O homem inconsciente
na casa dos 90 anos foi trazido ao pronto-socorro onde o Dr. Douglas White
fazia atendimento intensivo. A equipe não conseguia encontrar parentes para
tomar decisões médicas em seu nome.
"Ele viveu mais
que toda a família. Não conseguimos localizar amigos. Chegamos até a pedir que
a polícia batesse na casa dos vizinhos", contou White, que agora dirige um
programa de ética no Centro Médico da Universidade de Pittsburgh.
Igualmente, não se
encontraram instruções. No final, o comitê de ética do hospital teve de ajudar
a equipe médica a decidir se o mantinha ligado a aparelhos.
Especialistas
descrevem pacientes do gênero como "sem amigos". Porém, você também
poder ficar assim, ainda que tenha amigos e família, se estiver incapacitado e
não tiver designado ninguém confiável como um procurador para assuntos de
saúde.
Dificilmente se diria
que Elizabeth Evans é incapaz de tomar uma decisão agora – ou que não tenha
amigos. Voluntária tarimbada, ela gosta de leitura, jardinagem e consegue
dirigir por cinco minutos até o supermercado. Com quase 89 anos e usando um
andador, ela ainda mora em sua fazenda em Pittsburgh. Lentamente, Elizabeth
está se recuperando da morte do marido, Jerome, no ano passado.
O trauma a deixou com
convicções claras quantas às suas decisões para o final da vida. "Depois
de ver meu marido ligado a aparelhos, com tudo que eles fazem, eu não quero
isso para mim", ela declarou.
Porém, se Elizabeth
não puder expressar sua vontade durante uma crise de saúde, quem irá falar em
seu nome? O casal não teve filhos. O irmão, que mora a uma hora dali, tem 97
anos; a irmã caçula reside na Virgínia. Do grupo mais próximo de amigas locais,
duas morreram.
"Não sou daquele
tipo de pessoa que se preocupa com alguma coisa antes que aconteça",
explicou ela. Assim, embora o médico lhe tenha dado um formulário com
instruções para preencher, ela não o fez. Nem falou com a irmã ou as amigas
sobre seus desejos.
Durante uma
entrevista telefônica, Elizabeth pensou em pedir ao advogado ou médicos de
confiança para servirem como procuradores. Porém, na Pensilvânia, como em
muitos dos estados dos Estados Unidos, a lei impede o provedor de serviços
médicos assuma essa função.
Se ela ficar
desorientada em um pronto-socorro, assistentes sociais podem ter que correr
atrás de seus parentes. A equipe hospitalar considera sem amigos a pessoa cujos
familiares não estão disponíveis para tomar decisões.
Muitas pessoas já se
encaixam nessa categoria problemática. Dezesseis por cento dos pacientes de
unidades de tratamento intensivo na Costa Oeste se encaixam nessa
classificação, segundo estudo de 2007 do qual White é um dos autores. Outro de
seus estudos informou que, dos pacientes de UTI que morreram, 5,5 por cento não
tinham amigos ou – especialistas em éticas preferem um termo mais exato e menos
estigmatizador – não contavam com representantes.
Os números devem
aumentar à medida que a população envelhece, em parte porque o índice de
demência se eleva com a idade. "Vimos um padrão crescente: mais e mais
pacientes sem capacidade de decidir, sem procuradores e que não preencheram o
formulário com instruções", afirmou Martin Smith, diretor de Ética Clínica
da Clínica Cleveland.
Os tipos de idosos
sem representantes também podem mudar. No passado, muitos eram marginalizados –
sem-teto, viciados, doentes mentais, alienados. A geração dos "baby
boomers" (1945-1964), com um índice maior de casais sem filhos e
divórcios, tem famílias menores e mais móveis, com ciclos de vida mais longos.
"Eles podem ter uma vida bastante comum e viver mais do que todos à sua
volta", disse White.
Hospitais, agências
públicas, pesquisadores e legisladores vêm lidando com essa questão, embora não
com a velocidade necessária, e estão criando uma série de ajustes. Por exemplo,
alguns estados estão ampliando os procuradores autorizados por lei.
Na maioria deles,
estatutos especificam quais parentes podem autorizar ou não procedimentos
médicos, no caso de um paciente que não tenha designado alguém para tomar uma
decisão: primeiro cônjuges, geralmente seguidos por irmãos e filhos adultos.
