FONTE: Albenísio Fonseca, TRIBUNA DA BAHIA.
O serviço de hemodiálise - limpeza do sangue por
aparelhos, quando os rins não funcionam - está à beira do colapso no Brasil.
O
serviço de hemodiálise - limpeza do sangue por aparelhos, quando os rins não
funcionam - está à beira do colapso no Brasil. A denúncia feita por
participantes da audiência pública conjunta das Comissões de Direitos Humanos e
Legislação Participativa e Assuntos Sociais, que debateu os problemas do setor,
aconteceu em setembro do ano passado. Eles informaram que doentes crônicos
renais estavam morrendo por causa do subfinanciamento ao serviço e dada à falta
de medicamentos. A gravidade da situação voltou a ser enfatizada, ontem,
à Tribuna, por presidentes de entidades de defesa de doentes renais.
Segundo Gerson Souza Barreto, da Aprec-Associação dos Pro renais Crônicos do
Brasil, “a situação é extremamente delicada na Bahia, seja para atendimento
básico ou transplantes de rins”.
Barreto
disse que, em Salvador, “100 pacientes precisam de vagas para hemodiálise” e
que “os atendimentos, em clínicas conveniadas pelas secretarias estadual e
municipal de Saúde, têm sido restringidos a uma ou duas horas de sessão, o que
é insuficiente para o tratamento na medida em que o normal são quatro horas”.
Ele informou que, “desde janeiro foram suspensas as diálises peritoniais,
quando o paciente faz o procedimento, mas pode requerer apoio médico para fazer
a fístula (veia que é calibrada para suportar a agulha apropriada), tanto pela
Sesab-Secretaria Estadual de Saúde quanto pela SMS-Secretaria Municipal.
Segundo Barreto, a justificativa apresentada, “é a de que o ressarcimento
efetuado pelo SUS, de R$ 179 por sessão, não contempla os custos despendidos,
estipulados em R$ 256”. Disse, ainda, que “nas hemodiálises, os pacientes do
SUS deixaram de ser priorizados. A prioridade passou aos que dispõem de planos
de saúde que remuneram melhor o serviço”. Ele enfatizou o quanto “quem não
dispõe de acesso para ter uma fístula só tem como opção morrer ou morrer”.
Gerson
Barreto denunciou, também, que “as clínicas e mesmo no Hospital Roberto Santos,
os pacientes têm que levar agulha ou cateter e o lençol para forrar a cadeira
de hemodiálise, que levam de volta para casa sob alto risco de contaminação”.
Ele alertou para o fato de que “o tratamento do doente renal não está restrito
à hemodiálise. Depende, também, de boa assistência farmacêutica”. Nesse
sentido, fez ver que, “atualmente, estão em falta medicamentos de distribuição
gratuita pelo Governo, como Calcigex e Calcitrol – que suprem a carência de
cálcio e promovem balanço eletrolítico do organismo”. Segundo o
presidente da Aprec, “trata-se de produtos que não são comercializados no
mercado farmacêutico e que costumam faltar por até quatro meses nos estoques do
Governo, comprometendo o tratamento e a qualidade de vida do paciente”. De
acordo com ele, “os transplantes de rins também caíram enormemente na Bahia.
Hoje, o estado se encontra na antepenúltima posição com 4,5% de procedimentos
por milhão de habitantes”.
Números.
Para Valter Garcia, diretor da SBN-Sociedade Brasileira de Nefrologia, “temos
uma tragédia anunciada, um sistema difícil com a diálise, que está em crise”.
Nos últimos 10 anos, segundo Garcia, “o número de pacientes cresceu 71%
enquanto o de unidades de diálise aumentou apenas 15%. As consequências são a
superlotação, devido à falta de centros de tratamento, e diálises malfeitas, já
que até mesmo a redução do tempo da sessão tem ocorrido. Isso encarece ainda
mais o tratamento, pelas complicações à saúde do paciente, podendo levá-lo à
morte”.
Ele
também menciona como um dos principais problemas o valor pago pelo SUS às
clínicas que realizam os procedimentos. O custo real da sessão não é reajustado
há quatro anos e são feitos via SUS 85% dos atendimentos, o que intensifica ano
a ano o rombo”. O presidente da SBN também aponta, como problemas, a “falta de
médicos nefrologistas e a grande rotatividade dos técnicos de enfermagem. Além
disso, não há uma política de mapeamento e tratamento eficazes para a
hemodiálise”, questionou.
10 milhões têm alguma disfunção renal.
Quanto
à incidência da doença no País, existe estimativa de que 10 milhões de
brasileiros sofram de algum tipo de disfunção renal, dos quais mais de 120 mil
fazem hemodiálise. E, destes, 35% têm indicação de transplante, mas a fila de
espera é enorme e o número de doadores não aumenta significativamente. Este
ano, de acordo com dados da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos,
foram realizados 2.664 procedimentos no primeiro semestre deste ano, em todo o
País.
