FONTE: TRIBUNA DA BAHIA.
Pessoas que sofrem de obesidade ou tem algum tipo
de transtorno têm maior possibilidade de desenvolver a depressão.
Embora
a medicina evolua a passos largos, uma área em específico ainda encontra
algumas barreiras: a da saúde mental, em parte pela própria característica de
sua “raiz” e seus desdobramentos emocionais.
Mas
outro fator que dificulta o avanço de tratamentos que visem se não curar, ao
menos, oferecer mais controle e segurança para seus portadores e familiares, é
o preconceito.
Somando
à “escola” da psiquiatria, baseada nas terapias e medicamentos, a neurocirurgia
tem oferecido caminhos para a estabilização de pacientes psiquiátricos graves.
Indivíduos
considerados de “alta periculosidade” para a sua família, sociedade, ou mesmo
aqueles que geram grande desgaste por suas frequentes e violentas crises de
comportamento, encontram em procedimento neurocirúrgicos ablativos, importantes
alternativas de controle.
Já
entre os procedimentos funcionais menos invasivos ou reversíveis, para diversos
outros tipos de distúrbios mentais, estão as técnicas neuromodulatórias, sendo estas
ainda enquadradas como off-label.
Apenas
para contextualizar o termo off-label, ele primariamente foi usado pela
indústria farmacêutica para o uso de drogas não aprovadas para determinada
indicação, ou para um determinado grupo etário, uma determinada dosagem ou por
questões administrativas.
No
entanto, o uso off-label é geralmente legal, a menos que viole as diretrizes
éticas específicas ou regulamentos de segurança, mas não apresentando riscos a
saúde e incompatibilidade na responsabilidade legal.
Um
estudo publicado em 2006 descobriu que o uso off-label foi o mais comum em
medicamentos cardíacos e anticonvulsivantes. Este estudo descobriu que 73% do
uso off-label teve pouco ou nenhum apoio científico.
Extrapolou-se
a indicação off-label muito além do uso de medicamentos, passando a outros
procedimentos ainda em fase de estudo, mas com evidências primárias promissoras
e com morbidade reduzida, conforme casuísticas primárias.
Enfim,
voltando à neurocirurgia funcional e os procedimentos neuromodulatórios que
ganham projeção em velocidade, estão: 1) depressão refratária, 2) síndrome de
adição (tabagismo, cocaína, álcool, morfina, heroína, crack, etc.), 3)
obesidade e anorexia, 4) TOC (transtorno obsessivo compulsivo), 5) déficits
cognitivos em síndromes demenciais e 6) déficit de memória em pacientes com
lesão cerebral prévia (traumatismo craniencefálico, acidente vascular
encefálico, etc.).
No caso da depressão refratária, estamos falando de uma doença de alta prevalência
populacional. É a mais prevalente doença na psiquiatria, com maior índice de
suicídio e 20% destes indivíduos não respondem aos protocolos vigentes: uso
isolado ou combinado de antidepressivos, psicoterapia, eletroconvulsoterapia e
estimulação magnética transcraniana.
Estudos
publicados em escolas tradicionais do Canadá, EUA e Ásia, revelam que algo em
torno de 50% destes pacientes considerados refratários, respondem
à neuromodulação invasiva de núcleos encefálicos, com mínima
morbidade e praticamente zero de mortalidade.
Parece
certo que, pacientes que perfazem o perfil acima descrito, acompanhados pelo
grupo da saúde mental (psiquiatras e psicólogos) e indicados por estes
profissionais, deveriam merecer a oportunidade de serem tratados com o
procedimento neuromodulatório, já que um em cada dois, respondem ao tratamento
e, em especial, pela gravidade da situação vivida por esta população
psiquiátrica.
O Transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) é caracterizado por pensamentos irresistíveis e recorrentes
(obsessivos) os quais o indivíduo procura combater o inibir ou neutralizar com
comportamentos repetitivos (compulsões).
Das
técnicas neurocirúrgicas, as ablativas incluem a cingulotomia, capsulotomia
anterior e das técnicas neuromodulatórias, a estimulação cerebral profunda.
Também
é uma doença tratada primariamente pelo psiquiatra e, na presença de resultados
insatisfatórios, este encaminha o paciente ao neurocirurgião funcional, para
que a cirurgia seja realizada.
