FONTE: Estadão Conteúdo, TRIBUNA DA BAHIA.
Além da proteção contra a aids, o GBVC tem outras
características incomuns: ao contrário de outros vírus, ele não causa doenças,
nem é eliminado do corpo do hospedeiro.
Há mais
de uma década, cientistas descobriram que um vírus chamado GBVC tem a
misteriosa capacidade de reduzir a progressão da aids em indivíduos com HIV.
Agora,
um grupo de cientistas, com participação brasileira, desenvolveu um modelo em
macacos que permitirá estudar a infecção pelo GBVC e desvendar qual é a
estratégia do vírus para impedir o desenvolvimento da aids.
O
estudo foi publicado na quarta-feira (16/9), na revista Science Translational
Medicine.
Em
2009, uma equipe liderada por Esper Kallás, professor da Faculdade de Medicina
da Universidade de São Paulo (USP), descobriu que há uma sinergia na interação
entre os vírus GBVC e HIV.
"É
algo inusitado. O GBVC reduz a inflamação causada pela infecção do HIV. Ele
funciona como uma espécie de vírus protetor", disse Kallás à reportagem.
No
estudo atual, feito pelo grupo de Kallás em parceria com cientistas da
Universidade de Wisconsin (EUA), os pesquisadores conseguiram desenvolver pela
primeira vez um modelo que simula, em macacos, a infecção pelo GBVC.
"Com
o novo modelo, vamos poder estudar a infecção em experimentos e entender
exatamente o processo de proteção usado pelo GBVC. Depois vamos investigar se
esse processo pode resultar em novas terapias para a aids".
Além da
proteção contra a aids, o GBVC tem outras características incomuns: ao
contrário de outros vírus, ele não causa doenças, nem é eliminado do corpo do
hospedeiro.
Embora
ele seja bastante comum - ocorre em até 8% da população mundial em geral e em
até 25% das pessoas com HIV - pela falta de um modelo que permita estudar sua
infecção em animais, ainda não se sabe como ele faz para impedir a progressão
da aids.
Segundo
Kallás, a descoberta do GBVC está associada a pesquisas sobre os vírus
causadores da hepatite. Nas décadas de 80 e 90, muitos cientistas estudaram as
causas das hepatites que não são provocadas pelos vírus A e B.
"No
fim da década de 80 foi descrito o vírus da hepatite C. A partir daí, foram
descobertos os vírus da hepatite Delta e hepatite E. Mais tarde, descobriram o
que se pensava inicialmente ser o vírus da hepatite G. Mas este último vírus,
muito frequente, não estava ligado à hepatite: era o GBVC", explicou
Kallas.
Quando
os cientistas ainda estavam estudando se o novo vírus tinha relação com a
hepatite, examinaram registros sobre pacientes com aids para descobrir se ele
interferia na progressão da doença.
Inesperado.
"Foi
no início da década de 2000 que alguns estudos mostraram algo totalmente
inesperado: a presença do GBVC não acelerava a progressão da aids - ao
contrário, diminuía seu ritmo. Foi surpreendente descobrir um vírus que poderia
ter um efeito benéfico de proteção do hospedeiro de outro vírus", disse o
pesquisador.
A
partir daí, tiveram início diversos estudos para descobrir como o GBVC protegia
portadores de HIV. Diversas hipóteses foram levantadas, como uma competição
entre os dois vírus, ou uma capacidade de bloqueio da infecção por HIV.
Até que
o grupo da USP conseguiu determinar pela primeira vez que o GBVC reduz a
inflamação no organismo do hospedeiro.
"É
como se ele tivesse um efeito anti-inflamatório específico para as células mais
inflamadas pela infecção do HIV. Publicamos um artigo em 2009 revelando esse
mecanismo", declarou.
Mais tarde,
um grupo de cientistas da Califórnia, nos Estados Unidos, estudando dados de
pessoas que tinham aids antes do desenvolvimento dos coquetéis, tiveram uma
redução de 50% na infecção pelo HIV quando recebiam doações de sangue de
pessoas infectadas com o GBVC.
Depois
dessas descobertas, Kallás começou a trabalhar com um colega da Universidade de
Wisconsin, David O?Connor, que liderava um projeto de pesquisa em busca de
vírus emergentes em Uganda, na África.
Dispondo
de técnicas de biologia molecular bastante sofisticadas, O'Connor coletou
amostras de macacos selvagens em busca de novos vírus.
"Em
seus ensaios de prospecção de novos vírus, ele descobriu que o vírus SIV -
equivalente ao HIV em macacos - era relativamente frequente. E encontrou também
com grande frequência os GBVC. Foi a partir daí que pensamos em estudar a
concomitância desses dois vírus em macacos", explicou Kallas.
Quando
O'Connor analisou os dados dos macacos que tinham GBVC, descobriu que todos
estavam infectados por SIV. "Parecia que os dois vírus agiam juntos.
Começamos então a trabalhar em um modelo de macacos para responder como o GBVC
é capaz de proteger o hospedeiro.
Os
cientistas montaram então um modelo para infectar macacos em laboratório com o
GBVC, algo que ainda não havia sido feito.
"Além
de descrever como a infecção aguda acontece, esse modelo sedimenta o que
precisamos saber para fazer estudos experimentais para a infecção de SIV e GBVC
nos macacos. Com isso esperamos entender com precisão os processos de
proteção", disse.
Com um
financiamento obtido junto ao governo dos Estados Unidos, os cientistas
prosseguirão agora os estudos. O grupo de Wisconsin fará as observações em
animais, enquanto o grupo de São Paulo reproduzirá os estudos nas amostras de
sangue de pessoas que vivem com HIV, sabendo que uma em cada quatro delas estão
infectadas também com o GBVC.
"Unindo
os dados experimentais e clínicos, esperamos responder várias perguntas. Onde
esses vírus se distribuem no organismo das pessoas? Se a infecção por GBVC vier
antes ou depois da infecção por HIV o efeito é diferente? Será que esse efeito
pode resultar em uma terapia que envolva injetar o GBVC em pacientes para
reduzir a progressão da aids?."
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