O vício em sexo divide
a opinião de especialistas, mas para algumas pessoas é uma condição bastante
real que pode ser vergonhosa e até "destruidora de vidas". A própria
Organização Mundial da Saúde (OMS) deve incluir, em maio de 2019, o
"transtorno do comportamento sexual compulsivo" em sua lista da
Classificação Internacional de Doenças.
Enquanto isso, no Reino
Unido, a instituição beneficente de apoio a relacionamentos Relate tenta
viabilizar suporte às vítimas por meio do sistema público de saúde, o NHS.
Atualmente existem
terapias e trabalhos em grupo disponíveis nessa área, mas a maior parte é paga.
"Para alcoólatras,
há o Alcoólicos Anônimos, mas eles também podem ir ao NHS, que dá apoio a quem
tem problemas com álcool ou drogas", diz Peter Saddington, da Relate.
"Os viciados
percebem que estão causando danos, mas não conseguem parar e reconhecem que
precisam de ajuda para mudar isso."
"Seria apropriado
que viciados em sexo também pudessem ir ao seu médico de família para obter
apoio, porque isso tem um efeito devastador sobre eles, sobre seus
relacionamentos, sobre suas famílias, sobre sua situação financeira e saúde
mental".
A seguir, duas pessoas
que sofrem do vício relatam como o transtorno afetou suas vidas:
'Passei a evitar a
convivência com outras pessoas, me isolei'.
"Até fazer sexo
cinco vezes ao dia não era suficiente", diz Rebecca Barker, mãe de três
filhos, que viu a compulsão tomar conta de sua vida em 2014. E arruinar seu
relacionamento.
Por causa do vício, ela
ficava constantemente pedindo para fazer sexo com o parceiro.
"Era literalmente
a primeira coisa em que eu pensava quando acordava. Eu simplesmente não
conseguia tirar isso da cabeça", diz a mulher de 37 anos, originalmente de
Tadcaster, em North Yorkshire, na Inglaterra.
"Eu sentia que
tudo remetia a isso. Acho que tinha a ver com minha depressão e com a falta de
serotonina. Eu sentia como se meu corpo inteiro estivesse desejando isso".
"Me dava uma
satisfação instantânea e cinco minutos depois eu queria (sexo) de novo."
"Passei a evitar a
convivência com outras pessoas, me isolei. Ficava em casa porque me sentia
envergonhada por só conseguir pensar naquilo. Mesmo que ninguém pudesse ler
minha mente, ainda me sentia muito desconfortável por estar perto de outras
pessoas."
A dependência de Barker
trouxe sérios problemas a seu relacionamento. Embora seu parceiro tenha gostado
da situação no início, ela acabou se tornando insuportável.
"Ele estava bem
com isso no início, mas no final não conseguia entender de jeito nenhum. Depois
de alguns meses, começou a levantar questões sobre as causas, sobre de onde
isso vinha.
"Ele me acusou de
ter um caso - pensava que eu deveria estar me sentindo culpada e que queria
fazer sexo com ele para compensar."
Em novembro de 2014,
Barker "precisou de um tempo" no relacionamento e foi ficar com a
mãe.
"Quando saí, disse
ao meu parceiro que precisava melhorar. Ele me deixou ir e nosso relacionamento
acabou muito rapidamente depois disso.
"Eu estava sob os
cuidados de um psiquiatra na época - ela dizia com frequência que mudaria minha
medicação, mas nunca disse que havia algum grupo de apoio (para pessoas com
esse tipo de problema) ou algo assim."
Barker foi
diagnosticada com depressão em 2012 após o nascimento de seu terceiro filho.
Ela disse que depois de a doença ter se intensificado em 2014, mudou de
emprego, se separou do parceiro e se mudou para a França.
"Mudei muito meu
estilo de vida para superar a depressão e o vício, e acho que tem
funcionado", disse ela.
O que é vício em sexo?
- A Relate define esse vício como
qualquer atividade sexual que cause a sensação de estar "fora de
controle".
- A Associação para o Tratamento de
Dependência e Compulsão Sexual diz que o seu quadro de terapeutas sexuais
duplicou nos últimos cinco anos, para 170 profissionais.
- Um questionário respondido por
21.058 pessoas desde 2013 no site Sex Addiction Help, de apoio a
dependentes, revelou que 91% dos que procuravam ajuda para o vício em sexo
eram homens.
- O maior grupo etário, correspondente a 31% dos entrevistados, tinha entre 26 e 35 anos, 1% tinha menos de 16 anos e 8% mais de 55.
- O NHS diz que os especialistas
discordam sobre se é possível se viciar em sexo e indica a Relate para
ajuda adicional nessa área.
'É como ser um
alcóolatra - e não há nada de sexy nisso'.
Graham - nome fictício
para proteger sua identidade na reportagem - disse que sua compulsão o levou a
trair sua esposa com "centenas" de profissionais do sexo e que isso o
deixou com uma "culpa enorme".
"Quando você está
completamente viciado, fica obcecado e só pensa nisso - da hora em que acorda
até ir dormir."
"Foi uma
experiência horrível e asquerosa - não há nada de sexy nisso. Quando você
acorda de manhã com clamídia (doença sexualmente transmissível), não é
sexy."
"É prejudicial e
destrói a vida."
Graham, que tem cerca
de 60 anos, estima ter pagado centenas de libras mensalmente por sexo, durante
vários anos, mesmo tendo construído relacionamentos com algumas das garotas de
programa.
"O que começou com
um caso no trabalho levou a outro - mas, ao contrário da maioria dos casos de
escritório, o meu era um vício que eu tinha de alimentar todos os dias."
"Você tem um caso
e depois quer outro e outro."
"Logo percebi que
o jeito mais rápido e conveniente de alimentar meu vício era pagar por isso. Eu
estaria com acompanhantes, profissionais do sexo, três ou quatro vezes por
semana."
"É como ser um
alcóolatra, é um ciclo que você constrói na sua cabeça - você cria toda uma
expectativa imaginando como aquilo acontecerá - e você vai e faz conforme
planejou."
Remorso.
"E quando termina,
vem o remorso, você diz que nunca mais vai fazer isso".
Graham parou de levar
sua "vida dupla terrível" quando sua esposa descobriu um e-mail
suspeito e o confrontou.
Ele buscou ajuda do
Viciados em Sexo Anônimos (SAA, da sigla em inglês), que tem 78 grupos de
autoajuda no Reino Unido, e disse que se absteve de sexo extraconjugal por
vários anos.
"Quando fui
descoberto, lembro de sentir algo como 'graças a Deus - alguma coisa pode
mudar'."
"Eu fui ao SAA,
que oferece um tratamento baseado na abstinência. Eu chamo de ir da vergonha à
dignidade."
"É um grande
alívio ir às reuniões e descobrir que há outras pessoas tão infelizes - e
sórdidas - quanto você.
"Para as pessoas
que estão nesta situação, eu só quero que saibam que há uma saída e que é
possível quebrar o ciclo."
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