FONTE: Portal Brasil, TRIBUNA DA BAHIA.
Na próxima vez em que você
estiver num consultório médico, ou em outro estabelecimento de saúde, e um
profissional lhe perguntar se está fazendo uso de algum medicamento, procure
responder o mais detalhadamente que puder.
Também é essencial relatar o uso
de chás, pomadas ou até mesmo aquele comprimido habitual para dor de cabeça.
Esses passos são importantes para tentar prever e prevenir um evento ao qual
geralmente não se dá muita atenção, até que ocorra: a interação medicamentosa.
O problema acontece quando os
efeitos de um remédio são alterados pela presença de outro, bem como pela
mistura com fitoterápicos (os chamados remédios naturais), alimentos, bebidas
ou algum agente químico ambiental — como o calor emanado pelo chuveiro de casa.
O Sistema Nacional de
Informações Toxico Farmacológicas (Sinitox/Fiocruz) registrou, só em 2011,
cerca de 30 mil casos de intoxicação por uso de medicamentos. Embora não
seja possível afirmar quais deles ocorreram por interação medicamentosa, em
três circunstâncias específicas a possibilidade é muito extensa: pelo uso
terapêutico errado, pela prescrição médica incorreta e por automedicação.
“Às vezes a pessoa está fazendo
uso de determinado medicamento e não informa isso ao médico, durante a
consulta. Em outras, o próprio médico desconhece o potencial de interação dos
remédios. E há ainda os casos em que o paciente usa medicamentos que tem em
casa, seguindo palpites de amigos ou parentes, sem ter noção se eles podem
realmente ser misturados”, descreve a coordenadora do Sinitox, Rosany Bochner.
Embora nem toda interação
medicamentosa seja ruim, é preciso estar atento aos riscos de reunir, sem
intenção prévia, dois ou mais efeitos terapêuticos. As consequências variam de
dores pelo corpo, sangramentos e até problemas cardíacos, podendo, no extremo,
ser fatal.
No artigo Interações
medicamentosas: uma contribuição para o uso racional de imunossupressores sintéticos
e biológicos, disponível na base Scielo, os autores apontam duas questões
que reforçam a necessidade de atenção ao assunto.
A primeira delas é que a
incidência de reações adversas causadas por interações medicamentosas não é
totalmente conhecida, especialmente devido à dificuldade de sistematizar, num
amplo banco de dados, os números e os tipos de pacientes aos quais foram e são
prescritas as combinações com potencial para problemas.
E a segunda é que “não é possível
distinguir claramente quem irá ou não experimentar uma interação medicamentosa
adversa”. Alguns cuidados, contudo, reduzem sensivelmente as surpresas
indesejáveis. O primeiro deles é optar pela informação.
Ler a
bula.
Seja pelo tamanho ou pela
linguagem, ninguém nega: ler a bula é uma tarefa difícil. Mas é ela que contém
todas as informações úteis a respeito do medicamento a ser administrado,
inclusive se ele pode, ou não, ser consumido junto a outros remédios, com água
ou outros líquidos, em jejum ou alimentado etc.
Um fato que preocupa é que,
dependendo do canal através do qual se dá o acesso ao medicamento, o cidadão
nem chega a ter a bula em mãos. Mas ela é um direito.
Desde 2009, a Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) determinou que devem existir três
tipos de bula: a do profissional de saúde, a do usuário (de linguagem mais
simples e no formato de perguntas e respostas) e a bula em formato especial
(destinada aos portadores de deficiência visual, e que deve ser solicitada no
estabelecimento, caso a caso).
Quando a dispensação se dá em
farmácias comerciais, a bula que vem dentro da caixa do medicamento já é a do
paciente. E, quando o medicamento é disponibilizado na rede pública de saúde,
podendo vir fracionado, o cidadão pode solicitar a bula impressa. É obrigação
do serviço de saúde fornecê-la.
No site da Anvisa existe o
Bulário Eletrônico, onde uma busca simples — até pelo nome comercial do
medicamento — já aponta as bulas disponíveis.
