A desconfiança, na
maior parte dos casos, só traz prejuízo às relações. Em se tratando de ciúme
retroativo ou póstumo, os danos podem ser ainda mais perigosos. Se incomodar com o passado amoroso
do parceiro, de acordo com especialistas, é uma agonia sem fim.
"O ciumento
imagina que o par foi mais feliz do que é atualmente, ao seu lado, e isso o
atormenta por considerar em sua imaginação que não está correspondendo às
expectativas, o que o leva a sofrer com a ameaça da perda da
exclusividade", descreve Joselene L. Alvim, psicóloga clínica de
Presidente Prudente (SP) e especialista em Neuropsicologia pelo setor de
Neurologia do HCFMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo).
Esse tipo de ciúme pode
correr uma relação, por vários motivos. Um deles, segundo Joselene, é o fato de
a pessoa passar mais tempo perguntando sobre o (a) ex do par do que investindo
no relacionamento.
"O ciumento fala
tanto do passado que a relação, que deveria ser a dois, passa a ser a três. Daí
o romance acaba não por falta de amor, mas porque quem é alvo de tanto
questionamento e controle acaba se sentindo sufocado", explica.
A obsessão pelos detalhes,
na opinião do psiquiatra Eduardo Ferreira-Santos, autor do livro "Ciúme -
O Lado Amargo do Amor" (Ed. Ágora), acontece de forma crescente para os
excessivamente ciumentos.
"Eles querem saber
como era a antiga relação, de que que a pessoa gostava, se sente saudades e até
mesmo detalhes de como era o sexo. O pior é que, por conta da baixa autoestima
presente nesse comportamento, não acreditam nas respostas e infernizam a vida
de quem está ao lado", comenta.
A fantasia tem grande
peso nesse mecanismo, em especial para os homens. "Como eles são mais
competitivos, principalmente em se tratando de performance sexual, imaginam
coisas que não aconteceram de fato, ampliando o sofrimento", diz.
Na opinião de Luiza Colmán,
psicóloga especialista em temáticas ligadas ao amor e que atua em Goiânia (GO),
o ciúme retroativo destrói porque se caracteriza por um problema que não tem
como ser solucionado, porque não está no presente.
"E não há maneira
de 'apagar' o passado, então são discussões sem fim sobre algo que não pode ser
modificado e que não trazem nenhum resultado positivo para a vida a dois",
conta.
O perigo das redes
sociais e o risco do abuso.
A internet e as redes
sociais causaram novos desafios para os relacionamentos amorosos. A maneira de
encarar o ciúme é um deles, porque a facilidade em vasculhar o passado de
alguém acaba alimentando ainda mais as fantasias paranoicas do ciumento, que
passa a interpretar sinais e situações a partir do que vê na rede.
"A exposição de
fotos e os comentários, principalmente do passado, potencializam a imaginação
e, consequentemente, o ciúme, já que é possível dar um sentido ambíguo para
tudo ali. Até mesmo elogios carinhosos, sem nenhuma conotação ou intenção
sexual, pode gerar suspeitas", diz Joselene.
Para Luiza, o ciúme
intenso, independentemente se detonado pelo passado ou pelo presente, pode ser um gatilho para abusos ou agressividade,
principalmente quando a pessoa ciumenta não consegue perceber suas próprias
fantasias e as toma como realidade. "Se ela não sabe lidar com a raiva que
vem com o ciúme, isso pode ser um grande problema para a saúde da
relação", fala a psicóloga.
Segundo Joselene, a
pessoa ciumenta tem a mania de controle como uma de suas principais
características.
"A agressividade
pode ser revelada e não algo que surge de repente. Justamente pela falta de
controle da situação, o ciumento apela para a agressividade psicológica,
menosprezando, ridicularizando e inferiorizando o outro, ou física, que são
sinais de uma relação abusiva. E vale lembrar que, culturalmente, ainda há uma
forte mensagem de que a mulher é objeto do homem, o que leva o sujeito ciumento
a justificar seu comportamento agressivo como algo pertinente", alerta.
Encarando o problema.
A pessoa que é alvo de
ciúme deve, desde o início, aprender a colocar limites. "Caso contrário,
quanto mais ceder aos caprichos e inseguranças do outro, mais ficará na mira
das exigências. Então, é importante mostrar que algumas coisas são
responsabilidade do outro e que, portanto, é ele quem precisa aprender a lidar
com elas", observa Luiza.
Para se livrar de tanta
dor, o ciumento precisa compreender que quando conheceu aquela pessoa ela já
tinha uma história, um passado, como qualquer outro ser humano.
"São tais
experiências de vida, com erros e acertos, que compõem nosso jeito de ser e
nossa trajetória até o momento presente. E que, inclusive, motivaram o
interesse pela pessoa em questão. É importante, também, que o ciumento entenda
que o controle é ilusório e que passar o tempo pensando em formas de exercê-lo
é desperdiçar energia que poderia ser investida em sua autoestima, na
autoconfiança e em boas vivências a dois, e não em discussões", declara
Joselene.
Em casos mais extremos,
em que há dificuldade de distinguir a realidade interna da realidade externa e
de confiar em si e no outro, uma psicoterapia pode ser bem-vinda. Porém, pela
experiência do psiquiatra Eduardo Ferreira-Santos, dependendo da intensidade da
desconfiança e do ciúme do outro, o par deve repensar seriamente se vale a pena
prosseguir com a relação.
"Embora muitos
ciumentos justifiquem seu comportamento como sinal de zelo ou amor, na prática
não é nada disso e a tendência é o quadro piorar com o tempo. Caia fora, pois
algumas circunstâncias costumam apontar para o início de uma relação abusiva e
até violenta", diz.
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