Chegar ao final do dia com a roupa repleta de marcas de tinta, o tênis
cheio de areia, os cantos das unhas grudados com massinha, o cabelo molhado de
chuva… Se isso tudo parece apenas um cenário de sujeira e mais trabalho para
você, saiba que esses são sinais de que o seu filho está aprendendo a explorar
o mundo. E, sim, é um processo que, de vez em quando, envolve roupas estragadas
e sapatos inutilizados, mas é também algo muito importante para o
desenvolvimento infantil.
A grande questão, porém, é que com as mudanças na estrutura familiar, bem
como a chegada das novas tecnologias, esse brincar que suja e que demanda uma
vivência fora de casa parece estar cada vez menos presente na vida das
crianças. “A participação da mulher na economia e o fato de ocupar cada vez
mais o mercado de trabalho acabou por tirar de cena o padrão da mãe em tempo
integral, cujo único objetivo da vida era cuidar da casa e dos filhos. Além
disso, como efeito colateral, a relação de proximidade e intimidade entre
vizinhos já não encontra tanto espaço para florescer. Ao mesmo tempo, a tecnologia
trouxe atrativos que acabam por gerar uma falsa sensação de segurança para os
pais, cujos horários de trabalho também já não seguem um padrão como havia nas
gerações anteriores”, explica a especialista em aprendizagem Roberta Bento.
Ou seja, diante desse quadro – que se completa ainda com as frequentes
notícias de violência urbana, que mostram o quanto o mundo “lá fora” pode ser
assustador – cada vez mais ficar somente dentro de casa passa a ser o novo
normal. “Os pais ficam mais tranquilos e, com o apelo da tecnologia que prende
tanto a atenção de crianças e adolescentes, os filhos nem sequer resistem e
muitas vezes crescem sem saber quanta diversão e quanto aprendizado perderam ao
não explorar a grama, a areia, a chuva, entre outros”, diz a especialista.
Mas, então, se o cotidiano do mundo moderno e o contexto em que vivemos
atualmente parecem mesmo dificultar atividades que ajudam no desenvolvimento
dos pequenos e que demandam tempo e paciência dos pais, o que fazer? Um bom
começo é compreender o quanto é importante que as crianças explorem materiais,
formas, texturas… Principalmente quando isso é feito com elementos da natureza.
O que não quer dizer que os aparatos tecnológicos façam mal – o importante,
aqui, é encontrar um equilíbrio. “A tecnologia nos trouxe uma infinidade de
possibilidades. Porém, o resultado final só é positivo se ela entra para
acrescentar e não para substituir a brincadeira, o concreto, a mão na massa, o
pincel na tinta e no papel, os pés na terra e na água e as infinitas
possibilidades e descobertas que uma criança pode explorar ao longo de sua
infância”, lembra Roberta.
Como é cada vez mais difícil que essas atividades aconteçam de forma
espontânea, é fundamental incentivá-las – aproveitar férias ou fins de
semana para levar os pequenos para brincar ao ar livre, na praça ou no parque,
e encorajá-los a se divertir sem se preocupar. Deixar que explorem frutas
sozinhos, se lambuzando sem medo. Em casa, separar um cantinho para artes, com
materiais e roupas que possam ser manchadas sem problemas. No fim da atividade,
sua criança pode ainda desenvolver habilidades relacionadas à organização, como
explica a especialista em aprendizagem: “Eis uma excelente oportunidade para
ensinar a responsabilidade de limpar e organizar. Desde muito pequenas, as
crianças são capazes de ajudar a colocar em ordem aquilo que usaram para se
divertir. Esse processo enriquece a memória, que será fundamental mais tarde
para que o aprendizado formal corra de forma tranquila. Além disso, é nesses
momentos que os pais ajudam no desenvolvimento de habilidades como: senso de
responsabilidade, paciência e capacidade de foco e concentração.”
Por fim, vale lembrar que a escola também tem um papel fundamental nesse
processo – então, na escolha do colégio, é sempre bom perguntar aos
profissionais como eles incentivam essas atividades.
“O cérebro das crianças
funciona como uma esponja durante a primeira infância. São milhares de conexões
se formando e de memórias sendo formadas para depois serem usadas como combustível
no momento da aprendizagem formal, na escola. Quanto mais a criança
experimenta, explora, erra, tenta novamente e encontra o caminho, mais
enriquece seu almoxarifado de recursos para enfrentar o mundo no futuro”,
finaliza Roberta.
***
Consultoria: Roberta Bento, especialista em aprendizagem baseada
no funcionamento do cérebro pela Universidade da Califórnia e Duke University;
e em aprendizagem cooperativa pelas Universidades de Minnesota e de San Diego.
Desenvolvedora do projeto Socorro, meu filho não estuda, junto de Taís Bento.
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