Uma impressora que funcione e um
profissional consciente podem estimular a maior busca por informação. É o que
defende o farmacêutico do Instituto de Tecnologia em Fármacos
(Farmanguinhos/Fiocruz) José Liporage: “Em muitas unidades assistenciais os
profissionais não entregam as bulas. Em alguns casos, porque acreditam que,
assim, estão evitando que o cidadão comercialize o medicamento que recebeu no
Sistema Único de Saúde. Em outros, porque fazem questão de controlar a
informação sobre o remédio, de manter o seu poder como profissional.”
Além de informar, a bula é
importante porque pode ser um mecanismo de proteção do cidadão. “Ela é extensa
justamente porque precisa orientar sobre todas as possibilidades de ocorrência
daquele medicamento, além das interações. Ela precisa dizer o que pode
acontecer ao paciente. Se alguém ingere um remédio que causa determinado efeito
que não foi previsto nem na bula, o paciente pode recorrer judicialmente,
exigindo reparação”, diz Liporage.
Mas nem sempre vai estar escrito
neste documento a expressão interação medicamentosa. Na maioria das vezes a
informação será algo do tipo “este medicamento não pode ser usado em tais
situações”, lembra o farmacêutico.
Automedicação.
Profissionais de diferentes
unidades da Fiocruz têm um relato em comum: um dos maiores geradores de
interação medicamentosa é a prática da automedicação.
O Instituto de Pesquisa e
Pós-Graduação para Farmacêuticos (ICTQ) realizou uma pesquisa que revela este
cenário: 76,4% da população brasileira faz uso de medicamentos a partir da
indicação de familiares, amigos, colegas e vizinhos. São pessoas que consomem
qualquer tipo de remédio quando necessitam e dispõem, inclusive aumentando suas
dosagens afim de obter um efeito mais acelerado.
O estudo foi realizado em 12
capitais brasileiras e a cidade do Rio de Janeiro ficou acima da média
nacional, com 91% de sua população se automedicando.
“Sempre alertamos para a
necessidade do uso racional de medicamentos. As pessoas não fazem ideia dos
riscos que estão correndo ao tomar esses fármacos aleatoriamente, por conta
própria. Em nossa cultura um medicamento se tornou tão usual quando uma blusa,
uma calça ou qualquer coisa já naturalizada no cotidiano. As famílias estocam
medicamentos, não têm muito cuidado com o prazo de validade, fazem combinações
baseadas em efeitos ocorridos com terceiros, enfim, agem de forma muito
arriscada. E sequer têm noção desse risco”, alerta Rosany.
Para discutir a prática da
automedicação é preciso, contudo, discutir também o acesso aos medicamentos e
aos serviços de saúde, lembra Liporage. “Mesmo com todo o avanço do SUS, ainda
temos uma grande dificuldade de garantir o direito à saúde. Temos uma parcela
muito significativa da população que se automedica especialmente porque a farmácia
comercial é sua porta de entrada ao acesso. E esse processo não vem com o
suporte de informação necessário para garantir a segurança do uso do
medicamento.”
Na farmácia comercial, o
profissional que pode assegurar todas as informações com relação à interação
medicamentosa é o farmacêutico. No SUS, a luta é para que esse profissional
seja parte de uma equipe multiprofissional, trabalhando desde a Atenção Básica,
onde a orientação farmacêutica será parte fundamental do atendimento ao
paciente.
“Evitar a interação medicamentosa
começa no atendimento, que deveria ser multiprofissional em todos os serviços.
No primeiro contato do paciente com o medicamento, ele deveria receber uma
atenção especial sobre como administrá-lo. Quando a pessoa é adulta e a consulta
é para si, já há essa necessidade. Mas, quando é uma cuidadora, sua
responsabilidade duplica. Quando se trata de um medicamento que deve ser
manipulado, o processo se torna ainda mais complexo”, aponta Liporage.
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