Nos últimos tempos, cresceu o número
de mulheres interessadas em consumir a própria placenta depois do parto – o
órgão é responsável, entre outras coisas, por nutrir o bebê durante a gestação. Enquanto há mães que usam alguns
pedaços em receitas, como vitaminas, outras preferem usá-los para fazer
cápsulas.
A prática, chamada placentofagia,
vem sendo considerada vantajosa por motivos como repor as quantidades de ferro
no organismo (o que aumentaria a disposição), melhorar a produção de leite e até afastar a depressão pós-parto.
De olho nesses argumentos, os
cientistas não demoraram a se interessar pelo assunto, que ganhou popularidade
quando celebridades decidiram ingerir o órgão. A psicóloga Cynthia Coyle, da
Escola de Medicina Feinberg da Universidade Northwestern, nos Estados Unidos, está entre
aqueles que se debruçaram sobre os dados a respeito da placentofagia.
Ela liderou uma análise minuciosa de
dez estudos acerca do tema. “Os benefícios são baseados em alegações
individuais. Ao revisarmos a literatura científica, não encontramos estudos bem
controlados sobre a segurança e as vantagens em seres humanos”, afirma.
Ela lembra, no entanto, que muitos
trabalhos são feitos com cobaias e focam apenas no papel da placenta no
controle da dor durante o trabalho de parto. “Precisamos de mais pesquisas para
determinar se a placentofagia faz bem às mulheres. Nós simplesmente ainda não
sabemos os benefícios nem os riscos”, admite.
Durante a revisão, Cynthia notou que
as mães realmente reportam diversas vantagens – tanto é que grande parte das
adeptas declara a intenção de apostar em pílulas de placenta de novo, em
futuras gestações. “Eu acho que isso já é uma bela justificativa para
investigarmos mais”, diz.
A pesquisadora Sharon Young, da Universidade de Nevada, nos Estados
Unidos, compartilha essa missão. Em 2010, ela e seus colegas entrevistaram 180
mulheres que ingeriram a placenta e descobriram que uma das principais
motivações tinha a ver com a promessa de refazer os estoques de ferro no
organismo. “E sabemos que baixos níveis desse mineral estão relacionados com
a fadiga”, relata.
Por causa desses depoimentos e do
fato de que a placenta é mesmo um órgão cheio de ferro, recentemente ela e seus
colegas resolveram realizar uma experiência com um pequeno grupo de
voluntárias. Enquanto metade das participantes recebeu suplementos feitos com
sua placenta desidratada, a outra parte ganhou cápsulas de bife desidratado –
a carne vermelha, não é segredo para ninguém, também concentra doses caprichadas do
mineral. Cabe ressaltar que nenhuma mulher sabia o que estava consumindo.
O primeiro dado que saiu do trabalho
foi o seguinte: as pílulas de placenta continham aproximadamente sete vezes
mais ferro do que as de carne. Mas, apesar disso, ao compararem as taxas do
mineral no sangue das mães, os pesquisadores não encontraram diferenças
significativas entre os grupos. “E, mesmo em quantidades altas, a cápsula feita
com o órgão só ofertou 24% da dose diária de ferro recomendada para quem está
amamentando”, revela Sharon.
Nada de conclusões
precipitadas.
Ao contrário do que parece, os
resultados não encerram a discussão, não. “Nosso estudo sugere que, em mulheres
saudáveis e com ingestão adequada de ferro, como era o caso das nossas
voluntárias, os suplementos de placenta podem não prover uma quantidade do
mineral capaz de aumentar seus níveis no organismo”, analisa a estudiosa.
O time não checou o que acontece com
mulheres com deficiência do nutriente, por exemplo. Outro aspecto que não foi
investigado – e não pode ser descartado – é se hormônios presentes no órgão
teriam impacto no bem-estar das defensoras da placentofagia.
Por isso, Sharon – assim como Cynthia
– frisa que ainda é difícil cravar se a prática de fato proporciona algum
ganho. Afinal, há pouquíssimas pesquisas em seres humanos. “O que os estudos
mostram é que as mulheres que comeram a placenta ou tomaram as cápsulas citaram
experiências positivas, como melhora no humor, mais disposição e maior produção
de leite, entre outras”, conta Sharon.
Quem faz coro às cientistas é a enfermeira
obstetra Ana Cyntia Paulin Baraldi, do consultório Luz do
Candeeiro, em Brasília, espaço no qual é possível encapsular a placenta. “É fato
que não existe evidência científica suficiente para cravar que essa ingestão é
benéfica. Mas as mulheres relatam que se sentem muito bem com a prática”, diz.
Não à toa o número de interessadas vem subindo.
E ainda que todo esse sucesso seja
obra de um efeito placebo – ou seja, a total crença na melhora acabaria
resultando nos benefícios –, Ana não vê motivos para rejeitar a placentofagia.
“Se as mulheres ficam satisfeitas e não há efeitos colaterais, já estão no
lucro”, acredita.
Fora que, independentemente de os
efeitos terem a ver com ferro, hormônios ou outras substâncias, a enfermeira
crê que as adeptas da placentofagia acabam tirando proveito do ritual em si.
“Elas acreditam no potencial do que vem de dentro, daquela energia que gerou um
bebê”, explica.
E a segurança?
Em sua pesquisa, Sharon Young não encontrou
riscos associados ao consumo da placenta. Esse é um ponto bem polêmico,
inclusive. Ora, estamos falando de um órgão que também funciona como uma
espécie de filtro. Sendo assim, especialistas ponderam que existe a
possibilidade de ele concentrar toxinas, como mercúrio, cádmio, arsênio e
chumbo.
“Mas nós avaliamos o teor dessas
quatro substâncias na placenta desidratada e todas elas estavam bem abaixo dos
limites considerados potencialmente perigosos”, tranquiliza a pesquisadora da
Universidade de Nevada. Ela frisa, porém, que não chegaram a procurar outros
elementos nocivos, a exemplo de pesticidas.
Como é possível que o órgão também
apresente bactérias e vírus – resultado de uma infecção ou outros problemas de
saúde durante a gravidez –, Cynthia, da Universidade Northwestern, acredita que
o consumo da placenta crua possa trazer mais riscos.
Outro ponto que merece cautela: o
risco de contaminação por causa da manipulação ou preparação inapropriadas. A
enfermeira Ana, de Brasília, informa que essa questão é crucial mesmo.
Por isso, caso a mulher tenha o
desejo de encapsular a placenta, precisa pedir para o pessoal do hospital
colocar o órgão em um recipiente limpo e livre de outras substâncias,
como formol. “Se ele for usado, a placenta não pode ser consumida”, avisa.
Depois disso, o órgão precisa ficar
na geladeira. Se a ideia for guardar por mais de 48 horas, aí tem que congelar
– isso é essencial para inibir a proliferação de bactérias. De acordo com Ana,
a quantidade de cápsulas depende do tamanho do bebê – a placenta de uma criança
de 3 quilos, por exemplo, rende 120 comprimidos.
Embora o tema ainda pareça estranho à
maioria da população, a verdade é que merece ser debatido. “Os médicos e os
hospitais precisam estar preparados para respeitar qualquer tipo de escolha que
diga respeito ao corpo da mulher. E não só em relação à placenta”, opina a
enfermeira.
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