Síndrome de adição. O vício é um transtorno psiquiátrico grave com grande impacto
individual e sócio econômico. Várias teorias foram propostas nas últimas
décadas para explicar a origem do vício e do comportamento de dependência.
O vício
começa, na maioria das vezes, com o uso social de uma substância, que se torna
uma compulsão e finalmente dependência e síndrome de abstinência. Estruturas
encefálicas como o núcleus accumbens tem um papel central na
patogênese da dependência às drogas.
Intervenções
psicoterapêuticas e farmacológicas para o tratamento da dependência não
apresentam grandes taxas de sucesso, com recaídas ocorrendo em cerca 80% dos
pacientes com dependência alcoólica grave.
O
tratamento neurocirúrgico da dependência teve início nos anos 1960, com a
leucotomia (lesão no córtex frontal), utilizada para tratar pacientes com
depressão, que demonstrou aliviar a dependência de álcool e barbitúricos.
Nos
anos 1970, a hipotalamotomia gradualmente substitui a lecucotomia no tratamento
neurocirúrgico da dependência, baseado em modelos animais e observações
clínicas. Ainda na década de 1970, a cingulotomia foi testada para abolir a
dependência às drogas.
No
final da década de 1990, cirurgiões russos realizaram criocingulotomias
bilaterais. O procedimento consistira em congelar parte do cérebro usando
técnicas estereotáxicas para cortar o giro do cíngulo no sistema límbico
bilateral por meio de uma pequena perfuração no crânio.
Recentemente,
procedimentos neurocirúrgicos foram utilizados para tratar a dependência à
heroína pela ablação do nucleus accumbens bilateralmente.
Relato
de caso mostrou que a estimulação cerebral profunda do nucleus
accumbensbilateral aliviou a dependência ao álcool de uma paciente que sofreria
de agorafobia, sugerindo que essa técnica também poderia ser utilizada no
tratamento da dependência de drogas.
Pesquisa
que explorou a estimulação cerebral profunda em ratos mostrou que
o nucleus accumbens desempenha papel central nas propriedades de
recompensa e vício do abuso de drogas em geral e em especial do álcool.
Revisão
da literatura concluiu que onucleus accumbens parece ser o melhor alvo
para o alívio do vício, mas apenas estudos que analisaram pacientes com
dependência como comorbidade foram analisados.
Obesidade. A obesidade é uma doença crônica com importante
envolvimento neuropsiquiátrico. Os centros do apetite e da saciedade no cérebro
estão relacionados à sensação de reforço associada à ingestão de alimentos,
fatores intimamente ligados à fisiopatologia da obesidade.
Com
base nesse conceito, a obesidade tem sido proposta como um distúrbio mental e alguns
estudos tem explorado o uso da estimulação cerebral profunda para o tratamento
da obesidade.
Os
centros do apetite e saciedade do cérebro são o hipotálamo lateral e o
hipotálamo ventromedial, respectivamente. A literatura tem confirmado essas
regiões como foco da estimulação cerebral profunda para diminuir o apetite e
perder peso.
Regiões
do circuito de reforço cerebral, como o nucleus accumbens, são
alternativas promissoras da estimulação cerebral profunda para o controle da
obesidade.
Revisão
da literatura que comparou a cirurgia bariátrica à estimulação cerebral
profunda no tratamento da obesidade mórbida concluiu que, para ser equivalente
à cirurgia bariátrica, a eficácia da estimulação cerebral profunda deve ser de
83%.
Porém,
esse estudo não leva em consideração a alta taxa de complicações (33,4%)
comparado à estimulação profunda (19,4%). Esses resultados estimulam o
desenvolvimento de novas pesquisas sobre o papel da estimulação cerebral
profunda no tratamento da obesidade.
Mais
recentemente, pacientes portadores de doenças degenerativas com
progressiva alteração da memória, inicialmente recente e posteriormente a
memória remanescente, assim como aqueles indivíduos com profundas alterações
cognitivas que sofreram danos encefálicos graves, como traumatismo
craniencefálico ou acidente vascular encefálico, vem sendo objeto de tratamento
neuromodulatório encefálico.
Estes
últimos necessitam de maiores casuísticas vindas de centros médicos embasados
pela pesquisa ética e imparcial. Certamente, ainda carecem de uma credibilidade
que será, ou não, fundamentada por estes estudos.
Fato é
que se faz urgente uma lei nacional que contemple esta opção terapêutica
envolvendo todos os Estados.
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