Não consigo ler as
matérias sobre a morte do menino Luan no metrô em São Paulo
sem chorar. Às vezes, tento evitar histórias muito tristes porque passo dias
demais com aquela imagem na cabeça. Mas, por uma dessas obras do destino,
escolhi uma profissão que trabalha justamente com notícias. Tenho que encarar a
história do menino do metrô, portanto. Primeiro, porque ganho para isso.
Segundo, porque elas realmente acontecem. Não é coisa de filme. É vida real
mesmo. Tem crianças que morrem porque escaparam pela porta do metrô e saíram
correndo atrás da mãe pela plataforma. E porque caíram no vão dos trilhos e
bateram a cabeça – ou alguma outra coisa que as câmeras não mostraram. É tão
triste que eu nem sei um jeito menos duro de descrever. É assim que aconteceu.
A vida é muito dura.
Não consigo ler essa
notícia porque tenho filho. Porque ando com ele a pé pela cidade grande. Porque
sei a dificuldade que tenho para atravessar a rua com uma criança no colo mesmo
estando na faixa de segurança. Os carros não param. As pessoas não param.
Ninguém tem tempo para notar ninguém. Minhas mãos suam quando eu penso em Luan
escapando do vagão porque penso no desespero que seria sentir bracinho frágil
do meu filho escapando das minhas mãos. A gente está sempre carregando alguma
coisa, derrubando outra, falando com alguém, resolvendo algo, tentando chegar
no horário. E, com tanta coisa, o filho que eu carrego por vezes parece ser só
mais uma atribuição entre outras. Quando é a mais importante delas.
Uma das frases que li
com a garganta fechada de agonia nos últimos dias era da mãe do garoto dizendo
que ele olhou para ela assustado antes de morrer. Não é justo com Luan que ele
tenha passado por esse terror. Outra matéria dizia que os
vídeos comprovam que a família ficou desesperada ao ver o menino cair.
Boquiaberta, descubro que há quem ouse duvidar que essa família cuidasse bem da
criança. Há quem julgue a quantidade de filhos que a mãe de Luan (que está
grávida) teve. Há quem diga que ela foi mãe muito cedo e lhe atribua a culpa do
acidente. O brasileiro não é mais solidário nem em grandes tragédias, eu penso
atônita. Ninguém mais se coloca no lugar de ninguém?
Eu não consigo deixar
de pensar que a mãe de Luan, que ia até o terminal de ônibus para passar o dia
na praia com sua família, sou eu. São minhas amigas. É a mulher brasileira
correndo para resolver mil coisas e carregar tantas outras enquanto tenta se
divertir. A mãe de Luan, como ele, é vítima da correria a qual a gente se
acostumou. Ao agir sem pensar. Ela é a vítima também da nossa própria
desatenção, ao andar no metrô olhando para baixo, atentos ao celular. Quantas
crianças se perderam da mãe ao nosso lado e a gente nem percebeu? Será que não
poderíamos ter salvo Luan?
Que em 2019 a gente
possa se colocar no lugar do outro. Ajudar o outro. Cuidar do outro. E não
julgar ninguém.
Sobre
a autora.
Luciana Bugni é
jornalista e escritora. Vive entre quatro rapazes, muitas bolas de futebol e
uma gata, descomplicando a vida e parindo ideias. Edita conversas antigas (é
cada resposta que a gente poderia ter dado...), cardápios e reportagens na
Universa, aqui no UOL. Já trabalhou na “Revista AnaMaria”, no “Diário do Grande
ABC”, no “Agora São Paulo” e na “Contigo!” e se especializou em jornalismo
feminino popular. Acredita no amor, que mostarda melhora tudo e que as
madrastas são uma classe injustiçada pela literatura infantil.
Sobre
o Blog.
Um olhar esperançoso
sobre a geração que está com 30 e poucos anos, recorrendo aos apps de paquera
na marra ou tentando salvar o segundo casamento com todas as forças. E enquanto
isso, trabalha, cria pessoinhas e faz de tudo para se divertir (desde que o
samba é samba é assim).
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