Gostamos de pensar
que é fácil distinguir a medicina boa da ruim. Um grande sistema de educação,
licenciamento e regulamentação depende dessa premissa simples. E ainda assim,
talvez mais frequentemente do que imaginamos, a boa e a ruim se misturam como
creme e café, de maneira quase impossível de separar.
Alguns anos atrás,
uma paciente que eu tratava foi admitida no hospital com uma crise de asma,
doença que sofria há tempos. Ela estava na casa dos 50 anos, mas, ao contrário
da maioria de nós que acumula doenças ao longo da vida, estava se desfazendo
das dela. Ela havia sido uma jovem doente, nos últimos estágios da Aids e com
as infecções recorrentes normais para o diagnóstico.
Então, lentamente
havia melhorado. Seus vícios foram domados, as infecções tratadas, e o HIV bem
controlado. Agora, o que continuava era apenas um persistente hábito de fumar e
uma terrível asma.
Se você vai ter dois
problemas, esses são uma dupla particularmente ruim. Não apenas há a óbvia
questão de um piorar o outro, mas é também uma combinação que deixa os
profissionais da medicina furiosos. Autodestruição pura, dizem de maneira
arrogante.
O especialista em
pulmão de minha paciente a havia expulsado de seu consultório anos antes, sob
ordens de não retornar até que parasse de fumar, murmurando para sua enfermeira
que ela estaria morta muito antes disso acontecer. Minha paciente ouviu o que
ele disse e realmente nunca voltou, apesar de ainda não estar morta.
Mas esse não é o
exemplo de medicina ruim desta história.
No hospital, ela
recebeu os tratamentos usuais para asma e, como sempre, melhorou. Dois dias
depois da admissão, estava pronta para ir embora, ou pelo menos pensou que
estivesse, até receber duas notícias diferentes. Quando liguei para saber sobre
sua saúde, ela estava quase chorando.
"Eles acham que
eu tenho pneumonia. Querem que eu faça uma tomografia computadorizada",
disse ela.
Fiz as perguntas de
rotina. Ela não tinha sintomas de pneumonia. Enquanto conversávamos, peguei os
resultados de seus exames e raios-X pelo computador. Nada ali mostrava que ela
estava com pneumonia. Mas em suas ordens, claro, alguém -- e eu sabia quem --
havia decidido que ela poderia ter uma pneumonia relacionada à Aids e queria
tratá-la por isso. A tomografia daria o diagnóstico.
Existem poucas
certezas na medicina, mas essa era uma delas: a paciente não tinha pneumonia,
não se todas as regras básicas que usamos para avaliar e tratar infecções
fossem respeitadas.
Eu sabia, porém, que
o médico impaciente que estava supervisionando seus cuidados tinha a tendência
de agir rapidamente e deixar de lado essas regras. Suas ações eram governadas
não pelas regras, mas pelo puro temor de que ele poderia deixar passar alguma
coisa e ser processado. Ele fazia exames para tudo e tratava qualquer coisa em
uma tentativa aterrorizada de ter certeza absoluta de que tudo sairia bem.
Claro, ele sempre adotou esse tipo de abordagem, mas nunca chegou a repensá-la.
Esse tipo de cuidado
médico, infelizmente nada incomum, é caro, ilógico e estúpido – apenas ruim.
Expõe o paciente a todos os tipos de medos e riscos desnecessários e, no
processo, quebra o orçamento dos cuidados de saúde.
Mais tarde, voltei
para ver se conseguia resolver a questão, mas o quarto da minha paciente estava
vazio. Ela já havia ido para a sala da tomografia, um desperdício total de
tempo, dinheiro, energia emocional e radiação.
E foi isso que aconteceu:
Ela não tinha
pneumonia, nem um traço da doença. Nenhuma surpresa. Mas estava com uma massa
grande na parte de cima do pulmão esquerdo. A paciente foi para casa naquele
dia, como esperava, mas apenas depois que um cirurgião a atendeu e pediu uma
avaliação para o que parecia um câncer de pulmão.
Um mês depois o tumor
foi removido. Era câncer. Seus exames desde então -- ela os faz regularmente
agora -- mostram que está bem.
Péssimos cuidados médicos salvaram sua vida. Que tal?
Espere um minuto,
diria você. Os fumantes não fazem tomografias rotineiramente para checar se têm
câncer de pulmão? Não foram cuidados médicos terríveis. Foi proatividade,
cuidados médicos visionários!
Exatamente, e isso é
uma parte do problema. Anos antes de a tomografia computadorizada para a
detecção do câncer de pulmão ser apenas uma ideia, seria medicina ruim. Mas o
tempo muda tudo. O pior cuidado pode se tornar o melhor. Não é de se espantar
que seja tão difícil policiar nossa profissão, com as coisas mudando o tempo
todo. É mais fácil pedir para uma lâmpada de lava para se organizar.
E esse não foi nem o
fim da história. O aparecimento repentino de outra doença fatal na vida de
minha paciente deixou-a apavorada. Ela estava tão acabada com a sequência de eventos
que parou de fumar, não toca em um cigarro há anos.
Assim, um único
episódio de incompetência médica salvou sua vida duas vezes.
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