Anualmente,
uma média de 33 mil pacientes precisam entrar no sistema de diálise brasileiro.
Somados os óbitos (19 mil) e os transplantes (5 mil), há uma “abertura de
vagas” de 24 mil. Para atender à demanda, conforme Paulo Luconi, da Associação
Brasileira dos Centros de Diálise e Transplante, seriam necessárias 9 mil vagas
novas por ano, mas o país só consegue criar pouco mais de duas mil. Atualmente,
existem 715 unidades, mal distribuídas pelo país. A região Norte é a que mais sofre
com a carência. — Nós estamos vivendo um verdadeiro apagão da terapia renal
substitutiva no Brasil, o colapso da terapia.
Por que
está tendo este colapso? Porque existe uma evidente falta de vagas com prejuízo
no acesso aos usuários e uma perda na qualidade de diálise naqueles pacientes
que estão dialisando — lamentou. Ele também cobrou mais incentivos aos
transplantes e que se coloque em prática a Portaria 389/2014, que organiza a
linha de cuidados à pessoa com Doença Renal Crônica (DRC) e prevê recursos ao
cuidado ambulatorial do paciente, antes que os casos de diabetes e hipertensão,
principalmente, evoluam para a necessidade de diálise. — A sustentabilidade
passa pela prevenção — resumiu Luconi.
Já o
presidente da Federação Nacional das Associações de Pacientes Renais e
Transplantados do Brasil, Renato Padilha, lembrou que não adianta
realizar os transplantes e abandonar os transplantados. Muitas vezes o SUS
deixa faltar medicamentos importantes para a sobrevivência dos novos rins. Ele também
pediu incentivos para a chamada diálise peritoneal, que pode ser feita em casa
e evita deslocamentos massacrantes até as clínicas para grande parte dos
doentes renais. Padilha defende a aprovação do PL 155/2015, que tramita na
Câmara. O texto reconhece ao paciente renal crônico o mesmo tratamento legal e
os mesmos direitos garantidos às pessoas com deficiência, a partir da paralisia
total dos rins nativos em hemodiálise e diálise peritoneal e da constatação do
comprometimento de sua funcionalidade.
O
coordenador-geral do Sistema Nacional de Transplantes do Ministério da Saúde,
Heder Murari Borba, durante os debates no Senado, em 2015, reagiu às
críticas frisando que “o Brasil tem o maior sistema público de
transplantes do mundo e é o país o que mais realizou transplantes de órgãos em
2014 na América Latina (7.695)”. Disse que, “no ano passado foram repassados R$
2,6 bilhões aos estados para pagamento de terapias renais, e que é preciso
lembrar-se do momento delicado que o país enfrenta na economia, quando faltam recursos
para tudo”. Segundo ele, “temos que ter cuidado para não jogar fora, além da
água da bacia, a criança junto”, alertou.
654 pacientes esperam por transplante.
José
Vasconcelos de Freitas, presidente da Renal Bahia-Associação de Defesa dos
Pacientes Crônicos do Estado, denunciou que “há dois meses as empresas
fornecedoras de equipamentos para a diálise peritoneal deixaram de fornecer à
Sesab que ficou sem condições de promover o atendimento, mas a questão já foi
solucionada com a contratação de novo fornecedor”. Na Bahia, ele menciona a
existência de 362 peritoneais, 225 dos quais em Salvador. Na hemodiálise
estariam 8.450, 2.525 dos quais na capital.
Em todo
o estado existem 35 hospitais, entre públicos e particulares, para
atendimento aos renais crônicos. Não existe informação ou dado estatístico
sobre o número de óbitos de pacientes renais, porque mesmo sendo uma derivação
do comprometimento dos rins, o paciente pode ir à óbito por diversas outras
complicações clínicas”.
Freitas
aponta a falta de médicos nefrologistas e angiologistas no sistema estadual de
saúde e considera tamanho o caos que “a SMS fornece seringa descartável aos
pacientes para a dose de insulina, recomendando o uso de três a oito vezes, o
que é um descalabro”.
Lembra
que a hemodiálise é “necessária três vezes por semana ou a critério médico” e
que “na Bahia, onde o primeiro transplante de rins aconteceu no Hospital Ana
Néry, em 1962, existem 654 pacientes aguardando na fila para conseguir o
transplante. O presidente da Renal Bahia apontou, ainda, como um “agravante à
condição do paciente, a inexistência de sistema de transporte para atender no
deslocamento às sessões, principalmente os que residem na periferia de
Salvador”.
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