FONTE: Beatriz Vichessi, Colaboração para o UOL, em São Paulo (estilo.uol.com.br).
Morrer, um dia, todo mundo vai. Mas pouca gente
pensa sobre isso, já que o tema ainda é um tabu na sociedade. Há quem diga que
falar sobre o assunto atrai coisas ruins. Também não é raro encontrar os que
julgam que esse papo é para quem está envelhecendo ou muito doente. No entanto,
falar sobre a morte não é tão desagradável, baixo astral e improdutivo quanto
se imagina.
Refletir
sobre a brevidade da vida e encarar a finitude dá mais força para realizar
sonhos e contribui para o autoconhecimento. “Morte significa o fim de um
processo, como tantos outros pelos quais passamos”, diz Denise Tiemi Noguchi,
oncopediatra e médica do grupo de Medicina Integrativa do Hospital Albert
Einstein, em São Paulo. Dentre esses processos, ela cita a mudança de emprego,
escola e o casamento. “Quando encaramos esses acontecimentos, pensamos sobre
eles antes que aconteçam e os aceitamos como parte da vida, saímos do
automático, aprendemos a refletir sobre o que passamos e a encarar as
despedidas que vivenciamos”, afirma.
De acordo com Clarissa de Franco, psicóloga da
UFABC (Universidade Federal do ABC) e doutora em Ciências da Religião, desde os
primórdios, o homem pensa sobre a morte, mas o estilo de vida da sociedade tem
dado cada vez menos tempo para elaborar o luto. Tanto que, atualmente, os
rituais fúnebres são mais rápidos que os de antigamente. Com isso, as pessoas
se distanciam cada vez mais do tema, a ponto de nem saberem mais como lidar com
a situação. “A sociedade busca eliminar o que causa sofrimento”, explica Clarissa.
Morte X brevidade da vida.
Quem se dispõe a lidar com o assunto de modo leve e
cotidiano pode dar um impulso na vida, buscar realizações, encontrar energia
para realizar sonhos. No livro “A negação da morte” (Ed. Record), o
psicanalista Ernest Becker, afirma que “a ideia da morte, o medo que ela
inspira, persegue o animal humano como nenhuma outra coisa; é uma das molas
mestras da vida humana.”
Pensar sobre morrer tem relação direta com pensar
na vida. Como os dias estão sendo vividos? Por que se tem brigado muito por tão
pouco? O que está sendo deixado para trás? O que poderia ser feito? Como
recuperar o que ficou perdido? Por que não reatar laços desfeitos? É necessário
reavaliar os valores familiares, profissionais e pessoais? Qual o objetivo de
trabalhar tanto? O que realmente faz uma pessoa feliz? Como administrar bem o
tempo? Ao mesmo tempo, pensar na vida e se dedicar a todas essas reflexões
revela que o ser humano é falível e, por mais que planeje muito, não tem
controle de quase nada.
Denise também aponta a validade de encontrar
sentido nas pequenas coisas do cotidiano e de conhecer a si próprio melhor.
“Muita gente pensa que é fragilidade pensar na morte. Pelo contrário, é sinal
de força, de consciência sobre a própria existência”, fala.
Encarar frustrações e perdas.
Falar abertamente sobre morte também ajuda a se
preparar para as frustrações e perdas ao longo da vida. “Quanto mais a
sociedade se cala e faz do assunto algo proibido ou desagradável, mais produz
adultos frágeis, que não conseguem lidar com o que causa sofrimento. Se nos
afastamos e nos negamos a tratar de sentimentos e assuntos normais, produzimos
a ideia de que quem fala sobre isso e se permite ficar triste, viver o luto,
está doente, deprimido”, diz Elaine Alves, fundadora da empresa Prestar
Cuidados - Psicologia do Luto e membro do Laboratório de Estudos da Morte, da
USP (Universidade de São Paulo).
Por isso, crianças e adolescentes não devem ser
poupados diante de situações que envolvem o morrer. Elaine defende que eles
precisam ser educados para isso, para aprender a encarar o fato em si como algo
natural e a lidar com as muitas despedidas e mudanças da vida. “A sociedade
planeja casamentos e formaturas, mas não a morte. Ao analisar bem, esses dois
eventos têm a ver com morrer. Quando alguém se casa, é a morte da fase de
solteiro. Quando alguém se forma na faculdade, é a morte do estudante, porque
nasce o profissional”, fala.
De modo prático, se o assunto não é encarado como
tabu, é normal e tranquilo refletir sobre o que pode acontecer quando chegar a
sua hora. O que será feito com o corpo, quais os rituais serão planejados, quem
será convidado, o que será deixado para amigos e familiares? “Pensar nessas
questões burocráticas é cuidar de si e das pessoas do entorno, afinal, tira o ônus
dos familiares e amigos próximos de terem de tomar decisões em um momento de
tristeza”, explica Elaine.
Nenhum comentário:
Postar um comentário