A análise biomarcadores
pode ajudar os médicos a criar novos medicamentos para tratar a psicopatia,
considerada uma forma extrema do transtorno de personalidade antissocial.
Em um novo estudo,
publicado no final de agosto no periódico Molecular Psychiatry, do grupo
Nature, cientistas da University of Eastern Finland, da University of Helsinki
e do Karolinska Institutet na Suécia compararam células-tronco de psicopatas
violentos e de pessoas normais para analisar a expressão de alguns genes e
algumas proteínas associados ao transtorno no cérebro de psicopatas violentos.
O resultado mostrou que
a psicopatia está associada a alterações importantes na expressão de alguns
genes e nas vias moleculares relacionas à resposta imune do organismo. A
expressão desses genes explicou entre 30% e 92% na variação de sintomas da psicopatia.
O transtorno também foi associado à expressão alterada de proteínas
relacionadas ao metabolismo da glucose e do sistema opioide, presente no
sistema nervoso humano.
Com essa descoberta, os
cientistas acreditam que o uso por longos períodos de medicamentos como
naltrexone ou buphrenorphine, que regulam o sistema opioide, podem ser um
tratamento com bons resultados para quem sofre do transtorno.
Entre
o medo e a sedução.
Por ser pouco
compreendida, é comum que a psicopatia desperte sentimentos contraditórios como
medo e curiosidade. Não à toa, muitas novelas tentaram explorar algumas
características desse tipo de personalidade em seus vilões. É o caso, por
exemplo, de Nazaré Tedesco (Renata Sorrah), de Senhora do Destino (2004); ou
Flora (Patrícia Pillar), de A Favorita (2008), ambas exibidas pela Rede Globo.
Mais recentemente, o
folhetim A Dona do Pedaço (da mesma emissora) levantou novamente a bola ao
tratar da suposta psicopatia de Josiane (Agatha Moreira), filha da protagonista
Maria da Paz (Juliana Paes). A menina se une ao padrasto Régis (Reynaldo
Gianecchini), que também é seu amante, para roubar a fortuna da mãe.
Embora seja um
diagnóstico difícil, ao agir de maneira fria e sem escrúpulos, seu
comportamento foi imediatamente associado à psicopatia por alguns personagens
da trama.
De acordo com a
descrição do DSM-V (5ª edição do Manual de Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais da Associação Americana de Psiquiatria) —considerado livro
de referência da psiquiatria mundial, como uma das faces do transtorno de
personalidade antissocial — esses indivíduos se caracterizam por serem frios,
não sentir compaixão ou remorso, agir em causa própria e, principalmente, serem
incapazes de sentir empatia. No entanto, são extremamente sedutores e envolventes,
copiando atitudes que consideram aceitáveis e admiradas para conseguir o que
desejam.
De acordo com o
neurologista e neuropsiquiatra Ricardo de Oliveira Souza, pesquisador do IDOR
(Instituto D'Or de pesquisa e Ensino) que se dedica principalmente a estudar o
tema, entre 1% e 3% da população parece conviver com o transtorno. "Ele
também é mais frequente em homens do que em mulheres", diz o especialista.
Segundo ele, o
transtorno de personalidade antissocial descreve de forma geral a sociopatia
—um termo mais abrangente que inclui indivíduos capazes de atos antissociais
durante a vida. "Mentir para conseguir algo, gastar demais sem medir as
consequências e agir de forma impulsiva, mas sem necessariamente para
prejudicar alguém e sim para ganhar algo para si, são características de
sociopatas", explica o médico.
Os psicopatas, por
outro lado, vão além e são um tipo "melhorado" dos sociopatas, já que
praticam atos antissociais não apenas em seu próprio benefício, mas também pelo
prazer em cometer uma maldade. "Eles são incapazes de sentir remorso ou
compaixão, então cometem transgressões pelo prazer em ver a dor do outro",
diz.
Dá
para reconhecer um psicopata?
Na década de 1970, o
psicólogo canadense Robert Hare foi um dos primeiros a estudar a psicopatia em
presídios de alta periculosidade —locais que costumam ter uma concentração mais
alta de pessoas com esse perfil. Seus estudos resultaram em uma lista chamada
"Lista de Verificação de Psicopatia" (ou Psychopathy Checklist) com
20 itens que podem ser pontuados de 0 a 2. Quando o indivíduo atinge uma
pontuação maior que 30, o diagnóstico de psicopatia é estabelecido.
