FONTE: *** Henrique Contreiras, Da Agência de Notícias da Aids (noticias.uol.com.br).
Funciona bem e está
disponível em postos de saúde há quatro anos. Mesmo assim, é pouco usada a
profilaxia pós-exposição (PEP, do inglês post-exposure prophylaxis), o
coquetel de remédios antirretrovirais que uma pessoa pode tomar logo após uma
situação de risco para HIV. Desinformação e dificuldades do SUS explicam baixo
uso e predominância de brancos de nível superior.
Dados do Ministério
da Saúde, fornecidos pela assessoria de imprensa do Departamento de DST, Aids e
Hepatites Virais (DDAHV), indicam que de janeiro a outubro de 2013 a PEP foi
usada por 4.054 pessoas (excluídos os casos de estupro).
No mesmo ano, o
método foi usado em somente 82 dos 645 municípios do Estado de São Paulo segundo o Centro de Referência e Treinamento em Aids
(CRT), ligado à Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo.
Certamente, não são
assim tão raras as situações nas quais o método é formalmente indicado -- não
uso ou rompimento de preservativo, quando se desconhece o status de HIV do
parceiro, ou quando este é positivo.
A PEP pode prevenir
uma infecção por HIV se iniciada em até 72 horas -- mas quanto antes, melhor --
e tomada por 28 dias. Pode ser obtida em algumas unidades do SUS, após ser
avaliado se o risco compensa tomar os remédios, que são os mesmos tomados pelo
portador do vírus HIV.
Dois terços são brancos.
O público da PEP
ainda é elitizado, segundo estudo realizado pelo CRT, um dos principais
provedores do método no Estado. A maioria dos usuários da unidade, localizada
no bairro da Vila Mariana, na zona sul de São Paulo, é de brancos (67%)
de nível superior completo (43%). Predominam homens bissexuais e gays (53%) com
idade média de 30 anos.
Um caso típico é José
Leon, professor universitário gay de 32 anos. Há dois anos, em São Paulo,
passou um sufoco quando uma camisinha estourou. "Eu sabia o risco que
corria. E, como alguns amigos já tinham passado por isso, eu sabia o que fazer.
Esperei o dia clarear e corri atrás."
A elitização da PEP
pode ser explicada por diferenças no acesso a informação. "Os atendimentos
vêm se multiplicando ano a ano, mas ainda temos dificuldade de atingir um
público menos informado, com menos acesso à internet", afirma a médica
infectologista Denize Lotufo, gerente de Assistência do CRT.
O CRT mantém um site sobre a PEP
sexual em parceria com o Grupo de Incentivo
à Vida (GIV), uma organização de ativistas do campo do HIV. É uma das melhores
fontes sobre o assunto em português.
Ronaldo, de 28 anos,
está na internet mas não viu o site. Contatado para entrevista via aplicativo
de encontros, foi incrédulo quando perguntado sobre a PEP. "Não acha meio
improvável? Será incrível se funcionar mesmo." Ao ser informado que é eficaz,
retrucou: "Já sabe por que não divulgam?". Boa pergunta.
Mesmo na elite, a
informação não circula como deveria. Luísa Romeiro, tradutora de 30 anos,
deixou de usar o método por desconhecimento. "No ano passado, eu passei
por uma situação de risco que me deixou angustiada por um bom tempo. Se eu já
conhecesse a PEP, teria procurado. Felizmente não me contaminei".
Baixa percepção de risco.
O Ministério da Saúde
também apontou o desconhecimento sobre a profilaxia, mas chamou a atenção ainda
para a "baixa percepção de risco de infecção nas situações de
exposição".
Ou seja, não basta
saber que existe. A pessoa deve reconhecer o risco e decidir tomar uma
providência.
Foi o caso do
funcionário público Augusto, 34 anos. Três anos atrás, um amigo o aconselhou a
procurar a PEP. "Eu já tinha me exposto antes e nunca havia me
contaminado. Achava que era algo difícil de ocorrer. Na época, eu não tinha
noção da intensidade da epidemia entre gays. Por isso, não acatei a sugestão.
Mas foi naquele dia que eu me infectei."
O fato de ter sido
disponibilizada somente em 2010 para o público geral contribuiu para o
desconhecimento. Em alguns países desenvolvidos a PEP está amplamente
disponível há uma década, mas no Brasil a liberação foi gradual. De início,
Ministério da Saúde restringia-a a acidentes de trabalho com agulhas
contaminadas e estupros. Casais sorodiscordantes (um soronegativo com um
sabidamente soropositivo) foram incluídos em 2006.
