Com suas imagens de
corpos perfeitos, sites como o Instagram podem ser um perigo para quem sofre de
anorexia e outros transtornos. Cientes disso, as próprias redes sociais tentam
combater o problema.
Enquanto muitos
jovens de sua faixa etária curtiam a vida, Thomas passava os dias deitado na
cama, com insuficiência cardíaca e o sistema digestivo comprometido. Seis anos
depois de ter sido diagnosticado pela primeira vez com anorexia nervosa, o
jovem de 20 anos sofria novamente as consequências do distúrbio alimentar.
Ele havia se tornado
obcecado pela busca da "perfeição" física. "Eu acreditava que
precisava ter uma certa aparência para que as pessoas gostassem de mim e fazer
amigos", explica. Para Thomas, ter "certa aparência" significava
ser mais magro. E ser magro estava na moda em Sydney, cidade natal de Thomas,
na Austrália.
E, mais do que isso,
"ser magro" estava em todos os lugares, como ainda está em vastas
regiões do mundo ocidental onde a comida é abundante: em outdoors, em filmes e
em revistas. E é particularmente presente numa rede social que Thomas usava
todos os dias: o Instagram.
"Eu era
bombardeado com imagens de pessoas com o 'corpo ideal', fotos de refeições e
postagens sobre dietas e exercícios. Eu me comparava constantemente com outras
pessoas na web e nas fotos do Instagram e pensava que, se eu tentasse ser mais
como elas, eu seria mais feliz", explica.
A anorexia de Thomas
fez com que ele restringisse ainda mais o que comia ou iniciasse uma nova dieta
"sob o disfarce de um impulso para a saúde", tudo num esforço para
ficar ainda mais parecido com as pessoas que ele via nas fotos do Instagram.
"Olhar aquelas fotos baixava minha autoestima", afirma.
Movimento
"pró-ana".
Claire Mysko, gestora
de projetos na Associação Nacional de Distúrbios Alimentares (Neda) dos EUA,
explica que essa é uma reação típica de quem sofre de transtornos alimentares.
"Há muito destaque em se apresentar em 'perfeita' forma", afirmou.
"Isso pode reforçar padrões de pensamento apresentados por pacientes de
anorexia: perfeccionismo e comparação."
Pode-se até pensar
que as imagens vistas diariamente por Thomas no Instagram e em outras redes
sociais tivessem algo que ver com as chamadas fotos de thinspiration ou de
"inspiração magra". Publicadas pela chamada comunidade
"pró-ana" - pessoas que promovem a anorexia como estilo de vida -,
essas imagens têm sido alvo de duras críticas.
Mas, na verdade,
Thomas estava somente vendo fotos comuns do cotidiano. São imagens postadas por
qualquer um, mostrando o melhor lado de suas vidas, o que inclui dietas e
corpos perfeitos. Fotos que as pessoas consideram inofensivas.
Instagram tenta reagir.
Thomas insiste que
sua doença não foi causada de forma alguma pelo Instagram, mas que o aplicativo
desencadeou sentimentos de ansiedade e exarcebou pensamentos que já estavam
presentes. Essa opinião é compartilhada por muitos especialistas, inclusive
Mysko, e por outras pessoas que sofrem de distúrbios alimentares.
O Instagram tem tentado
combater isso. O serviço baniu hashtags que promovem o autoflagelo, como
proanorexia, thinspiration e probulimia, e ameaçou bloquear as pessoas que
promovem tais práticas. Mas a comunidade "pró-ana" tentar contornar
essa proibição criando hashtags de pronúncia diferente ou mais elaboradas.
"As pessoas são
capazes de se relacionar rapidamente com aqueles que compartilham um distúrbio
alimentar, fomentando mutuamente comportamentos não saudáveis", explica
Thomas. Ele já se recuperou e afirma compreender a espiral negativa em que
havia entrado.
Ainda há poucos estudos.
Como as redes sociais
são um fenômeno relativamente novo, a pesquisa científica se limitou, até
agora, ao impacto direto delas sobre os afetados por distúrbios alimentares.
Há, no entanto, estudos que sugerem um aumento do número de casos de distúrbios
alimentares, como a anorexia, entre jovens de 19 a 30 anos. Estatísticas
publicadas nos Estados Unidos mostram que o número médio de diagnósticos subiu
19% entre o período de 1999 a 2000 e de 2005 a 2006.
E as redes sociais se
tornaram ainda mais populares desde o período analisado - somente entre 2013 e
2014, o número de usuários do Instagram aumentou para 53% dos jovens online na
faixa etária entre 18 e 29 anos nos EUA. Um ano antes, era de 37%.
No total, a
comunidade usuária do Instagram nos Estados Unidos soma por volta de 100
milhões de pessoas. Com 29 milhões de usuários ativos por mês, o Brasil é o
segundo maior mercado mundial para o aplicativo de compartilhamento de fotos e
vídeos.
Efeito
também pode ser positivo.
A exposição
proporcionada pelas redes sociais não é de todo ruim, no entanto, quando se
trata de transtornos alimentares. Mysko afirma que há um crescente número de
relatos de que o Instagram também pode ter um efeito positivo sobre os afetados
por distúrbios alimentares.
Grupos
pró-recuperação costumam usar hashtags que são procuradas por pessoas que
chegaram ao fundo do poço, postando comentários positivos de apoio sob as
fotos. "É como uma intervenção", comenta Mysko.
Paola Tubaro,
especialista em sites "pró-ana", disse acreditar que, nos últimos
tempos, as pessoas estão mais inclinadas a adotar atitudes mais moderadas. Ela
afirma ainda que o Instagram pode fornecer um antídoto para o isolamento social
sofrido por muitos doentes.
"Pequenos grupos
de amigos, especialmente online, proporcionam um ambiente acolhedor e sem
julgamento, onde pessoas com distúrbios alimentares podem compartilhar suas
preocupações", diz Tubaro, que está se especializando em sociologia
econômica na Universidade de Greenwich.
Exemplo para os outros.
De acordo com a Neda,
por volta de 20 milhões de mulheres e 10 milhões de homens nos Estados Unidos
sofrem de um distúrbio alimentar em algum momento de suas vidas. Para muitos, a
recuperação pode ser uma batalha e, segundo Tubaro, poucas pessoas consegue isso
se continuam usando o Instagram. O uso contínuo dessa rede social dificulta o
afastamento dos doentes da comunidade online que sofre de transtornos
alimentares.
Aqueles que foram
capazes de se recuperar da anorexia contam "histórias a ser seguidas por
outros", diz Tubaro. Talvez Thomas seja um deles. Um ano após passar os
dias deitado na cama de seu quarto, ele parece ter conseguido superar a doença.
Ele voltou a ter um peso saudável e trabalha como um treinador de bem-estar e
terapeuta ocupacional.
Nenhum comentário:
Postar um comentário