Mesmo assim, ainda hoje
o diagnóstico de psicopatia não é fácil de ser alcançado. "Algumas
características são bastante evidentes, mas outras são mascaradas",
explica Antônio de Pádua Serafim, coordenador de psicologia do Núcleo Forense
do IPq do HC-FMUSP (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo). "Eles são mestres em
se adaptar à realidade do ambiente em que vivem para conseguir o que
querem", diz. Por isso, estudos com biomarcadores podem ser um diferencial
nesse diagnóstico.
De acordo com o
especialista, algumas características, quando aparecem de forma constante, são
indícios do transtorno. Ausência de remorso e empatia, tendência a manipular
tudo e todos para benefício próprio, dificuldade de manter uma rotina,
egocentrismo, impulsividade e gosto por comportamentos arriscados são indícios
de que algo pode estar errado.
Isso quer dizer então
que, se meu parceiro me manipula diariamente ou se meu chefe é frio e
calculista com a equipe, então eles são psicopatas? Nem sempre. "Algumas
pessoas são mais frias, outras são menos empáticas, mas esses são traços de uma
personalidade", explica Serafim. "A psicopatia só é constatada quando
esses traços são constantes e, mesmo assim, o diagnóstico só pode ser feito por
um médico especializado", reforça.
Mas
todo psicopata é um assassino?
Felizmente, a maioria
dos psicopatas não se torna violento ao ponto de cometer crimes bárbaros.
"Há mais psicopatas assassinos no cinema do que na vida real", diz
Souza. "No entanto, a letalidade deles é altíssima".
Alguns dos casos mais
chocantes vieram dos Estados Unidos. Além de Teddy Bundy, um famoso psicopata
que aterrorizou jovens americanas na década de 1970, Charles Manson, líder de
um grupo que matou cinco pessoas, incluindo a atriz Sharon Tate, grávida de
oito meses quando foi assassinada, é frequentemente lembrado como um exemplo de
quão eficientes esses predadores podem ser.
Tem
tratamento?
Dificilmente.
Egocêntricos, eles simplesmente acreditam que não precisam de ajuda e, por
isso, não se adaptam ao uso de medicamentos nem querem frequentar as terapias
comportamentais.
Por outro lado, de
acordo com Souza, já existem grupos americanos e canadenses formados para
investigar se é possível modificar o comportamento antissocial para tornar
esses indivíduos mais ajustados à sociedade —mesmo que, internamente, eles
continuem sendo frios.
Dá
para conviver?
É praticamente
impossível conviver com um psicopata sem sair machucado — emocionalmente e,
muitas vezes, fisicamente. "A dinâmica social deles é diferente da
nossa", acredita Serafim. "A relação com os filhos, quando existem, é
distante, por exemplo. Não existe troca afetiva, só interesse próprio",
explica.
Além disso, por serem
extremamente egocêntricos, eles não compreendem nossos sentimentos.
"Psicopatas são seres funcionais. Eles se adaptam à sociedade, mas não
pertencem ao grupo", afirma o especialista.
De fato, um estudo
feito por cientistas da Universidade de Chicago mostrou que pacientes com
traços de psicopatia tiveram dificuldade em decifrar expressões faciais ligadas
à tristeza e ao medo. "A relação com eles é destrutiva e, em algum ponto,
o choque dessa realidade é inevitável", afirma Serafim.
Psicopatia
x narcisismo.
Igualmente considerado
um transtorno de personalidade antissocial, o transtorno de personalidade narcisista tem algumas
características em comum com a psicopatia, como a ausência de empatia. Contudo,
os narcisistas julgam-se superiores e especiais, exigindo de todos atenção e
admiração. Como nem sempre recebem tudo aquilo que acham merecer, acabam
frustrados e podem se tornar agressivos.
"Como as
características que o tornam especial só existem na cabeça dele, o narcisista
logo é 'desmascarado' e enxerga isso como perseguição, injustiça e má vontade
das pessoas ao seu redor", explica Souza.
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