FONTE: Ana Gerschenfeld,
(publico.uol.com.br).
O trabalho,
liderado por investigadora portuguesa, desvenda um enigma e pode abrir o
caminho a tratamentos inéditos contra a obesidade.
Pela primeira vez, foi
possível desvendar o mecanismo que permite ao cérebro activar as células
adiposas do corpo, induzindo-as a degradar a gordura que contêm para ser
utilizada como fonte de energia. Os resultados foram publicados na quinta-feira
na revista Cell.
O tecido adiposo representa
20 a 25% do peso corporal humano e as suas células contêm triglicéridos, ricos
em energia. Quando não comemos o suficiente, essas gorduras são degradadas pelo
organismo para suprir as nossas necessidades. Consequência óbvia: se não
comermos o suficiente, emagrecemos. Mas por outro lado, em condições normais,
também não estamos sempre a comer desalmadamente e o nosso peso mantém-se mais
ou menos estável, controlado.
Há duas décadas que se sabe
que uma hormona, a leptina, também chamada “hormona da saciedade”, é crucial
para esse controlo, mantendo esse delicado equilíbrio energético e garantindo
que o nosso peso corporal permanece dentro de valores aceitáveis. Segregada
pelas células adiposas do organismo, a leptina actua sobre o cérebro,
ligando-se aos neurónios de uma estrutura cerebral, o hipotálamo.
Resultado: quando os níveis
de leptina vinda dos adipócitos (células de gordura) pelo sangue – e
detectados pelo hipotálamo – aumentam, isso faz diminuir o nosso apetite e estimula
a utilização das nossas próprias reservas de gordura. Inversamente, quando os
níveis de leptina em circulação diminuem, o nosso cérebro sabe-o. Sentimos fome
e sentamo-nos à mesa.
Esta acção da leptina foi
descoberta nos anos 1990 – e na altura, os especialistas pensaram ter
encontrado a chave para desenvolver tratamentos contra a obesidade. Porém, as
coisas revelaram-se mais complexas do que se esperava: o cérebro de muitas
pessoas obesas, mesmo quando elas apresentam altos níveis de leptina em circulação,
não recebe devidamente o sinal de saciedade emitido pelo tecido adiposo – e não
lhes diz para parar de comer e passar a queimar gordura.
“A resistência central à
leptina é uma condição em que o cérebro não ‘vê’ a hormona leptina. É muito
comum,”, disse ao PÚBLICO num email Ana Domingos, do Instituto Gulbenkian de Ciência
(IGC) em Oeiras. A descoberta agora anunciada pela equipa desta investigadora,
em colaboração com colegas da Universidade Rockefeller (EUA), desvenda o enigma
e poderá permitir, ao contornar a resistência à leptina, desenvolver
tratamentos mais eficazes contra a obesidade.
De facto, neste “diálogo”
entre as células adiposas e o cérebro, o que faltava identificar era,
justamente, o mecanismo que permite às células do cérebro, em função dos níveis
de leptina, enviar por sua vez um sinal às células adiposas, induzindo-as a
“queimar” gordura.
Os métodos até aqui
utilizados para estudar esta questão, escrevem os autores no seu artigo, “não
permitiam distinguir os neurónios que apenas atravessam [o tecido adiposo]
daqueles que se projectam directamente nos adipócitos”. Mas agora, combinando
várias técnicas recentes (incluindo de imagem), a equipa conseguiu literalmente
olhar em pormenor e em profundidade para o tecido adiposo, tanto in vitro como in vivo, no ratinho.
Os cientistas mostraram
assim que as células do tecido adiposo estão inervadas por fibras nervosas
projectadas por neurónios do chamado “sistema nervoso simpático” (que é a parte
do sistema nervoso não consciente que governa os equilíbrios fisiológicos
indispensáveis à manutenção da vida dos organismos).
E não só: também mostraram
que a estimulação directa dessas fibras nervosas que inervam as células adiposas
é suficiente para induzir a degradação das gorduras por essas células.
A equipa identificou ainda o
sinal bioquímico envolvido neste processo: a norepinefrina, um neurotransmissor
(e hormona) que, ao ser libertado pela estimulação dos neurónios em causa,
“desencadeia uma cascata de sinais nas células adiposas que conduz à lipólise
[degradação das gorduras]”, lê-se em comunicado do IGC.
Também aqui, as peças do puzzle encaixam-se umas nas
outras. “Há cerca de meio século que se sabe que a norepinefrina é um gatilho
da degradação das gorduras”, diz-nos Ana Domingos. “Só não se sabia de onde ela
vinha, porque a norepinefrina [também] é libertada pelas glândulas adrenais,
que não estão envolvidas nos processos de perda de peso." Agora já sabem:
a norepinefrina vem destes neurónios. "A acção que activa a lipólise é
local e não sistémica”, salienta Ana Domingos.
O carácter local deste
mecanismo permite pensar que “uma aplicação terapêutica consistiria na
activação selectiva destes neurónios”, diz-nos ainda a investigadora. O que
seria ideal, segundo ela, porque permitiria minimizar os potenciais efeitos
colaterais decorrentes de uma acção mais global sobre o sistema nervoso – e em
particular, sobre o cérebro. O próximo passo? “Desenvolver compostos que
activem selectivamente os neurónios na gordura!”
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