FONTE: Aurélio Schommer, TRIBUNA DA BAHIA.
Publicado pelo Feminino e Além, site parceiro do
Tribuna da Bahia.
Em Roma
do século I, maridos emprestavam esposas aos amigos dele por tempo determinado,
“tome conta”; outras mulheres, na serenidade da coabitação, tinham amantes. À
moral de então não ocorria escândalo nem numa situação nem na outra.
Pouco a
pouco, sob influência do Estoicismo, que precedeu o Cristianismo, essas
práticas começaram a ser mal vistas, mas não se culpe a filosofia, com seus
preceitos morais, por uma demanda natural e universal: a fidelidade.
A
fidelidade conheceu altos e baixos. No século XVIII, estava tão em baixa na
França quanto estivera em Roma do século I. Voltaire teve vida marital com
Madame du Châtelet, casada oficialmente com seu respectivo Marquês.
Dava
ela ao nobre o status de estar bem casado e ao filósofo sexo e boa companhia.
Não se tratava tal caso de exceção naquele tempo.
É no
século XIX que a monogamia se impõe de tal modo que as escapadas tanto de
mulheres quanto de homens passam a ser mal-vistas pela moral comum.
Mais
discurso do que prática, pelo menos nas cidades e entre os pobres, conforme se
pode aferir nas taxas de ilegitimidade nos nascituros e nas crônicas do tempo.
A moral
comum pela estrita fidelidade só se imporia como norma seguida por quase todos
nos anos 1960, ao final dos quais deu-se nova reação libertária.
No
Brasil, os costumes portugueses herdados foram levados a sério na Colônia, no
Império e na República, via de regra, e é falso concluir por sua revogação nos
últimos anos.
Aqui,
como nos Estados Unidos, fidelidade ainda é sagrada para a imensa maioria, pelo
menos na teoria, o que impõe à prática o caráter furtivo. Não faz mal objetivo
nenhum ao cônjuge quem escapa às escondidas, desde que ninguém fique sabendo.
O amor,
por si só, não impõe a fidelidade. A coabitação também não. A posse de uma
carne é indicativo para o homem de que o possível filho da união é dele,
indicativo para a mulher do emprego dos recursos (financeiros e afetivos) de
seu homem em prol exclusivamente da prole comum.
Além
disso, é honroso para ele e para ela não ser chifrudo; e honra é mercadoria
valiosa no comércio entre humanos. Pode ser mais ou menos honroso a depender
dos costumes do lugar e do tempo, mas as questões naturais geradoras de ciúmes,
de desejo de posse exclusiva, permanecem latentes ou patentes.
Por
outro lado, razões masculinas e hormônios femininos militam pela pulada de
cerca, gesto de deslealdade se deixado ao arbítrio dos naturais ciúmes de quem
não se quer ver traído. Não será traição se houver consentimento? Tendo a
duvidar ou, pelo menos, limitar a eficácia de tal arranjo.
O
chamado relacionamento aberto conhece três formas clássicas, todas milenares e
com altos e baixos ao longo da história:
– A
coabitação com liberdade avulsa para o caso extraconjugal, sem interferência de
cada cônjuge na cópula adúltera do outro.
– O
swing, praticado a quatro, e sua variedade ménage à trois, com controle até
certo ponto de um parceiro pelo outro.
– O
casamento meramente formal, entre bons amigos ou bons patrimônios ou ambos,
cientes os cônjuges (coabitantes ou não, mas sempre “no papel”) de que o
divórcio é uma desgraça; o sexo, não.
A
primeira forma dificilmente funciona no mundo real. Pode funcionar na fantasia,
em que é tempero comum, geralmente apropriado, sem contraindicações (entre
imaginar e fazer há diferença, sim).
Na
prática, se for para dar uma variada, melhor esconder. A cópula adúltera pode
ser feia, desleal, quando escondida. Se revelada ao parceiro, é, além de
igualmente desleal, desnecessariamente cruel.
A
segunda até funciona. Amigos já me relataram casos de sucesso da prática
reiterada. Mas todo cuidado será pouco, a menos que a relação se aproxime do
terceiro caso, esse sim uma ação entre amigos sem problemas à vista
relacionados a sexo.
A soma
de coabitação + sexo intenso + forte envolvimento afetivo (paixão, amor) pede
fidelidade estrita ou, pelo menos, discrição, se a intenção for manter o
resultado de tal soma alto e perene.
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