Cientistas nos
Estados Unidos estão fazendo experimentos para gerar órgãos humanos em porcos.
Em experimentos na
Universidade da Califórnia (UC), em Davis, à qual a BBC teve acesso, os
pesquisadores injetam células-tronco humanas em embriões de suínos para
produzir embriões híbridos apelidados de "quimeras".
O termo é uma
referência à mitologia grega, em que as quimeras são monstros híbridos de
diversos animais - parte leão, cabra ou serpente, por exemplo.
Porém, os
pesquisadores esperam que as suas "quimeras" humano-suínas tenham a
aparência e o comportamento normais de porcos, exceto pelo fato de que terão um
órgão composto de células humanas.
As pesquisas têm por
objetivo solucionar a falta de órgãos humanos para transplante.
Criando 'quimeras'.
A criação das
quimeras ocorre em duas partes. No experimento da UC, os cientistas removem o
gene de um embrião recém-fertilizado de porco que levaria ao desenvolvimento do
pâncreas no feto.
Isso é feito
aplicando-se uma técnica de edição genética (CRISPR). O resultado é um
"nicho genético" na estrutura genética do embrião animal.
Células-tronco
humanas (iPS), capazes de se desenvolver como qualquer tecido no corpo, são
então injetadas no embrião suíno.
Os pesquisadores esperam
que as células-tronco humanas ocupem o nicho genético no embrião de porco e
gerem um pâncreas com tecido humano no feto.
Os fetos se
desenvolvem em fêmeas de porco durante 28 dias - o período completo de gestação
é cerca de 114 dias. Após isso, as gravidezes são interrompidas e o tecido é
removido para análise.
Polêmica.
"Esperamos que o
embrião de porco se desenvolva normalmente, mas o pâncreas será feito quase
exclusivamente de células humanas e será compatível com o de pacientes esperando
transplantes", disse à BBC o coordenador da pesquisa, o biólogo
reprodutivo Pablo Ross.
Em experimentos
passados, a equipe de pesquisadores injetou células-tronco humanas em embriões
de porco sem criar antes o nicho genético.
Pablo Ross explica
que, embora eles tenham depois encontrado células humanas em diversas partes do
corpo do feto, essas células tinham "dificuldade de competir" com as
células suínas.
Ao apagar um gene
crucial no desenvolvimento do pâncreas do porco, os pesquisadores esperam poder
contornar esse desafio.
A pesquisa é
polêmica. No ano passado, a principal agência americana de pesquisa médica,
National Institutes of Health, suspendeu o financiamento de experimentos
semelhantes até que surjam mais informações sobre suas potenciais implicações.
A principal
preocupação é que as células humanas migrem para o cérebro dos porcos ao longo
do processo, tornado-os, de certa forma, mais humanos.
"Achamos que
existe um potencial muito pequeno de crescimento de um cérebro humano",
disse Pablo Ross, "mas isto é algo que investigaremos."
'Incubadora biológica'.
Outras pesquisas nos
EUA estão trabalhando com quimeras híbridas de humano e suíno. Nenhuma permite
o desenvolvimento do feto até o fim.
Walter Low, professor
do Departamento de Neurocirurgia da Universidade de Minnesota, diz que os
porcos são "incubadoras biológicas" ideais para gerar órgãos humanos,
e poderiam ser usados não apenas para gerar pâncreas, mas corações, fígados,
rins, pulmões e córneas.
Ele diz que no futuro
os cientistas poderiam tirar as células-tronco de um paciente na fila do
transplante e injetá-las em um embrião de porco com a relevante informação
genética apagada, como a referente ao fígado.
"O órgão seria
uma cópia genética exata do fígado humano, só que muito mais jovem e saudável e
não seriam necessárias tantas drogas imunossupressoras (que tentam evitar a
rejeição de um órgão transplantado pelo corpo), que têm efeitos
colaterais."
Mas ele salientou que
sua pesquisa, que usa outra forma de edição genética chamada TALEN, ainda está
em estágio preliminar, à procura de identificar os genes que precisam ser
removidos para evitar que os porcos desenvolvam certos órgãos em particular.
Seus pesquisadores
também estão tentando criar neurônios humanos a partir de embriões de porco
para tratar pacientes com doença de Parkinson. Estes embriões se desenvolvem
durante 62 dias.
Assim como seus
colegas na Califónia, Walter Low diz que sua equipe está monitorando os efeitos
da pesquisa no cérebro dos porcos.
"Com cada órgão,
vamos olhar para o que está acontecendo no cérebro, e se estiver parecendo
muito humano, não deixaremos os fetos nascerem."
Sofrimento animal.
A edição genética,
imbuída nas novas técnicas, está revitalizando a pesquisa dos chamados
xenoenxertos e o conceito de usar animais para produzir órgãos humanos.
Na década de 1990,
muitos esperavam que porcos geneticamente modificados pudessem suprir a demanda
por órgãos humanos para transplante. Acreditava-se que os transplantes entre
espécies fosse se tornar uma realidade em pouco tempo.
Testes clínicos foram
interrompidos por temores de que os humanos fossem infectados por vírus
animais.
Entidades que pedem o
fim da criação em larga escala de animais para fim de consumo se disseram
preocupadas com as novas pesquisas.
"Fico nervoso de
pensar em uma nova fonte de sofrimento animal sendo aberta", disse Peter
Stevenson, da organização Compassion in World Farming (Compaixão na Pecuária
Mundial).
"Devemos
primeiro aumentar o número de doadores humanos. Se ainda assim houver escassez
de órgãos, podemos considerar usar os porcos, mas desde que comamos menos
carne, para não elevar o número de porcos sendo usados para fins humanos",
defendeu.
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