Por que uma pessoa tomaria uma
atitude que sabe que será destrutiva, como apostar até perder todo o dinheiro?
Essa pergunta norteou a carreira do neuropsiquiatria Stephen Stahl, da
Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos. Ao longo das décadas, o
especialista estudou o comportamento de pessoas viciadas nas mais diversas
coisas e como isso mexe com o cérebro delas. Aproveitando que ele esteve em São
Paulo para uma palestra - durante o evento "The Best of Brain, Behavior
and Emotions", que teve o apoio da farmacêutica Libbs -, SAÚDE fez uma
entrevista com o expert. Saiba agora como uma atitude prazerosa pode se
transformar em um vício e como os profissionais estão lidando com isso.
SAÚDE: Por que uma
pessoa se vicia em algo?
Stephen Stahl: Começamos a
fazer várias coisas porque elas são recompensadoras. Mas, com o tempo, isso vai
de recompensador para uma prática excessiva e, por fim, transforma-se em um
hábito. E o cérebro não é mais o mesmo quando se vicia.
Temos vários tipos de vício, como o
de comida. Muitos obesos têm compulsão alimentar. São pessoas que não comem
porque estão com fome. Estão fazendo isso porque virou um hábito ruim com
repercussões no cérebro.
Aí que está: por que alguém faz uma
coisa destrutiva? Se você é esperto, sabe que apostar dinheiro
demais trará problemas. Se tomar essas drogas, vai ser preso, vai perder
sua esposa. Então, por que faz? A resposta é que todo mundo fica condicionado,
como um cachorro que saliva quando ouve o barulho do pacote de ração. Os
indivíduos, quando se viciam em comida, não cheiram, não sentem o gosto, não
aproveitam e não param. Eles estão condicionados. Veem uma geladeira e pensam
em comer, veem um pacote de bolacha e querem acabar com ele. E quando
comem, não aproveitam.
Para entender isso dentro da cabeça,
vou usar o exemplo do alcoolismo. Na ausência de um vício, o cérebro produz
mais dopamina, um neurotransmissor do prazer, quando você bebe ou cheira o
vinho. A dopamina, portanto, é o prazer que você sente. O curioso é que, quando
está viciado, não é assim. Entre os viciados, os picos de dopamina surgem
quando você vê a garrafa ou o copo. É uma resposta condicionada, só com base na
expectativa. E o pior é que, ao beber, a dopamina nem sobe tanto. Ou seja, não
há prazer no ato em si quando o sujeito tem uma adição.
Além disso, o cérebro muda a forma
como funciona. No vício, a região mais ativada não é uma relacionada ao
controle, mas sim outra vinculada a reações automáticas. Ele entra no piloto
automático. Você nem percebe que está mordendo as unhas, batendo o pé... Ou
comendo. São hábitos.
Como tratar isso
então?
Temos que quebrar o hábito.
Infelizmente, estamos começando a entender que as mudanças provocadas no
cérebro por um vício podem ser irreversíveis. No entanto, um novo aprendizado
talvez bloqueie um antigo. Ou seja, em vez de tentar fazer o cérebro voltar ao
normal, podemos criar um circuito paralelo - e é aí que entra a psicoterapia.
Nela, o paciente aprende a suprimir o circuito do vício sem se livrar dele.
Essa pode ser a chave do tratamento. Mas ainda estamos aprendendo muito sobre o
tema.
Temos que entender que ter recaídas é
comum no tratamento. É como cair do cavalo: você não pode desistir por isso. Em
resumo, o dano pode ser permanente, mas isso não quer dizer que não há
esperança.
Mas, com relação ao
vício por comida, a pessoa não pode simplesmente parar de se alimentar. Isso é
um desafio a mais?
Certamente. Você até pode parar
de beber álcool, mas não de comer. A adição é o excesso. Como definir esse
termo que é o desafio. Na psiquiatria, excesso é quando alguém começa a afetar
o próprio funcionamento social por causa de uma atitude. E isso pode acontecer
com comida, exercício físico, apostas...
Várias vezes, o vício vem de uma
tentativa de escape, como a perda de um relacionamento. A pessoa pode estar
lidando mal com a perda. Ela imagina que não precisa lidar com esse término,
desde que fique se exercitando ou comendo. Mas assim que para, a perda está
ali. Lidar com isso é doloroso, mas necessário.
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