MINHA
HISTÓRIA.
Por frequentar uma
igreja evangélica que considera conservadora, em São Paulo, a estudante T.M.,
de 24 anos, relata que a descoberta da própria sexualidade veio carregada de
culpa. T.M. é bissexual,
tem dois parceiros fixos e gosta de BDSM
(práticas eróticas que incluem amarrações, chicotes, coleiras e dar ou obedecer
ordens).
"Dizem
que não podemos, de jeito nenhum, fazer sexo antes do casamento,
que vamos para o inferno. Mas percebi que não é natural para mim seguir esse
roteiro de casar, ter filhos, ter uma carreira e ir à igreja. Tentei, mas não
deu certo. E me permiti experimentar outras coisas", diz ela, "sem
sair da igreja".
Leia,
abaixo, o relato de T.M.
"Eu sou evangélica
de berço, nasci e cresci na igreja. Comecei a fazer parte do ministério do
louvor, como é chamado o grupo das pessoas responsáveis pela música da igreja,
aos 17 anos, como cantora. Nessa mesma época, entrei no ensino médio e conheci
várias pessoas de fora do meu círculo de sempre, que era restrito à igreja.
Eu costumava dizer que
se tivesse um filho gay, botaria para fora de casa. Mas percebi que só estava
reproduzindo as coisas que ouvia. As pessoas que conheci me fizeram ter uma
visão menos conservadora, a respeitar as escolhas dos outros e a minha também.
Sempre tive a sexualidade muito aflorada. Comecei a me tocar com 9, 10 anos,
mas não podia falar sobre isso. Na igreja, se tinha interesse por um menino,
tinha que contar para uma amiga e orar para não dar certo, para esquecer esse
interesse.
Percebi que poderia ter
uma vida menos rígida. Aos 18 anos, comecei a namorar um garoto, que não era da
igreja, e perdi a virgindade com ele. Minha mãe descobriu vendo uma troca de
mensagens no meu celular. Foi aquela coisa. Ela se perguntava o que tinha feito
de errado para aquilo ter acontecido.
Terminei o
relacionamento quatro anos depois e percebi que ia continuar fazendo o que
fazia. Transar com quem quisesse mesmo sem casar. Mas me sentia culpada o tempo
todo. Eu cantava no grupo da igreja e estava em pecado. Não podia.
Ainda quando eu namorava,
percebi que era bissexual, que sentia atração por meninas também. Não me assumi
para minha família, claro, eles são muito conservadores. Mas também nunca falei
nada porque não é problema deles com quem eu transo ou deixo de transar.
Logo depois que terminei,
beijei uma menina pela primeira vez. Tinha 22 anos. Foi em uma festa. Sempre
ouvia críticas a quem vivia no 'mundo' das festas. Quem vai, bebe, dança, fuma.
Me diziam que quem frequentava festas se sentia vazia, mal. Colocavam medo. Mas
quando comecei a ir nesses ambientes, me sentia bem.
Em 2017, comecei a sair
com um amigo, que hoje é um dos meus parceiros fixos. Ele tem uma namorada, e o
relacionamento dos dois é aberto. Também saio com uma mulher que conheci no
começo deste ano. Ela é minha companheira, somos colegas de faculdade. Além de
bi,
me descobri não-monogâmica. Entendi que não precisava ficar
com uma pessoa só.
A igreja que eu
frequento é de bairro, todo mundo se conhece e sabe tudo da vida um do outro.
Muita gente sabe que eu saio, vou a festas, beijo pessoas. Ouvi muita indireta.
Uma vez, uma mulher me disse que eu deveria arrumar um namorado para parar de
'fornicar'. Pensei comigo: 'Gente, como ela sabe que eu estou fornicando?'
Diziam que iam orar por mim. É assim: quem não estiver justificado, como nos
referimos a quem segue todas as regras impostas, vai para o inferno.
Essa culpa toda que eu
sentia por viver minha sexualidade livremente, fazer algo que ao mesmo tempo me
deixa bem mas que é errado para a igreja, me deixava muito triste. Um dia, pedi
a Deus que me mostrasse na Bíblia algo que justificasse quem eu sou. 'Por que
eu sou assim? Não consigo fazer diferente', pensava.
E aí caí em um
versículo que dizia: 'Bem-aventurado aquele que não se condena a si mesmo
naquilo que aprova'. Comecei a perceber que não tinha por que me sentir
culpada. Meu relacionamento com Deus é mais forte do que com qualquer outra
coisa que eu faço. Nada de fora vai afetar isso. Vou continuar saindo,
transando, apanhando.
Falo em apanhar porque
pratico BDSM. Conheci esse universo por meio do meu parceiro fixo. Na primeira
experiência, fui chicoteada. Apanhei até dizer chega. Pratico shibari,
que é uma técnica de amarração, sou submissa, gosto
de apanhar.
Sempre fui cobrada para
ser a melhor aluna, a menina comportada, recatada. Mas uma hora travei. Em
julho do ano passado, entrei em depressão. Muita gente da igreja disse que Deus
estava me cobrando pelas coisas que eu estava fazendo. Me disseram que eu
estava 'servindo a dois senhores', uma expressão usada para dizer que servimos
a Deus, mas que fazemos as coisas do mundo ao mesmo tempo. E aí fui me sentindo
culpada de novo e, em abril deste ano, tive crises fortes. Comecei a ir em um
psiquiatra e tomar remédio. Agora, no final do ano, é que voltei a fazer minhas
coisas de novo.
Converso com muitas
mulheres e meninas que frequentam a igreja e que são LGBT ou fazem sexo antes
de se casarem. Elas se sentem mal também. Digo que não estão sozinhas, que dá
para viver de maneira diferente das regras que nos impõem.
Não era natural para
mim seguir essa vida que querem que sigamos: namorar, noivar, casar, ter
filhos, ter a carreira, frequentar a igreja. Tentei, não deu certo, sinto
muito, vou experimentar outras coisas. Ao mesmo tempo, não vou deixar de ir à
igreja. Faço coisas que gosto lá, como cantar. É meu momento de fé. Só queria
que fosse um espaço menos conservador e que não reprimisse as pessoas."
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