segunda-feira, 12 de outubro de 2015

SOBRE A IMPORTÂNCIA DE SE TER AMIGOS NO FIM DA VIDA...

FONTE:, Paula Span, (noticias.uol.com.br).


O homem inconsciente na casa dos 90 anos foi trazido ao pronto-socorro onde o Dr. Douglas White fazia atendimento intensivo. A equipe não conseguia encontrar parentes para tomar decisões médicas em seu nome.

"Ele viveu mais que toda a família. Não conseguimos localizar amigos. Chegamos até a pedir que a polícia batesse na casa dos vizinhos", contou White, que agora dirige um programa de ética no Centro Médico da Universidade de Pittsburgh.

Igualmente, não se encontraram instruções. No final, o comitê de ética do hospital teve de ajudar a equipe médica a decidir se o mantinha ligado a aparelhos.

Especialistas descrevem pacientes do gênero como "sem amigos". Porém, você também poder ficar assim, ainda que tenha amigos e família, se estiver incapacitado e não tiver designado ninguém confiável como um procurador para assuntos de saúde.

Dificilmente se diria que Elizabeth Evans é incapaz de tomar uma decisão agora – ou que não tenha amigos. Voluntária tarimbada, ela gosta de leitura, jardinagem e consegue dirigir por cinco minutos até o supermercado. Com quase 89 anos e usando um andador, ela ainda mora em sua fazenda em Pittsburgh. Lentamente, Elizabeth está se recuperando da morte do marido, Jerome, no ano passado.

O trauma a deixou com convicções claras quantas às suas decisões para o final da vida. "Depois de ver meu marido ligado a aparelhos, com tudo que eles fazem, eu não quero isso para mim", ela declarou.

Porém, se Elizabeth não puder expressar sua vontade durante uma crise de saúde, quem irá falar em seu nome? O casal não teve filhos. O irmão, que mora a uma hora dali, tem 97 anos; a irmã caçula reside na Virgínia. Do grupo mais próximo de amigas locais, duas morreram.

"Não sou daquele tipo de pessoa que se preocupa com alguma coisa antes que aconteça", explicou ela. Assim, embora o médico lhe tenha dado um formulário com instruções para preencher, ela não o fez. Nem falou com a irmã ou as amigas sobre seus desejos.

Durante uma entrevista telefônica, Elizabeth pensou em pedir ao advogado ou médicos de confiança para servirem como procuradores. Porém, na Pensilvânia, como em muitos dos estados dos Estados Unidos, a lei impede o provedor de serviços médicos assuma essa função.

Se ela ficar desorientada em um pronto-socorro, assistentes sociais podem ter que correr atrás de seus parentes. A equipe hospitalar considera sem amigos a pessoa cujos familiares não estão disponíveis para tomar decisões.

Muitas pessoas já se encaixam nessa categoria problemática. Dezesseis por cento dos pacientes de unidades de tratamento intensivo na Costa Oeste se encaixam nessa classificação, segundo estudo de 2007 do qual White é um dos autores. Outro de seus estudos informou que, dos pacientes de UTI que morreram, 5,5 por cento não tinham amigos ou – especialistas em éticas preferem um termo mais exato e menos estigmatizador – não contavam com representantes.

Os números devem aumentar à medida que a população envelhece, em parte porque o índice de demência se eleva com a idade. "Vimos um padrão crescente: mais e mais pacientes sem capacidade de decidir, sem procuradores e que não preencheram o formulário com instruções", afirmou Martin Smith, diretor de Ética Clínica da Clínica Cleveland.

Os tipos de idosos sem representantes também podem mudar. No passado, muitos eram marginalizados – sem-teto, viciados, doentes mentais, alienados. A geração dos "baby boomers" (1945-1964), com um índice maior de casais sem filhos e divórcios, tem famílias menores e mais móveis, com ciclos de vida mais longos. "Eles podem ter uma vida bastante comum e viver mais do que todos à sua volta", disse White.

Hospitais, agências públicas, pesquisadores e legisladores vêm lidando com essa questão, embora não com a velocidade necessária, e estão criando uma série de ajustes. Por exemplo, alguns estados estão ampliando os procuradores autorizados por lei.

Na maioria deles, estatutos especificam quais parentes podem autorizar ou não procedimentos médicos, no caso de um paciente que não tenha designado alguém para tomar uma decisão: primeiro cônjuges, geralmente seguidos por irmãos e filhos adultos.