O receio de que a PEP
pudesse promover sexo desprotegido contribuiu para essa demora. Mesmo depois de
2010, gestores e profissionais de saúde continuaram hesitantes, o que de certa
forma tem inibido a divulgação.
Barreiras no SUS.
Mas o problema não é
só de informação. O Sistema Único de Saúde (SUS) tem dificuldades em oferecer o
método. Márcio Villard, da organização de ativistas de HIV Pela Vidda, do Rio de Janeiro, reclama: "os últimos quatro anos têm sido uma luta
árdua. Recebemos reclamações de gente que procurou, mas não encontrou, que
ficou rodando de bairro em bairro, tentando em diferentes unidades de
saúde."
Sérgio Luiz Aquino,
gerente do Programa Municipal de DST, Aids e Hepatites Virais do Rio de
Janeiro, disse que a oferta da PEP está em constante revisão. "Numa cidade
marcada por eventos, estamos trabalhando para que a pessoa tenha acesso à PEP
no momento certo e perto de casa", afirmou.
Na capital
fluminense, segundo Aquino, a PEP pode ser encontrada a qualquer hora em 19 Unidades
de Pronto-Atendimento (UPAs), ou no horário comercial em 26 unidades básicas de
saúde (UBS) que fazem acompanhamento de pessoas com HIV. "Estamos
treinando as equipes médicas das UPAs", acrescentou.
Alexandre Chieppe,
superintendente de Vigilância Epidemiológica da Secretaria Estadual de Saúde do
Rio, disse que depois de 2010 "foi necessário ampliar a rede por conta do
potencial aumento do uso. Agregaram-se unidades de emergência por conta do
horário". Segundo a assessoria, a PEP sexual foi usada 1.305 vezes no
Estado em 2013.
No Estado de São
Paulo funciona diferente. Embora faça a maioria dos atendimentos do país --
foram 1.909 usuários em 2013 -- a oferta se concentra nos postos de saúde
especializados em HIV. Os locais estão relacionados no site de PEP do CRT.
E à noite e nos
fins-de-semana? Como faz quem precisa de PEP sexual na capital de 10 milhões de
habitantes? "Tem que ir ao Emílio Ribas, que fica sobrecarregado",
responde Denize, se referindo ao hospital de infectologia da Universidade de
São Paulo (USP).
Alexandre Grangeiro,
pesquisador da USP, explica a deficiência e a heterogeneidade entre os Estados.
"A norma de 2010 previu a oferta de PEP, mas não definiu como o SUS ia se
estruturar para isso. Vários Estados se organizaram, mas sempre com uma certa
fragilidade, cobrindo eventualidades, sem se inserir no dia a dia das
populações mais expostas ou assumir uma característica de prevenção mais
ampla", afirmou.
O Ministério da Saúde
reconhece "as barreiras ao acesso e a ausência de linhas de cuidado".
Para Grangeiro, a
rigidez dos procedimentos dificulta. São muitas etapas que podem demorar horas:
avaliação do risco, teste rápido para saber se a pessoa já não teria HIV,
testagem do parceiro quando presente, aconselhamento, prescrição médica.
"Imagine num
pronto-socorro, a pessoa que transou sem camisinha disputando no mesmo espaço
com o infartado e com o acidentado. Não faz sentido para uma estratégia que
corre contra o tempo. A pessoa não vai ser bem atendida e não volta mais. Por
outro lado, nos Centros de Testagem e Aconselhamento (CTAs), que têm tradição
de prevenção em HIV, não há o médico para prescrever o remédio", reflete
Grangeiro.
Revisão dos procedimentos.
No entanto, o quadro
deve mudar, já que, seguindo uma tendência mundial, a PEP passa por um momento
de revalorização. Em trabalho apresentado na Conferência Internacional de Aids
na Austrália, em 2014, representantes do Ministério da Saúde a incluíram entre
as prioridades, ao lado de outros métodos preventivos baseados em remédios.
Os receios em relação à PEP foram derrubados e há mais clareza sobre seu público. Segundo Denize, "a gente está atrasado, tem essa ideia de que a PEP vai relaxar o uso de preservativo, mas inúmeros trabalhos mostram que não, que quem procura a PEP é quem está preocupado".
