Novos sintomas e
complicações ligados ao novo coronavírus
(SARS-CoV-2) têm surgido com regularidade desde que a pandemia se iniciou.
Recentemente, os médicos passaram a notar que o risco aumentado para a formação
de coágulos e tromboses tem sido cada vez mais frequente especialmente em
pacientes que evoluem para a forma grave da covid-19.
Essa constatação ficou
evidenciada em dois estudos recentes, um feito por especialistas holandeses
e outro
por americanos, que alertavam para esse tipo de
complicação em pacientes graves com a doença.
Além disso, um outro artigo, publicado no
periódico Journal of the American College of Cardiology e assinado por
especialistas de mais de 30 hospitais ao redor do mundo, afirma que a
inflamação causada pelo novo coronavírus no organismo é um dos fatores que
levam a uma maior tendência na formação de trombos e tromboembolia.
Os médicos já sabem
que, normalmente, quem entra para uma internação em UTI tem mais chance de
desenvolver coágulos. No entanto, o que os especialistas têm encontrado em
pacientes do novo coronavírus é diferente.
"Os dados ainda
são limitados, pois a doença é nova", afirma Pedro Silvio Farsky,
cardiologista do Hospital Albert Einstein e do Instituto Dante Pazzanese.
"Mas já sabemos que o vírus tem, sim, influência no aumento da coagulação.
Mas não sabemos exatamente qual", afirma.
Uma das possibilidades
levantadas para o problema é que o novo coronavírus utiliza receptores chamados
de ACE2 para entrar no corpo humano. Esses receptores são geralmente
encontrados no endotélio —uma espécie de tecido que reveste vasos sanguíneos
(como artérias e veias) e a parte interna do coração e que tem influência no
controle da coagulação do sangue.
Isso explicaria, por
exemplo, o aumento nos casos de AVC
em pacientes abaixo dos 50 anos, sem histórico de problemas cardiovasculares e
que contraíram a doença —um alerta feito por especialistas do hospital Mount
Sinai em carta ao periódico New England Journal of Medicine.
"Isso explicaria
também a presença de microtrombos [pequenos coágulos] encontrados nos
pulmões após autópsia em alguns pacientes italianos que não resistiram à
doença, já que o ACE2 está mais presente principalmente no pulmão e nos vasos
cardíacos", acredita o especialista.
Como o vírus se concentra
nos pulmões, a primeira "frente de batalha" a sofrer com os coágulos
é justamente o órgão, que apresenta focos de hemorragia na microcirculação
pulmonar associados com microtrombos.
"Mas, uma vez
iniciada, a reação se torna sistêmica e pode atingir outras partes do
corpo", alerta o cardiologista. Há relatos de médicos americanos, por
exemplo, que têm enfrentado problemas com pacientes que precisam de diálise
justamente pela formação acima da média de coágulos durante o procedimento.
Tempestade de citocinas.
Uma outra possibilidade
que vem sendo bastante debatida é a questão da chamada "tempestade de
citocinas". Estas proteínas são conhecidas por enviarem mensagens às
células e modularem o ataque organizado pelo sistema imunológico ao vírus
invasor do organismo, criando uma condição inflamatória no corpo.
Uma das respostas ao
processo inflamatório é justamente o aumento da coagulação no sangue. O
problema é que, na infecção pelo novo coronavírus, alguns pacientes apresentam
uma produção excessiva dessas citocinas, aumentando a resposta inflamatória e a
taxa de coagulação.
"Inflamação e
coagulação são processos que andam juntos no corpo, é uma forma de isolar o
microrganismo invasor e facilitar o trabalho das células de defesa",
afirma o hematologista Erich Vinícius de Paula, coordenador de hemostasia e
trombose da ABHHT (Associação Brasileira e Hematologia, Hemoterapia e Terapia
Celular). "Mas, por algum motivo que ainda não está claro, a resposta
apresentada ao novo coronavírus parece exacerbada em alguns casos", diz.
O médico lembra ainda
que o aumento na taxa de coagulação pode provocar tanto as lesões vistas nos
pulmões (microtrombos) como ainda tornar o paciente mais propenso a desenvolver
a chamada trombose venosa profunda —uma condição em que o corpo forma coágulos,
geralmente na região das pernas, que podem se desprender e migrar para o
pulmão, provocando uma embolia pulmonar.
O que isso muda?
Por enquanto, os
médicos concordam que o melhor a fazer é aguardar novos estudos para entender
melhor a doença. "Os pacientes que seguem para a internação já recebem uma
dose profilática de anticoagulante por sabermos que a internação aumenta as
chances da formação de trombos. Isso é um consenso médico aplicado há
anos", afirma Breno Gusmão, hematologista da BP - A Beneficência
Portuguesa de São Paulo. "A grande questão que está sendo debatida é se
essa dose deve ser aumentada ou não para os pacientes de covid-19", diz.
Segundo ele, os dados
que chegam ainda precisam de mais embasamento para se tornarem um protocolo no
tratamento da doença. "Por enquanto, observamos caso a caso e levamos em
conta outras comorbidades, como arritmias e câncer, para decidir ou não pelo
uso de uma dose maior de anticoagulante", afirma.
O cuidado tem razão de
ser: o uso de substâncias anticoagulantes, como a heparina, aumenta muito o
risco de hemorragia, o que pode representar um risco de vida ainda maior para
os pacientes internados em estado grave.
Estudo com
anticoagulantes.
Pensando em como lidar
com pacientes que apresentam esse tipo de complicação, um
estudo preliminar feito por pesquisadores do Hospital Sírio-Libanês (SP)
testou o uso do anticoagulante heparina, usado em ambiente hospitalar, para
pacientes diagnosticados com a covid-19. Embora ainda preliminares, os
resultados foram considerados positivos.
"O que passamos a
entender é que o vírus entra pelo epitélio respiratório (mucosa que se estende
da cavidade nasal até os brônquios), agride-o e deixa os brônquios e os
alvéolos com a membrana exposta, criando algo parecido com um machucado. Isso
faz o corpo querer estancar a ferida, e a resposta do organismo é a coagulação,
entrando em estado de hipercoagulabilidade, que na verdade, não resolve o
problema", explica a pneumologista Elnara Marcia Negri, do Hospital
Sírio-Libanês.
De acordo com a
pneumologista, a droga é recomendada para pacientes que têm sintomas mais
severos, como a insuficiência respiratória. Para esses casos, o estudo
preliminar apontou que a heparina ajuda a desfazer os coágulos que são formados
na microcirculação do pulmão e em outros locais do corpo.
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