É chegar uma
notificação no seu celular para o seu cérebro começar a se assanhar. Isso nem
sempre quer dizer que o aparelhinho é capaz de ampliar suas faculdades mentais
e deixar seu raciocínio mais afiado, sua memória mais potente ou sua
concentração mais aguçada.
Psicólogos e
neurocientistas que estudam o assunto não encontraram uma resposta definitiva
sobre os efeitos do celular e de outros dispositivos do mundo tecnológico sobre
o cérebro, mas já têm dados que chamam a atenção. O volume gigantesco de
estímulos produzidos por gadgets está relacionado com deterioração da memória,
dificuldade de peneirar informações inúteis, aumento nas taxas de ansiedade e
estresse e até num desperdício de capacidade cerebral.
Esses efeitos não estão
tão longe de você. Levante a mão quem nunca fez isso: pausou Netflix para
responder WhatsApp; não voltou ao vídeo porque foi ver comentários a uma foto
no Instagram; e, antes de ler tudo, já estava abrindo o Facebook para ver a
nova polêmica no textão de um amigo.
Em termos de sequestrar
sua atenção, smartphones, computadores e aplicativos são craques, mas não
inventaram a roda. Apenas maximizaram um sem número de truques para você não
largar deles. E, é claro, seu cérebro cai em várias armadilhas.
Ciclo
vicioso do prazer.
"Quando você recebe
notificações e alertas, seja no computador ou no telefone, você cria uma
resposta condicionada para reagir automaticamente a eles. Você pode dizer que
isso está afetando 'seu cérebro' ao criar o hábito de um gatilho
neurológico", conta ao UOL Tecnologia a psicologista norte-americana Susan
Weinschenk, consultora em neuropsicologia e autora do livro "Neuro Web
Design – What Makes Them Click?" ("Neuro Web Design – O que os faz
clicar", em tradução literal).
Esse condicionamento
pode ser feito com qualquer coisa -- por exemplo: programar-se para passear com
o cachorro todo dia de manhã após tomar café. Mas a onipresença desses
aparelhos e a imprevisibilidade com que os diversos apps enviam alertas faz com
que esse gatilho não tenha hora nem lugar para disparar.
"O smartphone
deixa a gente conectado 24 horas por dia", diz a psicóloga Janaína
Brizante, diretora do laboratório de neurociência da Nielsen. "Cada vez
que você aperta a bolinha do celular, recebe uma injeção de neurotransmissores
que te dão uma sensação de bem-estar", completa. Entre eles, está a
dopamina.
Se você já se pegou
rolando o feed no Facebook ou no Instagram por horas e horas sem objetivo
nenhum, saiba que você já foi pego pelo 'loop de dopamina', um ciclo vicioso de
bem-estar que faz seu cérebro esquecer do mundo, conforme explica Weinschenk.
Esse neurotransmissor
age em diferentes áreas, como o pensamento, o humor, a atenção e a motivação.
Mas também é responsável por você sentir prazer. À medida que você vai
recebendo curtidas e lendo comentários em redes sociais, por exemplo, a
dopamina vai promovendo uma sensação gostosa de bem-estar.
"Seu cérebro entra
em um ciclo vicioso para receber prazer", explica o psicólogo Cristiano
Nabuco, coordenador do grupo de dependências tecnológicas do Instituto de
Psiquiatria da Universidade de São Paulo (IPq-USP).
Ansiedade
e tensão.
Só que, ao notar a
inundação de dopamina, o cérebro cria uma trava para impedir que qualquer meia
dúzia de curtidas leve ao êxtase. "Ele cria uma tolerância para que, se
dessa vez foram precisos 8 minutos para liberar dopamina, da próxima sejam
necessários 15 minutos", explica.
Para completar, como o
sistema que libera o neurotransmissor é sensível a pistas de que algo agradável
está para acontecer, basta uma notificação para que fique em estado de alerta.
Esse processo vai treinando nosso cérebro, à base de uma boa dose de estresse,
para esperar notificações, diz o endocrinologista norte-americano Robert
Lustig.
"Isso tem gerado
bastante ansiedade. E faz que algumas pessoas fiquem o tempo todo checando se
há coisa nova no celular", diz Brizante.
Pagando
o pedágio.
