FONTE: Benedict Carey, The New York Times (noticias.uol.com.br).
A vida do viciado em
heroína, nos EUA, não é a mesma de 20 anos atrás, e o maior motivo é o que os
médicos chamam de "heroína leve": os opiáceos receitados. Tais
medicamentos estão mais disponíveis do que nunca e são seguros para estimular
um apetite que, quando formado, nunca desaparece por completo.
Ainda estão vindo à
tona os detalhes dos últimos dias de Philip Seymour
Hoffman, ator que morreu no
início de fevereiro aos 46 anos de idade por causa de uma aparente overdose de
heroína. Todavia, o caso de Hoffman, apesar das incertezas, destaca algumas
novas verdades sobre o vício e os vários riscos conhecidos de overdose.
O ator, que largou a
heroína há mais de 20 anos, estaria lutando para dar um fim ao hábito de usar
analgésicos receitados no ano passado. Especialistas em vício dizem que o uso
de medicamentos como Vicodin, OxyContin e Oxicodona – todos opiáceos como a heroína
– alterou o panorama do vício e da recaída de um jeito que afeta tanto os
usuários atuais quanto os antigos.
"O usuário à
moda antiga, anterior à década de 90, usava basicamente só heroína, e se não
havia nada por perto, passava pela abstinência", disse Stephen E.
Lankenau, sociólogo da Universidade Drexel que pesquisou jovens viciados.
Segundo ele, hoje em dia, os "usuários trocam e destrocam, passando para
os comprimidos e voltando à heroína quando disponível e vice-versa. As duas
opções se integraram."
A taxa de abuso de
opiáceos receitados vem crescendo continuamente desde a década passada,
enquanto o número de pessoas relatando que usou heroína nos últimos 12 meses
quase dobrou desde 2007, chegando a 620 mil, segundo estatísticas do governo
americano. De acordo com pesquisadores, não se trata de uma coincidência: agora
mais pessoas do que nunca experimentem opiáceos em uma idade jovem, e os
viciados em recuperação vivem num mundo com muito mais tentações do que a
geração passada.
"Dá para
conseguir os comprimidos de muitas fontes", afirma Traci Rieckmann,
pesquisadora de vício da Universidade de Ciência e Saúde do Oregon. "Não
existe parafernália, nem cheiro. É a droga perfeita para muita gente."
Milhões de pessoas
usam esses medicamentos de forma segura, e os médicos costumam receitá-los
diligentemente. Porém, para alguns pacientes, os analgésicos receitados podem
funcionar como apresentação – ou reintrodução – a um alto opiáceo. Segundo os
médicos, os comprimidos desencadeiam o desejo por heroína nos viciados em
recuperação, da mesma forma que suavizam a abstinência entre os usuários.
O médico Jason Jerry,
especialista em vício do Centro de Recuperação de Drogas e Álcool da Clínica
Cleveland, estima que metade dos 200 e poucos viciados em heroína que a clínica
acompanha todo mês começaram usando opiáceos receitados.
"Muitas vezes é
uma receita legítima, mas sem perceber, estão comprando remédios
ilegalmente", diz Jerry.
Em muitas partes do
país, a heroína é mais barata do que os opiáceos receitados. "Então, as
pessoas terminam se perguntando: 'Por que estou pagando US$ 1 por miligrama de
oxi quando por um décimo do preço consigo uma dose equivalente de
heroína?'", explica Jerry.
Os investigadores
ainda não sabem se Hoffman usava opiáceos receitados à época da morte. Os
testes de toxicologia ainda não estão prontos, e a pureza e o conteúdo da
heroína encontrada no apartamento dele certamente serão um foco da
investigação.
Overdose.
Embora a enxurrada de
analgésicos receitados seja nova, outros fatores de risco para a overdose não
mudaram em décadas.
Após o tratamento de
recuperação, quando estão limpos, os viciados ficam vulneráveis à overdose
porque julgam erroneamente o nível de tolerância, que caiu. Antes da
internação, muitos viciados promovem uma última farra, também dando margem ao
azar.
"São zonas de
perigo comuns", diz Nicholas L. Gideonse, diretor médico do Centro de
Saúde Comunitária OHSU, em Portland.
Até mesmo o local
onde a pessoa utiliza a droga pode aumentar a probabilidade de overdose, sugerem
estudos. "Se você habitualmente usa no carro, por exemplo, o corpo se
prepara para receber a droga quando está naquele ambiente", conta
Rieckmann. "Chama-se tolerância condicionada. Quando as pessoas usam em
lugares desconhecidos, o corpo está menos fisicamente preparado."
O risco de morrer de
overdose é maior quando as pessoas usam sozinhas. "Outra pessoa, sóbria ou
não, pode notar quando alguém cochila ou pedir para a outra maneirar, pois um
usuário serve de medida para o outro quando estão fazendo algo perigoso",
disse Lankenau.
Muitos programas de
troca de agulha e clínica agora têm cursos de prevenção de overdose, ensinando
aos usuários a perceber sinais de perigo e administrar naloxona, bloqueador de
opiáceos que enfermeiros de ambulâncias utilizam para despertar viciados que
sofreram overdoses.
Nenhuma dessas opções
teria poupado Hoffman. Uma coisa que não mudou para os viciados em heroína nos
últimos 20 anos é a certeza de que a próxima picada não será mortal.
"É preciso
compreender que os viciados se injetam de três a quatro vezes por dia durante
anos e anos sem-fim", explicou Gideonse. "Eles não percebem qualquer
picada como perigosa ou potencialmente mortal porque, segundo sua experiência,
não existe necessidade para isso."
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