Antes de novos medicamentos serem colocados à venda,
testes clínicos avaliam seu desempenho na comparação com o de remédios inertes
conhecidos como placebos.
Mas pesquisas mostram que, nos últimos 25 anos, a
diferença de eficácia entre medicamentos reais e falsos diminuiu - mais nos
Estados Unidos do que em outros países. Os americanos são mais suscetíveis ao
efeito placebo, ou há outra explicação para isso?
O fenômeno em que pacientes se sentem melhor simplesmente
porque acreditam que um tratamento os ajudará é conhecido como efeito placebo.
Para testar o efeito placebo, são realizados testes
clínicos em que alguns participantes recebem a droga real e outros recebem
placebo - normalmente, os participantes não sabem qual remédio estão tomando.
A eficácia do medicamento é determinada pela diferença
entre o efeito placebo - o quanto pacientes neste grupo se sentem melhor - do
efeito do medicamento. Para que um remédio seja colocado à venda nos EUA, ele
precisa superar a performance do placebo por uma margem significativa.
Mas parece que isso está ocorrendo cada vez menos, porque
o efeito placebo está aumentando gradualmente. Testes mostram que alguns
conhecidos medicamentos para depressão e ansiedade teriam dificuldades em
passar em seus testes clínicos se fossem testados novamente em 2015.
Essa tendência virou uma grande dor de cabeça para a
indústria farmacêutica. Muitas drogas fracassaram nos testes clínicos finais -
medicamentos que, a essa altura, já tinham consumido mais de US$ 1 bilhão em
pesquisa e desenvolvimento.
Ninguém sabe por que o efeito placebo está aumentando,
mas um novo estudo da revista científica Pain ("Dor") pode ajudar a
descobrir respostas.
Ao analisar dados de 80 testes de medicamentos para dor
neuropática, os pesquisadores, coordenados por Jeffrey Mogil, da Universidade
McGill, em Montreal (Canadá), descobriram que a tendência estava sendo puxada
por estudos conduzidos nos EUA - onde se verificou que os participantes pareciam
sentir melhoras pelo simples fato de estarem participando desses testes,
independentemente de terem tomado o remédio ou o placebo.
Mas o que faz com que americanos sejam mais suscetíveis
ao efeito placebo?
No topo da lista das possíveis explicações está o fato de
que, ao contrários de alguns outros países, a propaganda de medicamentos
dirigida diretamente ao consumidor é permitida nos EUA.
O efeito placebo está ligado à expectativa dos pacientes,
e os anúncios podem estar tendo efeitos nas mentes de pacientes tomando
remédios, mesmo como parte de um teste clínico.
A hipótese preferida de Mogil, entretanto, não tem
relação com propaganda mas com o fato de os testes americanos terem se tornado
maiores e durarem mais tempo que os feitos fora dos EUA.
Para ele, as farmacêuticas provavelmente esperavam que
testes maiores e mais ambiciosos fossem mais eficientes para demonstrar os
efeitos reais das drogas, mas pode ter acontecido o contrário.
Um teste ambicioso que envolve altos gastos pode gerar
toda um série de pequenos fatores que, juntos, acabam dando espaço à crença dos
pacientes de que estão participando de um processo benéfico. O mero fato de
criar um logotipo para um teste, por exemplo, pode fazer a pessoa se sentir
mais otimista.
Mogil acredita que empresas americanas costumam contratar
mais organizações de pesquisas para realizar o teste. Pode ser que os
funcionários que trabalham para essas empresas sejam mais simpáticos que os
ocupados pesquisadores que conduzem testes acadêmicos. Só isso já é outro fator
que pode fazer as pessoas se sentirem melhor.
"Houve uma pressão para reunir dados, para não ter
dados faltando", diz John Farrar, um neurologista e epidemiologista da
Universidade da Pensilvânia.
"Então presta-se muito mais atenção aos pacientes,
há muito mais contato com pacientes para se certificar que preencham os
formulários corretamente, e houve um aumento no que é dito sobre a atividade da
droga - eles falam mais sobre a ciência por trás dela, como pode funcionar,
etc. E tudo isso leva, potencialmente, a grandes expectativas em
pacientes."
Mas Farrar acrescenta que os fins lucrativos das empresas
de pesquisa podem estar fazendo com que recrutem pessoas que não deveriam estar
fazendo testes em princípio. Um médico procurando participantes pode
encorajá-los a classificar seus sintomas como mais graves do que eles realmente
são para que possam participar do teste.
"Também houve um aumento do que chamamos de
'pacientes profissionais' - pacientes que se candidatam a testes clínicos porque
descobrem que podem fazer dinheiro com isso", diz Farrar.
Em ambos os cenários, após serem aceitos para os testes,
os pacientes podem começar a dar relatos mais precisos sobre seus sintomas, que
podem ser considerados como respostas positivas a placebos.
Farrar defende mudanças no formato dos testes para
reduzir o efeito placebo, como mais controle ao recrutar pacientes, ser mais
específico sobre critérios de seleção e acrescentar um terceiro grupo aos
testes, que tomaria um medicamento já aprovado - se este grupo e o grupo que
recebe o novo medicamento não superarem o placebo, os pesquisadores saberiam
que o teste é falho.
Também há um tentativa de diminuir, por meio de conversas
com pacientes, suas expectativas sobre fazer parte de um teste. Qual a melhor
forma de fazer isso? "Diremos a verdade a eles", diz Nathaniel Katz,
presidente da Analgesic Solutions, uma consultoria que ajuda farmacêuticas a
evitar fracassos em testes.
Sua empresa também treina funcionários que participam de
testes para evitar "linguagem corporal otimista inapropriada", como
colocar o braço ao redor do paciente, apertar sua mão ou olhá-los nos olhos.
"Isso aumenta as expectativas", diz Katz.
Mas ele acrescenta que, se você diminuir muito as
expectativas dos pacientes você certamente irá minimizar o efeito placebo, mas
você também pode diminuir o efeito do medicamento sendo testado.
Isso foi demonstrado em uma experiência no ano passado
feita por Ted Kaptchuk na Escola de Medicina de Harvard. Ele deu a pacientes
com enxaqueca o remédio Maxalt ou placebo. Mas eles foram divididos em três
subgrupos. Os grupos receberam seu envelope com um dos três selos:
"Maxalt", "Placebo" ou "Maxalt ou placebo".
"Quando dávamos a eles placebo e o envelope dizia
Maxalt, a resposta positiva foi muito boa", disse Kaptchuk à BBC.
"Quando demos Maxalt e dissemos que era placebo, a resposta foi a mesma, o
que significa que, só por mudar as palavras no envelope, podemos fazer o
placebo tão eficaz quanto o medicamento."
O desafio, na visão de Kaptchuk, é achar uma forma de
traduzir o extraordinário poder do placebo na prática diária do dia a dia.
Enquanto pesquisadores tentam diminuir as expectativas dos pacientes, médicos
fora dos laboratórios deveriam poder tirar proveito dessa fabulosa força da
imaginação para ajudar seus pacientes.
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