Uma mulher de Goiânia interrompeu a
gravidez de 25 semanas -- cerca de seis meses -- após obter na Justiça o
direito de abortar. Nos exames pré-natais, o bebê havia sido diagnosticado com
Síndrome de Edwards, doença genética que causa uma série de más-formações e
cuja expectativa mediana de vida varia entre 2 e 14 dias, de acordo com estudo
publicado na Revista Paulista de Pediatria.
Depois de constatar que seu bebê
teria a enfermidade (a segunda trissomia autossômica mais comum no mundo,
acometendo um a cada 7,5 mil nascidos vivos), a gestante recorreu ao
Judiciário, sustentando que o feto não sobreviveria após o parto e que ela
própria, se levasse a gravidez adiante, estaria sujeita a desenvolver doenças
psicológicas. O juiz Jesseir Coelho de Alcântara, da 1ª Vara Criminal de
Goiânia, julgou o pedido procedente -- contrariando o posicionamento do
Ministério Público, que se manifestou pela extinção do processo.
De acordo com o Código Penal
brasileiro, em vigor desde 1940, o procedimento é considerado legal em apenas
duas situações: quando há risco de vida para a mãe ou quando a gravidez é
consequência de estupro. Em 2012, em uma decisão histórica, o Supremo Tribunal
Federal (STF) considerou que também não é crime o aborto de fetos anencéfalos
(sem cérebro), que morrem logo após o parto em 99% dos casos.
"Pedimos que o caso fosse
avaliado de forma análoga à decisão do Supremo sobre a anencefalia", disse
um dos advogados da mulher, Antônio Henriques Leite Filho. Deu certo. Em sua
sentença, o juiz afirmou que a morte do bebê era "certa" e que não
haveria procedimento médico capaz de corrigir as deficiências desenvolvidas
pelo feto. "A mulher gestante carregará em sua barriga, por nove meses, um
ser sem vida, causando-lhe sofrimentos físicos e psicológicos. Para que
impingir tal sofrimento sem necessidade?", escreveu. O advogado informou
que sua cliente não daria entrevista.
Mortalidade.
Das crianças nascidas vivas com a
doença, causada pela trissomia do cromossomo 18, metade morre antes da primeira
semana de vida e menos de 10% chegam aos 5 anos. "Se ele ainda for
portador de cardiopatias ou exigir muitas cirurgias, essa expectativa é ainda
menor", afirma o pediatra Paulo Henrique Manso, professor da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto.
Segundo ele, a Síndrome de Edwards,
apesar de ter altas taxas de mortalidade -- por causa de complicações
cardíacas, ósseas, intelectuais e cognitivas --, não é incompatível com a vida.
Na sentença, o juiz Jesseir de
Alcântara salientou que o direito à vida não é absoluto, permitindo exceções.
"O feto não tem possibilidade de sobrevivência fora do útero materno. Como
consequência, não precisa de preservação", determinou. Outras decisões
semelhantes, autorizando a interrupção da gestação de um bebê com Edwards, já
foram expedidas no Rio e em São Paulo.
Alcântara escreveu ainda que se não
permitisse o procedimento, estaria reforçando a ideia de que a interrupção da
gravidez de forma clandestina seria "o único caminho viável".
Pesquisa da Universidade de Brasília (UnB) mostra que uma em cada cinco
mulheres brasileiras se submeteu a pelo menos um aborto até os 40 anos.
*** As
informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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