FONTE: Angela Pinho, São Paulo, https://www1.folha.uol.com.br
União
fala em evitar custo e sofrimento, mas medida esbarra em questões éticas
e operacionais.
Ministério da Saúde
prepara uma proposta de aconselhamento genético dentro de uma política de
“cuidado pré-nupcial”. Antes mesmo de ser publicada, a medida já é alvo de
questionamentos —que vão do aspecto bioético ao operacional.
O objetivo da pasta é
informar aos casais, antes da gestação, quais os riscos de eles gerarem filhos
com doenças raras de origem genética. Entre elas, estão surdez congênita,
fibrose cística do pâncreas e milhares de outras.
A ideia é que, a partir
do diagnóstico, os pais sejam orientados sobre a possibilidade de a criança
desenvolver alguma enfermidade hereditária. Entre os fatores de risco estão
casamentos consanguíneos e histórico de doenças genéticas na família.
Se, diante das
informações fornecidas pelo médico, o casal não quiser ter filhos, receberá
métodos contraceptivos.
O objetivo da medida é
evitar custo e sofrimento, disse à Folha Fernando Araújo, diretor do
departamento de Atenção Especializada do Ministério da Saúde.
Segundo ele, o gasto do
SUS com diagnóstico, tratamento, internações e cirurgias nos casos de doenças
raras chega a quase R$ 8 bilhões por ano. O valor varia bastante de doença para
doença, mas em casos excepcionais o gasto com remédio chega a R$ 2,5 milhões ao
ano por paciente.
Além desses gastos, o
diretor diz que se levou em consideração também o “custo social”, com bolsas e
aposentadorias, e o sofrimento dos pacientes e suas famílias.
“Essas doenças são
muitas vezes graves, incapacitantes, [levam a] qualidade de vida muito ruim,
muitas vezes à morte precoce.”
Pelo desenho da
política, a decisão final sobre a gestação caberá ao casal. Ao médico, só será
permitido informar sobre os riscos. Segundo Araújo, quem decidir por uma
gravidez, mesmo com fatores de risco, receberá acompanhamento especial ao longo
do período. “Há algumas malformações que é possível minimizar durante a
gestação.”
Não será
disponibilizada, porém, opção de fertilização in vitro. De acordo com o médico
geneticista Salmo Raskin, a alternativa é oferecida na rede particular por
cerca de R$ 50 mil, valor que nem os planos de saúde cobrem. Trata-se de uma
fertilização em que embriões com diagnóstico de doença genética não são
implantados.
Raskin questiona a
falta de possibilidades previstas pelo ministério para as famílias que quiserem
ter filhos mesmo com chance maior de enfermidade rara. “Quais alternativas
serão oferecidas para os casais que tiverem, por exemplo, um risco de 25% de
ter outro filho com a mesma doença genética?”, indaga. "Cabe aqui lembrar
que a interrupção da gestação é proibida no Brasil nestes casos.”
“Não posso imaginar que
a ideia seja proibir estes casais de terem outros filhos, pois isto seria
absolutamente inaceitável do ponto de vista ético e moral.” Ele apoia a oferta
do aconselhamento em si, por assegurar ao casal uma informação importante.
A preocupação com a
possibilidade de o aconselhamento ser associado a uma ideia de eugenia —ou
seja, de seleção baseada na genética— foi levantada pelo secretário municipal
de Saúde de Campinas, Cármino de Souza, durante apresentação interna feita pelo
ministério.
“O grande ponto de
delicadeza desse tema é bioético”, afirma. “É preciso muito cuidado para não
transparecer que se trata de questão de eugenia ou de uma preocupação
econômica”, afirma ele.
PROFISSIONAIS.
Outro receio citado por
ele é com o baixo número de médicos especialistas no assunto. De acordo com a
própria apresentação do ministério, há apenas 372 médicos geneticistas no país,
dos quais 259 atendem pelo SUS. Desses, 51% estão no Sudeste.
O diretor da pasta diz
que, diante disso, está previsto que se pague a viagem de pacientes com
avaliação preliminar para outros Estados.
Segundo ele, ainda esta
semana deve ser definida a data de divulgação da portaria com a política. “O
ministro [Ricardo Barros] determinou que a gente faça esse programa para
ontem”, diz.
A pasta aguarda, a
pedido do ministro, a análise da Comissão Nacional de Incorporação de
Tecnologias no SUS para acrescentar um exame, o CGT, que pode diagnosticar até
8.000 doenças raras por incompatibilidade genética.
Para a geneticista
Mayana Zatz, do Centro de Pesquisas do Genoma Humano da USP, é positiva a
oferta do aconselhamento para os casais. Ela critica, porém, a restrição do
atendimento aos médicos especialistas —para ela, uma reserva de mercado.
Segundo Mayana, há
milhares de geneticistas com outras formações que poderiam fazer o atendimento,
condição para que o acesso à política seja assegurado.
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