Além de possuírem todas
as artimanhas para nos abduzir a qualquer momento, os smartphones executam
inúmeras funções, de tocar música a enviar mensagens. São, por excelência, um
aparelho multitarefa. Só que toda vez que você pula de um app para outro, seu
cérebro paga um "pedágio" em capacidade de processamento. Fazer isso
intensamente pode comprometer até 40% do tempo produtivo do cérebro, estima o
psicólogo David Meyer.
Essa constante
interrupção associada ao 'loop da dopamina' tem efeitos negativos, aponta
Lustig, já que libera injeções de cortisol (o hormônio de estresse) quando uma
atividade é interrompida e de dopamina, quando outra é iniciada.
Sedentos
por irrelevância.
O caráter multitarefa
dos celulares continua atrapalhando mesmo depois de o aparelho ser desligado,
principalmente quando a concentração em uma só atividade é exigida.
Pesquisadores da Universidade Stanford demonstraram que jovens acostumados a
essa enxurrada de estímulos têm cérebros mais preguiçosos e com menor
capacidade de ignorar informações irrelevantes.
Em testes, os
acadêmicos constataram que essas pessoas também não conseguiam memorizar dados
simples, como letras que se repetiam. "Eles são sedentos por
irrelevância", afirmou o professor Clifford Nass, um dos pesquisadores, à
revista "Proceedings of the National Academy of Sciences".
As informações vistas
nesse troca-troca de tarefas não chegam nem a virar memórias de curto prazo, o
que dificulta a consolidação de conhecimento. "A alternância de tarefas
vai tornando as pessoas mais 'rasas' por não conseguirem fazer associações mais
profundas", diz Nabuco.
Crianças.
O impacto da tecnologia
é ainda maior sobre cérebros em formação, como os de crianças e adolescentes.
Nabuco explica que crianças precisam receber estímulos do meio ambiente. Ao
interagir com aparelhos eletrônicos, isso não ocorre, e ela pode sofrer
dificuldade com a linguagem e em lidar com o outro, e não desenvolvem
inteligência emocional.
"Quando você
interage com um tablet, por mais que mude com o equipamento, a resposta é
sempre a mesma. Você vai nivelando as respostas da criança e a amplitude de
resposta emocional dela vai sendo diminuída."
Cérebro
x mundo virtual.
Nosso cérebro se
desenvolveu e evolui em um mundo em que existiam apenas interações físicas,
vindas da natureza ou da relação direta com outros seres humanos. Apesar de ele
ser dotado de uma grande capacidade de se adaptar, algo chamado de
"plasticidade cerebral", ainda não se acostumou com as peculiaridades
do mundo virtual. Por isso, não faz distinção entre o real e o virtual.
"Não é que o
celular deixa a nossa cabeça turva, mas a gente está lidando com o mundo real e
o virtual do mesmo jeito", comenta Brizante. É isso que dispara uma onda
de ansiedade quando mensagens no WhatsApp demoram para ser respondidas. Para o
seu cérebro, é como se o remetente estivesse na sua frente e optasse por
ignorar você. As redes neurais, aliás, que processam a dor física, como a de um
corte no dedo, é a mesma que analisa a dor social, aquela do rompimento de um
namoro, por exemplo.
Mais
controle.
O caminho para afastar
essas interferências ao nosso cérebro é adotar uma dieta mais equilibrada de
tecnologia. Isso não quer dizer proibir tudo. O caminho, dizem os
pesquisadores, é restringir o uso em momentos em que a atenção é crucial.
Citam, por exemplo, a França, que proibiu
neste ano alunos de levarem celulares para a escola.
Ainda que lance mão de
vários truques para chamar a nossa atenção, a indústria da tecnologia já
percebeu que é preciso colocar um freio. As novas versões dos dois sistemas
operacionais mais usados em celulares (iOS e Android) terão ferramentas para
controlar o uso exacerbado de alguns apps.
"As próprias
companhias estão percebendo que o uso prejudicial para a saúde pode prejudicar
o uso geral. Elas querem que você continue usando, mas mantenha um uso
saudável", diz Brizante.
Nabuco, do Instituto de
Psiquiatria da Universidade de São Paulo, concorda. Mas duvida da intenção
dessas ações. "A minha pergunta é: será que eles estão preocupados com o
tempo gasto ou estão preocupados em receber processos de saúde como os que
existem na indústria de cigarro?".
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