Na teoria, o benefício é incontestável: como gastamos
calorias durante a digestão, passar o dia inteiro processando alimentos é uma
tática esperta para emagrecer com mais facilidade. Fora o papo de que os
lanches intermediários deixam a barriga cheia, o que culmina em pratos mais
equilibrados no almoço e no jantar. Somando esses princípios, a gente entende
por que comer de três em três horas virou um mantra entre a enorme parcela da
população que almeja entrar em um número de calça menor. A questão é que toda
essa história não vem passando nos testes da ciência.
Durante dois meses, pesquisadores da Universidade de
Ottawa, no Canadá, acompanharam obesos que consumiam o mesmo tanto de calorias.
Mas, enquanto metade do grupo alimentava-se apenas no café da manhã, almoço e
jantar, a outra parte fazia, além dessas refeições, mais três lanches ao longo
do dia - como manda o figurino. Ao final da pesquisa, publicada no renomado The
British Journal of Nutrition, todos emagreceram. Até aqui, tudo bem, já que os
voluntários comeram menos do que estavam acostumados. O intrigante mesmo foi
que todos perderam exatamente a mesma quantidade de gordura - o equivalente a
5% do peso original. Ou seja, quem parcelou a dieta não viu nenhuma vantagem
extra.
Em 2015, o fracionamento das refeições foi posto em xeque
em outro periódico respeitado da área, o Nutrition Reviews. Pesquisadores
americanos fizeram um pente-fino em 15 estudos realizados entre 1966 e 2013 que
avaliavam os efeitos do hábito de comer de três em três horas. O resultado:
apenas um dos trabalhos encontrou relação entre essa estratégia e
emagrecimento. Para o endocrinologista Henrique Suplicy, da Sociedade
Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, as contradições ocorrem porque o
funcionamento do metabolismo é complexo. Para começar, ainda que a digestão
gere queima calórica, esse gasto é pequeno. "O corpo usa apenas 10% das
calorias ingeridas nesse processo", esclarece. Não é o suficiente,
portanto, para secar a silhueta.
Mas e aquele papo de que apostar nos lanchinhos aplaca a
fome? Bem, sempre se acreditou que, ao comer a cada três horas, a liberação de hormônios promotores da saciedade ocorreria com maior intensidade.
"Para a nossa surpresa, não descobrimos evidências de que o espaçamento
entre as refeições, para mais ou para menos, influencie na produção dessas
substâncias", conta o endocrinologista Éric Doucet, um dos estudiosos do
time de Ottawa. Tudo leva a crer que o organismo só libera esses hormônios
quando recebe uma grande quantidade de calorias de uma única vez - ou seja,
após refeições reforçadas. Seria uma forma de sinalizar ao cérebro que o
estoque de energia está mesmo cheio.
Agora, se não facilitam o emagrecimento, pelo menos as
refeições intermediárias são inofensivas, certo? Na verdade, parece que não. Há
quem diga que são capazes de favorecer justamente o efeito oposto. Segundo a
nutricionista Cynthia Antonaccio, da Equilibrium Consultoria em Nutrição, na
capital paulista, uma dieta com vários lanchinhos pode estimular algumas
pessoas a se alimentarem mesmo quando não estão com fome. "Muita gente faz
um almoço satisfatório e, quando chega o meio da tarde, se obriga a realizar um
lanche só porque foi prescrito", diz. Aí, existe o risco de comer até mais
do que antes da dieta. Como se não bastasse, é comum superestimar o tamanho das
porções dos snacks indicados. Em vez de uma maçã, escolhemos logo uma salada de
frutas com granola. No lugar de uma fatia de pão integral, atacamos um
sanduíche da padaria. São extras que pesam na balança. "Parece um sistema
ultrapassado, mas contar calorias é importante. Afinal, quem come mais do que
gasta vai engordar", afirma.
Para um grupo de indivíduos, o lanche da manhã ou o da
tarde não funcionam apenas por questões calóricas. Há aqueles que torcem o
nariz para dietas mais trabalhosas, cheias de intervalos - daí desistem no meio
do caminho. Sem falar na turma que simplesmente não consegue encaixar os snacks
na rotina agitada. Nesses contextos, não é crime concentrar a ingestão
alimentar em três refeições, desde que as calorias sejam calculadas de modo a evitar
abusos. Aliás, essa é uma tendência nos consultórios de nutrição: ajustar o
número de refeições de acordo com o perfil do paciente.
Até porque há, sim, quem saia ganhando ao comer a cada
três horas. Caso das pessoas que beliscam sem parar. "Cansei de ver
pacientes que comem tudo o que está pela frente", conta a nutricionista
Gisela Müller, da clínica Bio Bem Estar, em São Paulo. O hábito está
diretamente relacionado à obesidade, como registrou uma pesquisa da
Universidade Maastricht, da Holanda. Nela, foram avaliados os impulsos de 87
mulheres diante de imagens de guloseimas. Os experts notaram que aquelas com
maior índice de massa corporal eram justamente as mais arrebatadas pelas fotos
- em situações assim, os lanches são mais do que bem-vindos para impedir o
descontrole.
