No que dá a impressão
de ser um mea culpa que se repete a cada cinco anos, o governo dos EUA lançou,
na semana passada, mais uma revisão das diretrizes dietéticas para os
norte-americanos, desta vez pedindo moderação
no açúcar e na proteína. As novas
recomendações devem influenciar a rotulação nutritiva, a merenda escolar e os
programas assistenciais do governo.
É certo, porém, que o
guia vai passar batido para a maioria dos cidadãos que pedem
batata-para-acompanhar. Além disso, as conclusões científicas mais recentes já
começam a defender um novo tipo de regime, personalizado e variante de
indivíduo para indivíduo.
As pesquisas oferecem
cada vez mais indícios de que cada pessoa absorve e metaboliza os nutrientes de
uma forma única – e essa percepção está fazendo cientistas e empresas rebolarem
para fornecer uma assistência nutricional mais efetiva, baseada em fatores
diferenciadores como estrutura genética, flora intestinal, variação corporal e
exposição a produtos químicos.
"A mesma
dieta não funciona para todo mundo porque somos todos diferentes uns dos
outros. Daí o nosso fracasso retumbante em controlar a epidemia de
obesidade", diz Eran Elinav,
imunologista do Instituto de Ciências Weizmann, em Rehovot, Israel.
Elinav e seus colegas
querem montar um novo tipo de negócio de criação de dietas a partir das
descobertas que publicaram recentemente na revista científica Cell. Seu estudo
concluiu uma variação assustadora na alteração de glicose de 800 pessoas que
comeram os mesmos alimentos. Alguns participantes tiveram picos de açúcar no
sangue ao tomarem sorvete e comerem chocolate, enquanto, para outros, a reação
foi moderada ou insignificante.
As variações
drásticas também ocorreram quando os voluntários consumiram opções como sushi e
pão integral, descredenciando totalmente o índice glicêmico, há tempos usado
para avaliar os alimentos de acordo com seus efeitos no açúcar do sangue, e
levantando dúvidas em relação à confiabilidade dos cálculos de calorias. Parece
que a capacidade de extrair energia dos alimentos muda de uma pessoa para
outra.
Contudo, o grupo de
Weizmann levou suas descobertas um pouco além.
Ao combinarem os
dados da reação à glicose dos participantes do estudo com informações sobre a
flora intestinal, consumo de remédios, histórico familiar e estilo de vida, os
cientistas criaram um algoritmo que prevê, com precisão, a reação a alimentos
não consumidos durante o teste.
Dietas personalizadas.
Além disso, com ele,
puderam montar dietas personalizadas para um grupo de cem pacientes
pré-diabéticos que reduziu significativamente o nível de açúcar nas refeições e
aumentou os níveis de bactérias "boas" na flora intestinal.
"O algoritmo é
semelhante ao que o Amazon usa para lhe dizer os livros que você quer ler.
Fazemos o mesmo, só que com comida", explica Eran Segal, cientista da
computação do Instituto Weizmann e um dos autores do estudo.
Embora ainda sejam
necessários pequenos ajustes, Segal acrescenta que seu grupo espera chegar ao
ponto de usar o algoritmo para criar dietas personalizadas ao público. De fato,
o acompanhamento nutricional customizado é um campo que vem se expandindo.
Várias empresas, incluindo Vitagene, Nutrigenomix e DNAFit, já investem nesse tipo
de serviço.
DNA e nutrição.
Seu trabalho é
baseado principalmente em testes genéticos, mas os cientistas estão só
começando a explorar a ligação entre o DNA e a boa nutrição. "Acho que as
empresas que oferecem assessoria alimentar personalizada estão provavelmente se
adiantando às evidências", afirma John Mathers, diretor do Centro de
Pesquisas de Nutrição Humana da Universidade de Newcastle, no Reino Unido.
Tanto ele como outros
profissionais admitem que são necessárias mais pesquisas porque a interação
entre os genes, microbiota, dieta, meio ambiente e estilo de vida de cada um é
infinitamente complexa.
Os cientistas estão
começando a "brincar" com as conexões, sendo que alguns estudos já
ligam pelo menos 38 genes ao metabolismo de nutrientes, variantes que, segundo
se acredita, podem impedir ou auxiliar sua absorção ou o uso eficiente.
Dependendo da estrutura genética, algumas análises já sugerem que a pessoa
possa querer consumir menos ou mais folatos, colinas, vitamina C, ácidos
graxos, amidos e cafeína.
"Estamos
começando a entender as ligações que existem entre a alimentação, a microbiota,
a estrutura genética individual e nossa saúde. Essas linhas de trabalho
diferentes estão começando a se unir agora, em parte porque temos tecnologia
para lidar com questões que demandam e resultam em um grande volume de
dados", diz Mathers.
Ele é também o líder
de um estudo de seis meses, financiado pela União Europeia, chamado Food4Me, no
qual 1.500 participantes de sete países do continente receberam, aleatoriamente,
assessoria dietética personalizada com base em seus dados genéticos ou foram
orientados a seguir as instruções padrão, com maior consumo de frutas e
legumes, carnes magras e grãos integrais.
Embora os resultados
ainda não tenham sido divulgados, Mathers revela que, de maneira geral, quem
seguiu o regime customizado se saiu melhor que o grupo que fez a dieta
genérica, confirmando que a personalização nutricional é a solução.
Estresse e químicos
alteram resultados.
A verdade, porém, é
que a expressão genética, a microbiota e os outros fatores usados como base
individual não são imutáveis e podem ser alterados não só pelos alimentos como
também por fatores como estresse e exposição a produtos químicos, suscetíveis a
mudanças anuais, mensais e até semanais.
As empresas que já
trabalham com assessoria individualizada de dietas argumentam que há pelo menos
provas suficientes para melhorar as recomendações genéricas que, como se sabe,
não são lá muito eficientes.
Ahmed El-Sohemy,
professor associado e pesquisador de Nutrigenômica da Universidade de Toronto e
um dos fundadores da Nutrigenomix, fala do exemplo do café que, segundo as
recomendações atuais, não deve ser consumido em volume superior a quatro ou
cinco xícaras por dia.
"Funciona para
mais ou menos metade da população, que tem metabolismo acelerado; para a outra
metade, que tem uma variante do gene CYP1A2, mais do que duas xícaras por dia
aumentam o risco de um ataque cardíaco e hipertensão."
Empresas como a
Nutrigenomix tendem a oferecer principalmente assessoria nutricional e não
dietas para tratar doenças específicas e, portanto, o FDA (Administração de
Alimentos e Medicamentos dos EUA) não pode regulamentar esse nicho de incrível
potencial lucrativo. (A aplicação da lei pode ser complicada, já que muitas
companhias estão sediadas em outros países.)
Por isso, consumidor,
cuidado. Converse com seu médico/nutricionista primeiro antes de fazer
quaisquer mudanças alimentares.
Paradoxalmente,
muitos dos especialistas que defendem a nutrição personalizada não passaram por
testes genéticos, nem tiveram a microbiota analisada.
"Gosto de comer
com prazer. Esse é o meu ponto de partida", conclui Mathers.
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