As
buscas pela palavra "suicídio" no Google aumentaram 100% no Brasil na
terceira semana de abril, na comparação com o mesmo período de 2015. A empresa
também registrou aumento repentino na procura por expressões como
"suicídio indolor" e "suicídio rápido".
Neste
mesmo mês, que marcou o lançamento no país da série 13 Reasons Why - produção da Netflix sobre uma
adolescente que registra em vídeo os motivos que a levaram a se suicidar -,
houve um boom nas buscas por imagens relacionadas a suicídio.
Abril
também trouxe notícias sobre suicídios consumados e tentados em diferentes
Estados do país, como Paraná, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Santa Catarina e
Paraíba. Em alguns casos, a polícia investiga possível relação com um jogo
virtual chamado Baleia Azul, que estaria induzindo adolescentes a
automutilações e ao suicídio.
Os
casos reacenderam a discussão sobre como tratar temas polêmicos sem incentivar
imitações no mundo real, o chamado "efeito Werther", referência a um
livro do século 18 que desencadeou uma onda de suicídios na Europa.
Falar sem promover.
Para
a psicóloga Karen Scavacini, coordenadora do Instituto Vita Alere de Prevenção
e Posvenção do Suicídio, não falar sobre suicídio pode ter um efeito tão
devastador quanto falar de maneira inadequada.
"Quanto
maior o silêncio e segredo em torno de um assunto tabu, pior para quem lida com
ele. Poder falar e contar a história pode ter um efeito curativo em quem lê e
em quem escreve", defende Karen.
Autora
de Mentes Depressivas - As
Três Dimensões da Doença do Século (editora
Globo), a psiquiatra Ana Beatriz Silva menciona a onda de suicídios atribuída
ao lançamento do livro Os
Sofrimentos do Jovem Werther, obra de Goethe de 1774 em que o protagonista
se mata após um amor não correspondido.
Como
reação, o livro foi recolhido e proibiu-se a discussão sobre o suicídio por
acreditar que seria algo que incitasse a prática.
"Estima-se
que 90% dos suicídios poderiam ser prevenidos. Isso faz pensar que esse
preconceito histórico em falar sobre suicídio não ajudou a prevenir essas
mortes", diz Silva, citando estimativa da Organização Mundial de Saúde
(OMS).
Silva
avalia que os padrões da mídia ao relatar casos de suicídio também não
contribuem para resolver esse problema social.
"Só
falamos em suicídio quando um famoso se mata. Não se pode glamorizar um
suicídio, transformar o suicida em herói. Um suicídio é um ato de
desespero", diz ela, para quem relatar a trajetória de sofrimento da
pessoa é mais relevante do que informar, por exemplo, métodos empregados no
ato.
Para
Scavacini, do Instituto Vita Alere, apresentar alternativas e divulgar locais
ou formas de se obter ajuda é outro meio de falar de suicídio com maior atenção
à prevenção.
"Se
o relato indica ao final onde a pessoa pode receber ajuda, isso se transforma
numa rede de cuidado. Muitas pessoas estão tão perdidas e impactadas que mesmo
uma sugestão de caminho a seguir faz grande diferença", orienta.
Catarse coletiva.
Para
a professora de Comunicação da Universidade Federal Fluminense Renata Rezende,
o excesso de referências sobre suicídio, com aumento repentino na circulação de
relatos na internet, é exemplo de uma "catarse coletiva": impacto
amplificado, nas redes sociais, de assuntos e práticas que são objeto de tabu.
São
assuntos, diz ela, geralmente ligados à esfera do segredo, do proibido e que,
por isso, despertam a curiosidade.
Rezende
afirma que o aumento do interesse pelo suicídio não significa que a prática
esteja sendo mais estudada. Pode ser, por exemplo, que a tendência seja apenas
um desabafo de pessoas tocadas de algum modo pelo assunto.
Daí,
diz a professora, a importância de observar como essas catarses se manifestam.
"Muitas
vezes, na falta de conversar com um amigo ou procurar tratamento psicológico, o
usuário faz sua catarse no espaço que tem: seu perfil nas redes sociais",
afirma.
Algo
semelhante, considera Rezende, ocorre com a relação com a morte. "Com as
redes sociais, as pessoas começaram a falar mais sobre morte, a fazer memoriais
digitais para amigos e parentes, falar das suas dores", diz.
'Gatilhos'.
Para
a psicoterapeuta Alessandra Ramasine, voluntária há sete anos do Centro de
Valorização da Vida (CVV), serviço de apoio emocional e prevenção do suicídio,
usar as redes sociais como "mural" de desabafos nem sempre é uma boa
ideia, seja para quem relata ou lê.
"Para
relatos de experiências, especialmente as doloridas e violentas, é necessário
um ambiente seguro, de acolhimento para dores e memórias", afirma
Ramasine. "Do mesmo modo, esses relatos causarão impactos e consequências
que nem sempre poderão ser administradas individualmente."
Impactos
negativos em quem lê, ouve ou assiste a reproduções de violência, sexo ou
morte, desencadeando fortes processos emocionais complexos, são chamados de
"gatilhos".
"Uma
cena de suicídio pode causar muitos impactos na vida de um jovem por meio do
gatilho, especialmente quando esses jovens estão fragilizados, angustiados e
perdidos nas questões cotidianas, sem apoio e orientação, desconectados com a
vida", afirma Ramasine.
Segundo
ela, jovens que enfrentam falta de oportunidades de desenvolver um projeto de vida,
de planejar o futuro e construir identidade por meio de autoconhecimento,
autoestima e autoconfiança podem ser os mais afetados.
Nesse
sentido, a psicoterapeuta diz ver aspectos positivos e negativos na série da
Netflix sobre suicídio. É útil ao lançar um alerta sobre o problema a pais,
professores e amigos, mas prejudicial ao retratar o ato de forma extremamente
realista.
Renata
Rezende, da UFF, sugere que quem publique relatos em redes sociais sobre
suicídio também tome cuidados com o leitor.
O
termo "Trigger warning" (aviso de gatilho, em português),
por exemplo, tem sido usado na internet, como em blogs feministas, na
introdução de textos com relatos de vítimas de estupro.
"A
importância desse aviso é prevenir e avisar que os assuntos abordados podem
desencadear processos emocionais complexos, dependendo do modo de recepção de
quem os assiste ou consome", afirma a professora.
Mostrar ou não?
No
Brasil, a taxa de suicídios na população de 15 a 29 anos subiu de 5,1 por 100
mil habitantes em 2002 para 5,6 em 2014 - um aumento de quase 10%, segundo
dados do Mapa da Violência 2017. O estudo é publicado anualmente a partir de
dados oficiais do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM) do Ministério da
Saúde.
Para
Ana Beatriz Silva, como o suicídio normalmente está associado a múltiplos
fatores, físicos, sociais e de personalidade, uma cena só será um fator
desencadeante caso a pessoa apresente "um quadro de alteração de
comportamento, principalmente a depressão."
A
psiquiatra disse ter notado um aumento na procura por serviços psicológicos em
sua clínica após a "catarse coletiva" motivada pela discussão
cultural sobre suicídio. Segundo ela, a maior parte de seus pacientes
adolescentes fez questionamentos sobre suicídio motivados pela série da
Netflix.
"Eles
me perguntavam: 'Qualquer um pode se suicidar?' 'Como uma pessoa se deprime?'.
Ou seja, para aqueles que tem contato com uma ajuda psicológica ou que não
apresentam uma alteração comportamental, a série foi capaz de despertar uma
curiosidade positiva", diz.
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