Sente-se, relaxe e
não pense em nada. É difícil? Pode existir uma boa razão pela qual a mente
divaga e se direciona para os mais diferentes pensamentos, mesmo quando se
tenta desligá-la: nosso cérebro nunca descansa realmente.
E ao contrário do que
se pensa normalmente, "sonhar acordado", como os psicólogos chamam,
pode até mesmo trazer benefícios à mente e ao corpo.
Por muitos anos,
cientistas assumiram que nossos cérebros trabalham duro quanto têm um trabalho
a fazer e "desligam" quando não somos estimulados. É por isso que
você costuma ler sobre experimentos em que voluntários têm que realizar tarefas
como bater o dedo na mesa, fazer contas de cabeça ou olhar para determinadas
imagens enquanto se submetem a uma ressonância magnética.
A ressonância revela
quais partes do cérebro se tornam mais ou menos ativas durante cada tarefa. Mas
os neurocientistas se surpreenderam ao descobrir que, quando o cérebro está
supostamente descansando, ele na verdade está mais ativo do que nunca.
Os resultados de
pesquisas recentes sugerem que divagar pode ser uma estratégia do organismo
para organizar a memória, preparar-se para o futuro e até mesmo para manter o
corpo funcionando corretamente --inclusive naqueles momentos em que você
deveria estar prestando atenção em outra coisa.
"A divagação por
muito tempo foi vista como algo negativo. Queremos produtividade das pessoas,
queremos que elas prestem atenção. A escola é basicamente um treinamento para
isso. Mas nos últimos anos, o que tem se notado é que o cérebro está sempre indo
de um lugar para outro", disse à BBC o neurocientista Daniel Margulies,
pesquisador do Instituto Max Planck para Ciências Cognitivas e do Cérebro
Humano, na Alemanha.
"Nos momentos em
que estamos atentos e focados em algo nós conseguimos apenas controlar um pouco
essa atividade. Então, como o cérebro está divagando o tempo todo, começamos a
achar que isso deve ter uma função metabólica e psicológica."
Uso de energia.
A equipe de
pesquisadores coordenada por Margulies tenta descobrir o que exatamente
acontece dentro da sua cabeça enquanto você divaga. Mas o interesse no assunto,
segundo o cientista, é recente.
"Sempre
assumimos que a atividade contínua do cérebro humano - essas flutuações que
parecem ondas gigantes - era uma espécie de ruído. Demorou algum tempo para que
os cientistas desse campo reconhecessem que havia, nesse ruído, sinais com
algum significado."
Um dos primeiros
estudos que levantava essa hipótese foi publicado em 1995. Dois anos depois, em
1997, um levantamento analisou resultados de diversas pesquisas sobre a rede de
neurônios que "acende" no cérebro quando estamos prestando atenção em
algo - e encontrou um resultado surpreendente.
Os estudos davam a
entender que os momentos de maior atividade no cérebro dos pacientes eram
quando estavam apenas deitados sem fazer nada, e não quando estavam realizando
atividades.
"Não só o
cérebro trabalha, como há algumas regiões específicas que ficam consistemente
mais ativas quando a pessoa não está fazendo nada, em comparação com diversas
outras atividades. Também estamos estudando o que exatamente estas regiões
estão fazendo nesse estado padrão", diz Margulies.
Isso ajudaria a
explicar por que o cérebro gasta um percentual tão alto da energia do corpo -
cerca de 20% da Taxa Metabólica de Repouso (RMR, na sigla em inglês), a energia
que o organismo usa durante um dia sem muita atividade física.
"Estamos
justamente tentando entender este mistério: o que o cérebro está fazendo com
tanta energia, se ela não parece estar sendo gasta nas atividades diárias às
quais ele se dedica, e, sim, nos pensamentos aleatórios? Essa questão não é só
psicológica, mas fisiológica também."
Muitas tarefas.
Se sonhar acordado
requer tanto trabalho e energia, não é de espantar que este seja um dos
principais motores da criatividade humana, de acordo com os pesquisadores.
"A divagação é
provavelmente o momento em que as coisas mais interessantes que fazemos
acontecem. É muito importante para o pensamento criativo", disse à BBC
Charles Fernyhough, professor de psicologia na Universidade de Durham, no Reino
Unido.
"Esse momento
está muito ligado à memória e ao processamento do passado e ao planejamento do
futuro. Além disso, também refletimos sobre nossos relacionamentos com outras
pessoas e sobre problemas que precisam ser resolvidos, o que eu chamo de
'jardinagem social'."
Os ganhos específicos
do cérebro nos momentos em que divagamos ainda são, no entanto, uma incógnita
para os pesquisadores.
Ao entrar em um
avião, por exemplo, é comum pensar: "E se ele cair?". Para Margulies,
esse tipo de projeção pode ser também uma forma que o cérebro encontra de estar
preparado para diversos cenários.
"Ainda há uma
certa confusão no nosso entendimento do porquê divagamos e por que a nossa
atividade cerebral permanece contínua", admite.
Uma das teorias mais
aceitas, segundo o neurocientista, é a de que sonhar acordado é também o tempo
que o cérebro usa para organizar sua lista de afazeres.
"Para mim, o
cérebro parece estar fazendo faxina e manutenção da atividade corrente e das
necessidades metabólicas. É um sistema enorme para manter funcionando, são
muitas células."
"Então é
provável que só uma parte pequena dessa atividade seja realmente responsável
por nosso estado mental - se estamos estressados ou relaxados. Pensamos que
estar num estado meditativo apenas é estar num momento em que o cérebro está
mais calmo. Mas continua tendo muitas coisas a fazer", explica.
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