Sem beliscar (mesmo).
O fracionamento de refeições anda com o moral tão em
baixa que até abriu espaço para um método conhecido como jejum intermitente
ganhar ibope. Uma abordagem popular dessa dieta é pular uma refeição, a exemplo
do café da manhã, e alimentar-se somente a partir do almoço. Mesmo que a pessoa
sinta muita fome e exagere na refeição permitida, com risco até de indigestão,
os defensores desse sistema dizem que o consumo calórico ao final do dia ainda
será menor.
Mas esse tipo de dieta é bem controverso, porque limita a
oferta de nutrientes fundamentais para o organismo, como carboidratos,
proteínas e gorduras. Portanto, deve ser evitado por crianças, adolescentes e
gestantes, que carecem de mais energia. Os médicos também alertam para a
possibilidade de induzir a um comportamento perigoso, como a anorexia. Apesar
de tantos poréns, o tal do jejum intermitente ganha cada vez mais adeptos pelo
mundo.
Outra forma de praticá-lo, bem mais radical, propõe
alternar dias normais de alimentação com outros nos quais se ingere apenas água
e sopas. O objetivo é colocar o organismo em modo de hibernação, forçando-o a
usar a energia estocada. O resultado, de acordo com o endocrinologista Bruno
Halpern, da Clínica Halpern, em São Paulo, tende a ser a redução de medidas.
"Dietas que envolvem o jejum podem ajudar quando os tratamentos
convencionais para emagrecer não estão funcionando. Elas beneficiam
principalmente os muito obesos", afirma.
Para além da perda de peso, o jejum parece ter mais
respaldo científico. Desde os anos 1990, o biogerontologista Valter Longo, da
Universidade do Sul da Califórnia, nos Estados Unidos, investiga o efeito da
restrição de calorias em animais. Em estudo publicado em 2010 pela revista
Science, o médico notou que a técnica diminuiu a incidência de
tumores, reduziu danos aos neurônios e
prolongou a vida de fungos, ratos e macacos.
E os indícios são igualmente otimistas para nós, seres
humanos. Entre 2007 e 2009, cientistas americanos ligados ao Instituto Nacional
do Envelhecimento observaram melhores índices de pressão, glicemia e colesterol
em 218 voluntários que cortaram em 12% o consumo de calorias por dois anos.
"Há sinais de que comer três vezes por dia não seria evolutivo, visto que
o nosso corpo tem a capacidade de armazenar energia e passar por períodos de
jejum", analisa Halpern. Mas o médico frisa que, antes de alterar o menu
(incluindo os horários à mesa), é necessário passar por um expert em nutrição.
Só assim você vai saber qual o ritmo de refeições mais adequado ao seu relógio
interno.
Quem precisa fracionar.
Tem um pessoal que não deve ficar horas sem comer, como
os pré-diabéticos e diabéticos. É que eles correm o risco de sofrer
hipoglicemia (quando o açúcar baixa demais no sangue), que pode ocasionar
tontura, confusão mental e até desmaio. Outro grupo que sai prejudicado ao
ficar de barriga vazia é o de gente que fez cirurgia bariátrica. Por causa do
estômago reduzido, a comida ingerida vai direto para o intestino - aí a
digestão é bem rápida. Logo, intervalos grandes entre as refeições podem
provocar fraqueza, náusea, dor abdominal e diarreia.
Tem que comer antes de malhar.
Ainda que você possua afinidade com aquela turma que se
sente mais bem-disposta (e controla o peso) ao se alimentar apenas três vezes
por dia, há um lanchinho que não pode ser riscado da rotina. É aquele que precede a prática de exercícios físicos.
Isso porque na hora da malhação o corpo precisa de energia extra - e não
atender a essa necessidade pode cobrar um preço caro, como fraqueza, tontura e
até desmaio.
Você é do time que fraciona?
Para quem não
abre mão dos lanches, o segredo é escolher itens balanceados.
- Mix de castanhas e nozes
- Frutas como maçã, uva e banana
- Vegetais como cenourinha, tomate-cereja e salsão
- Barra de cereal (evite as versões com chocolate)
- Biscoitos de arroz
- Balas de colágeno
Os lanches que são roubada
Passe longe das
opções lotadas de açúcar, sal e gordura.
- Bolachas recheadas
- Fatias de bolo e torta
- Refrigerante e néctares
- Salgadinhos de pacote
- Pãozinho francês
- Bombons
- Croissant, coxinha e rissoles
- Balas açucaradas
*** Colaborou para a
reportagem: Carla Ruas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário