A doméstica e estudante universitária Claudia Pessoa, 52 anos, começou a
beber aos 17 anos e só parou 33 anos depois quando, finalmente, aceitou ser
dependente do álcool e buscou ajuda. Hoje, com a vida refeita, ela conta sua
própria história de superação e de luta diária.
“Eu já tinha contato com a bebida na infância, sou filha de pai
alcoólatra, e tinha aquela história de ‘melhor provar com o papai do que na
rua’. Eu lembro que nas festas de família era comum dar para a criançada vinho
com açúcar, como se fosse suco.
Mas, oficialmente, comecei a beber aos 17 anos. A primeira vez que me
embriaguei foi com espuma de chope. Depois, fui para as bebidas doces: uísque
com guaraná e caipirinha. Aos poucos comecei a beber por conta, não precisava
mais sair para beber, eu bebia em casa mesmo.
“Como assim eu sou
alcoólatra?”
O alcoolismo é a doença da negação, nem todo alcoólatra assume que é.
Para mim, foi mais difícil aceitar que era doente, do que parar de beber. É um
choque lidar com isso, uma briga interna. Eu dizia: ‘Como assim eu sou
alcoólatra? Eu bebo porque eu gosto e consigo parar’. Mas depois do primeiro
gole, eu não conseguia.
No meu pior momento, eu já acordava e tomava duas latas de cerveja. Ao
longo do dia, bebia uma caixa de cerveja, uma garrafa de vinho e meia de
conhaque. Não importava a qualidade da bebida, eu queria quantidade, queria o
álcool. Dormia e acordava bêbada.
Quando me separei do meu primeiro marido, já estava viciada. Foram 33
anos bebendo. Uma vez ou duas vezes por ano, eu dizia que ia parar. Parava por
três meses, achava que estava curada e poderia voltar a beber moderadamente,
tomar apenas uma taça de vinho. Mas bastava um gole e eu caía no descontrole de
novo. Sonho de alcoólatra é saber beber, mas isso não acontece.
Crise de depressão e
tentativa de suicídio.
Desde a infância, eu tinha algumas crises depressivas, mas elas pioraram
muito com o alcoolismo. Cheguei a tentar suicídio. Também já saí de casa em
meio a uma crise: bati o carro e fui a pé para a delegacia pedir ajuda, como se
eu fosse a vítima.
Falam que o cigarro e a maconha são a porta de entrada para drogas
pesadas, mas não é verdade. O álcool que é. Depois que comecei a beber, eu
provava tudo o que me ofereciam. Só não injetei nada, mas cheguei a cheirar
cocaína.
Em 2012 eu comecei a tratar a depressão e parei de beber, porque tomava
remédios psiquiátricos. Mas foi só parar a terapia que eu voltei. Eu lembro que
o psiquiatra falava que eu tinha outra doença, o alcoolismo. Mas eu não
acreditava, não aceitava. Tanto que deixei de fazer terapia.
Período de provação.
Todo mundo sabia do meu vício: meu ex-marido, meus pais, meu filho... E,
aos pouco, a família foi se afastando, porque eu me tornei uma companhia chata.
Meu casamento acabou, não exatamente por conta disso, mas certamente
influenciou. Meu filho foi morar com ele.
Foi no meu segundo marido que eu encontrei apoio. Ele bebia socialmente
quando nos conhecemos, mas ao perceber que eu precisava de ajuda, parou de
beber totalmente, para me acompanhar. Até hoje, ele não bebe.
Um dia, eu acordei e quis tentar parar pela última vez. Era dia 15 de
dezembro de 2015, antes do Natal, Ano-Novo, do meu aniversário e do carnaval.
De fato, era um período de provação. Eu descobri uma unidade do AA, em São
Paulo, e liguei. Por telefone eles já me deram apoio. Resolvi ir. Ficava ao
lado de um bar para onde eu ia muito.
“Ficar sóbria é um
desafio diário”.
Lembro ter chorado muito lá. Mas também percebi que não estava sozinha.
E, contrariando tudo o que eu acreditava, alcoolismo não era coisa de pobre.
Foi quando eu descobri que ricos, e até famosos, podem ter a doença.
Só contei para o meu marido sobre o AA depois que fui a primeira vez.
Ainda assim, não queria parar logo de cara. Foram 14 dias para me desfazer das
bebidas que tinha em casa. Eu e ele conversávamos muito, mas eu precisei do meu
tempo para dar esse passo.
Não sei como consegui parar. Para quem tem fé, eu imagino que seja mais
fácil. Mas eu não sou apegada a religião alguma. Minha mãe acendia vela para
mim, fazia promessa, ajoelhava... nada adiantava, é claro. Eu precisava
resolver isso por conta própria.
Ficar sóbria é um desafio, eu comemoro todo mês a minha sobriedade, saio
para jantar. É uma luta diária, tinha vezes que eu queria que meu dia acabasse
logo só para eu contabilizar mais um dia de sobriedade.
“Hoje convivo bem com
gente bebendo ao meu redor”.
Já consigo ter vida social, antes ficava reclusa, porque eu não me sentia
segura para recusar a bebida se me oferecessem. As próprias pessoas
desconfiavam da minha sobriedade. Se eu ia para a cozinha e abria uma latinha
de refrigerante, achavam que era cerveja. Foi preciso um tempo para eles
entenderem que eu não largaria a sobriedade.
Hoje convivo bem com gente bebendo ao meu redor. Vou em restaurantes e
também barzinhos. Só prefiro não ter bebida em casa. Em dezembro eu completo
três anos sem beber. Faz um ano que decidi estudar, estou cursando
Administração de Empresas. Também não uso mais óculos escuros, porque quero ver
todas as cores que não via quando estava bêbada.”
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