Além disso, os dados confirmam a importância da PEP em trazer a pessoa para o serviço de saúde. "No nosso levantamento, 64% das pessoas nunca tinha feito um exame de HIV", afirmou Denize.
Para Grangeiro, "a PEP tem um nicho próprio que é o das pessoas que buscam complementar suas estratégias preventivas. Quem procura tem alguma preocupação com prevenção, mas passou por uma situação em que houve falha".
O Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais declarou que há necessidade de aumentar a demanda da PEP. Entre as medidas, inclui-se uma pesquisa sobre seu uso em vários Estados, coordenada por Grangeiro.
Os procedimentos do atendimento também estão sendo revistos por um grupo em Brasília do qual Denize faz parte. "A ideia é facilitar o máximo", disse. A OMS recomenda a simplificação.
Grangeiro concorda com a simplificação dos protocolos: "No pronto-socorro, não faz sentido fazer grandes triagens. Chegou, fez queixa, dá o remédio e encaminha pro serviço que durante a semana vai avaliar. Nos CTAs, talvez seja melhor que um profissional não-médico possa prescrever os remédios e fazer uma boa orientação para o seguimento."
Nas UPAs do Rio, já está em prática um protocolo alternativo. Segundo Aquino, o usuário recebe somente cinco doses do remédio e é encaminhado para o posto de saúde onde poderá receber mais orientação e o restante do esquema.
Fonte do Ministério afirmou que a tendência é a incorporação da PEP nos serviços de urgência em todo o país. Os CTAs dependeriam da anulação de norma que limita aos médicos a prescrição de antirretrovirais.
Os receios em relação à PEP foram derrubados e há mais clareza sobre seu público. Segundo Denize, "a gente está atrasado, tem essa ideia de que a PEP vai relaxar o uso de preservativo, mas inúmeros trabalhos mostram que não, que quem procura a PEP é quem está preocupado".
Além disso, os dados confirmam a importância da PEP em trazer a pessoa para o serviço de saúde. "No nosso levantamento, 64% das pessoas nunca tinha feito um exame de HIV", afirmou Denize.
Para Grangeiro, "a PEP tem um nicho próprio que é o das pessoas que buscam complementar suas estratégias preventivas. Quem procura tem alguma preocupação com prevenção, mas passou por uma situação em que houve falha".
O Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais declarou que há necessidade de aumentar a demanda da PEP. Entre as medidas, inclui-se uma pesquisa sobre seu uso em vários Estados, coordenada por Grangeiro.
Os procedimentos do atendimento também estão sendo revistos por um grupo em Brasília do qual Denize faz parte. "A ideia é facilitar o máximo", disse. A OMS recomenda a simplificação.
Grangeiro concorda com a simplificação dos protocolos: "No pronto-socorro, não faz sentido fazer grandes triagens. Chegou, fez queixa, dá o remédio e encaminha pro serviço que durante a semana vai avaliar. Nos CTAs, talvez seja melhor que um profissional não-médico possa prescrever os remédios e fazer uma boa orientação para o seguimento."
Nas UPAs do Rio, já está em prática um protocolo alternativo. Segundo Aquino, o usuário recebe somente cinco doses do remédio e é encaminhado para o posto de saúde onde poderá receber mais orientação e o restante do esquema.
Fonte do Ministério afirmou que a tendência é a incorporação da PEP nos serviços de urgência em todo o país. Os CTAs dependeriam da anulação de norma que limita aos médicos a prescrição de antirretrovirais.
Ausente nos vídeos da
campanha.
Os vídeos das
campanhas do Ministério da Saúde do Dia Internacional da Aids, em 1º de
dezembro de 2014, Dia Mundial de Luta Contra a Aids, e Carnaval 2015, focam na
testagem e não mencionam a PEP. A Associação Brasileira Interdisciplinar de
Aids (ABIA) emitiu nota sobre a campanha de dezembro e destacou a ausência:
"Faz-se necessário informar às populações -- especialmente mais
afetadas pela epidemia -- sobre a PEP, disponível pelo SUS e pouco
conhecida".
Segundo nota do Ministério da Saúde, o método está divulgado em materiais específicos especialmente desenvolvidos para populações de gays, travestis e profissionais do sexo.
Segundo nota do Ministério da Saúde, o método está divulgado em materiais específicos especialmente desenvolvidos para populações de gays, travestis e profissionais do sexo.
*** Henrique
Contreiras, médico, colaborador da Agência de Notícias da Aids (henrique@agenciaaids.com.br).
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