quarta-feira, 3 de março de 2010

ANTIDEPRESSIVOS NA GRAVIDEZ E NA AMAMENTAÇÃO: TOMAR OU NÃO TOMAR?...

FONTE: Cristina Almeida, especial para o UOL Ciência e Saúde.
Ser mãe é padecer no paraíso, mas para quem tem depressão o preço a ser pago pelas delícias da maternidade pode ser bem maior. Mulheres que vivenciam esse problema, antes, durante ou depois da gravidez, enfrentam um dilema: tomar ou não tomar antidepressivos?
No passado, pensava-se que as modificações hormonais próprias da gestação protegiam e diminuíam a incidência dos distúrbios psiquiátricos. Hoje, sabe-se que a gravidez pode não só desencadear, como agravar a doença pois, para determinadas pessoas, a perspectiva de ter um filho se transforma num verdadeiro gatilho estressor.
O risco do uso de antidepressivos na gravidez está ligado aos possíveis efeitos teratogênicos, isto é, de má-formação do feto. Além disso, há possibilidade de interferência no peso e no desenvolvimento do bebê.
Quando a futura mãe planeja engravidar ou recebe a notícia da gravidez, a primeira providência é buscar a orientação de seu ginecologista ou obstetra. Entretanto, nem sempre esses profissionais estão preparados para tomar uma decisão sobre a melhor forma de agir nesses casos. Tomar remédio é um risco para o bebê. Porém, não tomar também pode prejudicar as gestantes: 70% das que abandonam o tratamento têm recaídas.
“Existe muito preconceito e, por isso, é mais fácil para um médico decidir tratar uma hipertensão ou bronquite do que a depressão na gravidez”, afirma o psiquiatra italiano Salvatore Di Salvo, diretor do Centro de Depressão, Ansiedade e Ataque de Pânico de Turim. “A tendência é sugerir que a paciente enfrente seu problema sozinha, com força de vontade e caráter. Mas esse conselho serve apenas para aumentar seu sentimento de culpa e inadequação”, completa.
O grande problema é a escassez de pesquisas sobre a segurança do uso de antidepressivos na gravidez. Muitas empresas farmacêuticas mantém registros de mulheres que utilizaram seus produtos, e alguns hospitais publicam informações sobre grupos que usaram esses remédios durante a gestação. Mas não há estudos em grande escala, nem com todos os tipos de remédios, por questões éticas.
PREVALÊNCIA.
Estima-se que 14% a 23% das mulheres podem ter sintomas de depressão durante a gravidez, e 10% delas desenvolverão a doença em seu nível mais grave, especialmente se houver suspensão da medicação enquanto se está tentando engravidar. E as chances de uma depressão pós-parto para quem já sofre da doença em sua forma crônica, segundo os especialistas, é de 15% a 20%.
“De modo geral, os antidepressivos não aumentam o risco de má-formação, que em situações normais é de 1% a 4%”, diz o psiquiatra Joel Rennó Jr., Coordenador Geral do Programa de Saúde Mental da Mulher (Pro-Mulher), do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Por isso, ele defende que os remédios sejam receitados quando os benefícios superarem os riscos.
Rennó comenta que muitas vezes os sintomas das grávidas são subdiagnosticados. “Cansaço, fadiga excessiva, crises de choro - questões triviais em uma gestação comum - podem ser sinais não só da depressão, mas de outros transtornos. Se esses sinais não forem identificados, mais tarde se manifestarão de forma exuberante no pós-parto”, completa.
E O BEBÊ?
Se tomar remédios pode ter efeitos indesejados, não tratar a depressão também pode ter consequências para o bebê . "Por causa da doença, essa mãe, durante a gestação, pode ter impulsos suicidas, recusar-se a se alimentar corretamente, bem como ausentar-se das consultas do pré-natal, com severas consequências”, alerta.
Assim como Di Salvo, Rennó conta que nunca presenciou um caso em que os riscos se concretizaram. Apesar disso, para ele, o uso dos antidepressivos deve ser criterioso: “A conduta do ginecologista e do obstetra deve ser observar com atenção o histórico da paciente. Se notar alguma evidência da doença, a avaliação conjunta do psiquiatra é imprescindível”.
O psiquiatra italiano afirma que os estudos mostram que os possíveis efeitos dos remédios às crianças se resumem a leves sintomas motores, menor coordenação ou tremores, arrepios, hipoglicemia, icterícia e até dificuldade respiratória, que tendem a desaparecer espontaneamente em poucas semanas”.
REMÉDIOS.
O médico afirma que esses sintomas são mais frequentes quando há prescrição de doses elevadas. Nesse caso, a solução é reduzi-las a um mínimo necessário, sempre com a opção de aumentá-las caso haja alguma recaída.
Os antidepressivos mais usados entre as gestantes, atualmente, são os serotonérgicos, que atuam na produção de serotonina, como a fluoxetina (Prozac) e a sertralina (Zoloft). “Há apenas uma exceção, a paroxetina, que tem sido relacionada à má-formação cardíaca. Fora isso, esses remédios são considerados seguros mesmo até a 12ª semana de gestação”, informa Rennó.
Já os ansiolíticos devem ser evitados, na opinião do médico italiano, especialmente no primeiro trimestre de gravidez: “Se não for possível suspender a medicação, a escolha deve recair sobre benzodiazepinas que permanecem na circulação sanguínea pelo menor tempo possível, resguardando o feto”.
Durante a amamentação, “onde, reconhecidamente, o remédio é passado para o bebê, se a dose for mínima, os efeitos para ele também serão mínimos. Todavia, alguns médicos preferem indicar o aleitamento artificial, para preservar o bebê e também para não submeter a mãe a mais estresse”, conclui Di Salvo.
CUSTO-BENEFÍCIO.
Em agosto de 2009, órgãos representativos de ginecologistas, obstetras e psiquiatras americanos (The American College of Obstetricians and Gynecologists – ACOG e The American Psychiatric Association - APA), elaboraram um documento conjunto com recomendações para tratamento de depressão durante a gravidez. E o resultado reforça a opinião de Rennó e Di Salvo: o especialista deve fazer uma análise de custo-benefício para cada caso.
Segundo o psiquiatra David A. Kahn, do Departamento de Psiquiatria da Universidade de Colúmbia, nos EUA, e coautor de um guia sobre o tema, os médicos devem seguir os seguintes critérios: “Se houve apenas um episódio e a futura mãe não apresenta sintomas no período de seis meses, a medicação pode ser suspensa antes da concepção. Para prevenir, a psicoterapia pode ser indicada”, diz o o psiquiatra David A Kahn, do Departamento de Psiquiatria da Universidade de Colúmbia (USA).
“Mas se ela tiver um histórico de depressão severa, com múltiplos e prévios eventos, a recomendação é que ela continue com a medicação, mesmo durante a concepção. Se ela já está sendo medicada e engravida, o médico pode optar pela substituição do medicamento por algum cujos efeitos sejam mais conhecidos, e o tratamento deve seguir durante a gestação", continua. Há apenas uma situação em que ainda não há acordo: quando a paciente teve apenas um episódio, mas grave, de depressão.
Os efeitos colaterais dos antidepressivos, vale lembrar, podem incluir nervosismo, insônia, cansaço, náuseas, diarreia e problemas sexuais. E, especialmente em um período delicado como a gestação, é bom levar a sério a recomendação das bulas de que nenhum medicamento deve ser suspenso sem orientação médica.

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