Nos EUA, 24 estados e
o Distrito de Colúmbia acrescentaram "amigo próximo" à lista, segundo
a Comissão de Direitos de Idosos do equivalente norte-americano à OAB; alguns
estados também incluíram tios, sobrinhos e netos adultos. Um clérigo pode
assumir esse papel no Texas. O raciocínio é de que quanto maior for a rede,
melhor a chance de achar alguém autorizado a tomar uma decisão. Casamentos
legalizados entre pessoas do mesmo sexo também significam menos homossexuais
idosos sem representantes.
Mesmo assim, as
equipes de hospitais e casas de repouso muitas vezes ficam se perguntando quais
tratamentos os pacientes sem representantes aceitariam e, em função disso, o
tratamento pode ser maior ou menor do que o esperado. Assim, mais instituições
estão criando regras para esses casos. Em emergências, os médicos têm
"consentimento implícito", sem necessidade da participação de um
procurador.
Sem diretrizes,
"os provedores de cuidados de saúde tomam as decisões sozinhos",
disse Thaddeus Pope, diretor do Instituto de Direito da Saúde da Faculdade de
Direito da Universidade Hamline, em Minnesota. "O problema é que sabemos
que os médicos têm tudo quanto é tipo de tendências, de fatores raciais a
socioeconômicos que norteiam suas preferências de tratamento". Segundo
Pope, eles também podem sentir pressões econômicas.
A Clínica Cleveland
adotou protocolos com maior supervisão quando as decisões médicas para um
paciente sem amigos vão se tornando mais sérias. No caso de um procedimento que
geralmente exige consentimento formal – transfusão ou cirurgia, por exemplo –,
o médico responsável, um segundo médico e um especialista em ética devem
concordar que é pelo bem do paciente.
O mesmo se aplica a
decisões sobre ordens para não ressuscitar. O julgamento sobre desligar
aparelhos exige a concordância de dois médicos e um subcomitê do comitê de
ética do hospital deve analisar a decisão.
De acordo com Smith,
desde que a regra foi adotada em 2009, o departamento de ética foi consultado
em mais de cem casos envolvendo pacientes sem amigos.
Na maioria dos
estados, um tribunal pode designar um guardião público para um paciente sem
representante, mas o processo demora semanas e esses programas são prejudicados
por orçamentos inadequados, além de serem amplamente considerados inadequados
na tomada de decisões médicas a tempo.
Dessa forma, em
Indianapolis, o Centro para Idosos em Risco, grupo de orientação jurídica sem
fins lucrativos, treina voluntários para atuar como guardiões que tomam as
decisões de saúde para quem não tem amigos.
Às vezes, os
voluntários acompanham os pacientes durante anos. Desde 2013, o grupo assumiu
186 casos, mas "a demanda pelos nossos serviços está superando nossa
capacidade de recrutar e treinar os interessados", disse Ken Bennett,
diretor do centro.
É preciso reconhecer
que, de todos os destinos que uma pessoa sem representantes teme, os
desdobramentos em uma UTI podem importar muito menos do que os anos que levaram
até aquele momento. Em uma sociedade que se vale tanto de cuidadores
familiares, quem vai oferecer a ajuda no dia a dia que a maioria dos idosos
pode precisar se não tiver parentes? Essa pergunta, dizem-me os leitores, os
mantêm acordados à noite.
Entretanto, no que
diz respeito ao atendimento médico, as pessoas podem reconhecer que se encaminham
ao status de sem amigos se não tiverem um parente próximo para representá-las.
Elas podem tomar medidas preventivas, convocando amigos ou familiares mais
distantes como procuradores. Se puderem pagar, as pessoas podem recorrer a
advogados, gerentes de cuidados geriátricos ou guardiões profissionais. Algumas
testaram comitês compostos de parceiros e profissionais confiáveis.
As pessoas podem
explicar as crenças e vontades aos procuradores, pagos ou não, e documentar
suas preferências em diretrizes bem detalhadas. "Elas dão pistas sobre o
que o paciente realmente valoriza, alguma orientação sobre quais circunstâncias
elas consideram piores do que a morte", disse White.
Isso, Elizabeth Evans
decidiu durante nossa conversa, representa sua melhor aposta: escrever
instruções e ter conversas francas com a irmã e, talvez com o advogado.
"A gente acha
que nada vai nos acontecer, então vemos que pode acontecer. Já devia ter feito
isso ontem."

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