
"Eu vi que era uma maneira de a gente se
proteger mais porque não gostamos de usar camisinha, já que a carga viral dele
é indetectável. Pesquisei sobre o assunto e vi que na Europa já tinha muita
gente que tomava", diz Roberto.
A precaução tem base científica. Segundo os
estudos mais recentes, o medicamento que combina dois antirretrovirais
(tenofovir e emtricitabina), conhecido como PrEP (profilaxia pré-exposição),
protege em quase 100% contra o vírus, se tomado diariamente.
O Truvada ainda não está disponível no Brasil,
mas o Ministério da Saúde estuda a possibilidade de incluir a sua distribuição
no SUS (Sistema Único de Saúde) para pessoas que apresentam riscos elevados de
infecção.
Para isso, o governo financia desde o ano passado
dois estudos que tem como objetivo verificar a viabilidade e a melhor forma de
oferecer o remédio na rede pública. Um deles é coordenado pela Fiocruz
(Fundação Oswaldo Cruz), no Rio de Janeiro, e o outro pela Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo, na capital paulista.
Juntos eles formam o projeto "PrEP
Brasil", que acompanhará, por um ano, 500 homens que fazem sexo com
parceiros sem camisinha, em um comportamento de risco de exposição ao vírus. Os
voluntários recebem medicamentos, fazem exames clínicos e se consultam com
psicólogos. Os primeiros resultados devem ser apresentados em 2016.
Remédio traz segurança
no sexo.
Roberto é voluntário do projeto e começou a tomar
o Truvada em novembro de 2014. Para não se esquecer de tomar o comprimido, ele
usa um despertador e carrega sempre algumas unidades na mochila.
"Passei a me sentir bem mais seguro quando
comecei a tomar e fiquei sem peso na consciência. Se eu me contaminasse, seria
muito ruim para mim, assim como seria para ele, porque eu poderia contaminá-lo
de novo", diz.
Segundo a infectologista Beatriz Grinsztejn, que
coordena o projeto no Rio de Janeiro, o Truvada tem tido alta adesão entre os
voluntários. No entanto, a chefe do laboratório de pesquisa clínica em DST/Aids
do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas afirma que o medicamento
não deve ser considerado um substituto da camisinha. "O uso do Truvada é
uma estratégia de prevenção adicional contra o HIV, mas não deve substituir o
preservativo", afirma a médica.
A Organização Mundial da Saúde (OMS), o Centro
para Controle e Prevenção de Doenças (CDC), dos Estados Unidos, e a Associação
Britânica de Saúde Sexual e HIV publicaram orientações sugerindo que a PrEP pode
ser considerada como uma das várias opções de prevenção para aquisição do HIV
entre as populações de alto risco, recomendando seu uso como parte de um
programa abrangente de prevenção ao HIV, como uso da camisinha, a circuncisão e
não amamentação pelas mulheres soropositivas, entre outras formas.
SP tem lista de espera.
O uso de um medicamento para quem não está doente
ainda é considerado controverso pela possibilidade de ter efeitos colaterais.
Mas, segundo a infectologista, uma das vantagens do Truvada é que seus efeitos
colaterais só permanecem nas primeiras semanas.
"Os efeitos colaterais são muito leves e são
caracterizados por náuseas, dores de cabeça e diarreias. Eles tendem a
desaparecer em até três semanas", afirma.
A ausência de fortes efeitos colaterais e o
aumento das evidências positivas sobre o Truvada têm aumentado o interesse de
pessoas pela droga. Em São Paulo, há uma lista de espera com 200 nomes de
pessoas que querem participar do projeto, de acordo com o infectologista
Ricardo Vasconcelos, coordenador médico do projeto "PrEP Brasil" em
São Paulo.
"O que eu sinto ao conversar com os
pacientes é que eles se sentem seguros com o Truvada. Há uma demanda reprimida
pelo medicamento porque quem quiser fora do programa tem que importar. Uma
caixa com 30 comprimidos pode custar R$ 2.000", diz.
Entretanto o infectologista adverte sobre o uso
recreativo do medicamento.
"Um grande medo que existe em relação à PrEP
é o seu uso irregular. Se a pessoa não tomar direito, pode causar a falsa
impressão de estar protegido e começar a transar sem camisinha. As pessoas têm
que ter consciência que tem que tomar direito, senão o risco aumenta",
afirma.
Casal sorodiscordante
prefere camisinha.
Casados há um ano, o analista técnico João
Geraldo Netto, 32, é portador do HIV, mas André Moreira, 31, não tem o vírus.
Apesar disso eles não cogitam usar o Truvada para evitarem uma possível
transmissão.
"Sempre ouvi falar dos avanços do Truvada,
porém eu não gostaria de colocar isso na nossa vida porque o André é muito sensível
a medicamentos e eu tenho medo que ele traga efeitos colaterais de longo prazo.
Eu prefiro manter meu tratamento e adotar outros métodos como a
camisinha", afirma Netto.
Para evitar contaminar o marido, Netto toma o
coquetel antirretroviral diariamente e usa camisinha em todas as relações
sexuais.
"O que mais aflige o soropositivo é infectar
alguém, principalmente um companheiro de vida. Mas, se a gente se trata, já é
meio caminho andado, porque diminui em mais de 90% a chance de isso
acontecer", diz.
* Os nomes são
fictícios.
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