FONTE: Helena Bertho, Da Universa, http://universa.uol.com.br
Quando questionou a
mulher sobre uma conversa com outra, Ana*, 27
anos, não esperava a reação que a companheira teve. Em vez de se explicar, a
parceira ficou irritada e lhe deu um soco na cara. A estudante não entendeu o
que houve e, quando recebeu o pedido de desculpas, perdoou.
"Ela me dizia que
não era violenta. Falava que as ações delas eram reflexo das minhas atitudes, e
eu acreditava", conta Ana, que aceitou a repetição da agressão por meses,
até o dia em que a mulher tentou matá-la estrangulada.
A dificuldade de Ana de
reconhecer a violência doméstica veio, em parte, do fato de que ela acreditava
que esse tipo de agressão era algo que acontecia somente partindo de homens.
Mas o fato é que a
violência doméstica pode acontecer em relações de pessoas do mesmo sexo.
"É importante que se comece a falar sobre amor entre mulheres e também
sobre violência entre mulheres", diz Marina Ganzarolli, advogada da Rede
Feminista de Juristas e ativista pelos direitos das mulheres lésbicas.
É
uma questão de poder.
Para a psicóloga
Juliana Mazza, que estudou o tema em seu mestrado na Universidade Federal de
Pernambuco, o que está por trás dessa violência não é a força física ou a
cultura machista, mas, sim, as relações de poder. "Existem hierarquias
também nessas relações", explica.
Não se pode perder de
vista que a violência pode acontecer com qualquer casal, em qualquer par pode
haver relações assimétricas.
Em uma sociedade
machista, a assimetria de poder entre homens e mulheres é muito comum e, por
isso mesmo, tão comentada. Mas existem outras formas dessa desigualdade se
manifestar. No caso de Ana, ela tinha uma questão de autoestima, que era usada
pela mulher para manipulá-la e mantê-la constantemente com medo de que a
relação acabasse.
Juliana cita ainda
outras questões que surgiram em suas pesquisas: racismo, situação econômica,
classe social e mesmo a questão de se assumir ou não para a família. Diversos
fatores que colocavam uma das mulheres em situação de submissão em relação a
outra, possibilitando a violência.
Violência
invisível.
Das denúncias de
violência recebidas no Ligue 180, o número de atendimento à mulher, apenas 0,3%
é de relações entre mulheres, segundo o balanço de 2016. Para Juliana Mazza, o
que poderia ser um sinal de que essas agressões são incomuns é, na verdade, um
indício da subnotificação. "Não há números sobre isso, é uma violência
invisível."
Segundo Juliana, o dado
está ligado à própria invisibilidade das questões das lésbicas e também a uma
série de lendas. Há mitos como o de que apenas o homem agride, o de que
mulheres não são capazes de violência até um preconceito de que se trata apenas
de "briguinha de mulher", algo menor e não digno de nota.
O fato de a família de
uma delas não saber da orientação sexual também pode ser um fator. "Se a
família não sabe, ela não tem para quem pedir ajuda e acaba por não
denunciar", explica a psicóloga.
A subnotificação ainda
é influenciada pela circunstância de agressora e agredida serem mulheres.
"Existe uma solidariedade: 'Eu não vou denunciar outra mulher, vou só
terminar'."
Preconceito
no acolhimento.
Ana foi exceção a esses
fatores e escolheu procurar a polícia. No dia em que a companheira bateu sua
cabeça no chão seguidas vezes e tentou enforcá-la, ela procurou a Delegacia da
Mulher. "Estava chorando e sangrando, e um policial me disse para ir para
casa, que era besteira, briga de mulher", conta.
A dificuldade no
atendimento que quase a fez desistir não é raridade. "Ainda temos muitos
profissionais de segurança que não estão preparados para lidar com famílias
homoafetivas. Se forem duas mulheres, vão minimizar a violência", afirma
Manoela Alves, secretária geral do Coletivo de Mulheres Lésbicas e Bissexuais
de Pernambuco.
A Lei Maria da Penha
prevê o atendimento a mulheres lésbicas, mas Juliana Mazza destaca, em sua
tese, que, na legislação, o termo usado é sempre "agressor", no
masculino.
A escolha de palavras reflete a questão da invisibilidade da violência doméstica sofrida por lésbicas e traz implicações em diversos níveis, como a falta de políticas públicas para acolhimento dessas mulheres. Trazer luz ao assunto é o primeiro passo para que ele possa ser encarado.
A escolha de palavras reflete a questão da invisibilidade da violência doméstica sofrida por lésbicas e traz implicações em diversos níveis, como a falta de políticas públicas para acolhimento dessas mulheres. Trazer luz ao assunto é o primeiro passo para que ele possa ser encarado.
* Nome
trocado a pedido da entrevistada.
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