Nos EUA, 24 estados e o Distrito de Colúmbia acrescentaram "amigo próximo" à lista, segundo a Comissão de Direitos de Idosos do equivalente norte-americano à OAB; alguns estados também incluíram tios, sobrinhos e netos adultos. Um clérigo pode assumir esse papel no Texas. O raciocínio é de que quanto maior for a rede, melhor a chance de achar alguém autorizado a tomar uma decisão. Casamentos legalizados entre pessoas do mesmo sexo também significam menos homossexuais idosos sem representantes.

Mesmo assim, as equipes de hospitais e casas de repouso muitas vezes ficam se perguntando quais tratamentos os pacientes sem representantes aceitariam e, em função disso, o tratamento pode ser maior ou menor do que o esperado. Assim, mais instituições estão criando regras para esses casos. Em emergências, os médicos têm "consentimento implícito", sem necessidade da participação de um procurador.

Sem diretrizes, "os provedores de cuidados de saúde tomam as decisões sozinhos", disse Thaddeus Pope, diretor do Instituto de Direito da Saúde da Faculdade de Direito da Universidade Hamline, em Minnesota. "O problema é que sabemos que os médicos têm tudo quanto é tipo de tendências, de fatores raciais a socioeconômicos que norteiam suas preferências de tratamento". Segundo Pope, eles também podem sentir pressões econômicas.

A Clínica Cleveland adotou protocolos com maior supervisão quando as decisões médicas para um paciente sem amigos vão se tornando mais sérias. No caso de um procedimento que geralmente exige consentimento formal – transfusão ou cirurgia, por exemplo –, o médico responsável, um segundo médico e um especialista em ética devem concordar que é pelo bem do paciente.

O mesmo se aplica a decisões sobre ordens para não ressuscitar. O julgamento sobre desligar aparelhos exige a concordância de dois médicos e um subcomitê do comitê de ética do hospital deve analisar a decisão.

De acordo com Smith, desde que a regra foi adotada em 2009, o departamento de ética foi consultado em mais de cem casos envolvendo pacientes sem amigos.

Na maioria dos estados, um tribunal pode designar um guardião público para um paciente sem representante, mas o processo demora semanas e esses programas são prejudicados por orçamentos inadequados, além de serem amplamente considerados inadequados na tomada de decisões médicas a tempo.

Dessa forma, em Indianapolis, o Centro para Idosos em Risco, grupo de orientação jurídica sem fins lucrativos, treina voluntários para atuar como guardiões que tomam as decisões de saúde para quem não tem amigos.

Às vezes, os voluntários acompanham os pacientes durante anos. Desde 2013, o grupo assumiu 186 casos, mas "a demanda pelos nossos serviços está superando nossa capacidade de recrutar e treinar os interessados", disse Ken Bennett, diretor do centro.

É preciso reconhecer que, de todos os destinos que uma pessoa sem representantes teme, os desdobramentos em uma UTI podem importar muito menos do que os anos que levaram até aquele momento. Em uma sociedade que se vale tanto de cuidadores familiares, quem vai oferecer a ajuda no dia a dia que a maioria dos idosos pode precisar se não tiver parentes? Essa pergunta, dizem-me os leitores, os mantêm acordados à noite.

Entretanto, no que diz respeito ao atendimento médico, as pessoas podem reconhecer que se encaminham ao status de sem amigos se não tiverem um parente próximo para representá-las. Elas podem tomar medidas preventivas, convocando amigos ou familiares mais distantes como procuradores. Se puderem pagar, as pessoas podem recorrer a advogados, gerentes de cuidados geriátricos ou guardiões profissionais. Algumas testaram comitês compostos de parceiros e profissionais confiáveis.

As pessoas podem explicar as crenças e vontades aos procuradores, pagos ou não, e documentar suas preferências em diretrizes bem detalhadas. "Elas dão pistas sobre o que o paciente realmente valoriza, alguma orientação sobre quais circunstâncias elas consideram piores do que a morte", disse White.

Isso, Elizabeth Evans decidiu durante nossa conversa, representa sua melhor aposta: escrever instruções e ter conversas francas com a irmã e, talvez com o advogado.


"A gente acha que nada vai nos acontecer, então vemos que pode acontecer. Já devia ter feito isso ontem."

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