Por certo, o paciente
nunca soube de onde vinha aquela dor, nem por que sua perna esquerda havia
parado de funcionar. O diagnóstico chegou 240 milhões anos mais tarde, quando
um fêmur foi achado no leito de um antigo lago na Alemanha, com um dos lados
marcado por um tumor maligno.
O câncer raramente
aparece em registros fósseis, e sua história entre os vertebrados é mal
compreendida. No início deste mês, um artigo de uma equipe de pesquisadores em
"JAMA Oncology" descreveu o fêmur como o mais antigo caso conhecido
de câncer em um indivíduo do grupo amniota, que inclui répteis, aves e
mamíferos.
Os cânceres modernos
são frequentemente diagnosticados por meio de exames de tecidos moles ou
biópsias, o que dificulta encontrá-los em fósseis frios e duros. Nesse caso, é
preciso ter sorte.
"No que se refere
à nossa compreensão do câncer no passado, estamos realmente apenas no
início", disse Michaela Binder, bioarqueóloga do Instituto Arqueológico
Austríaco, que pesquisa o câncer em humanos antigos. "Ninguém se dedica a
estudar o câncer em tartarugas antigas ou em fósseis de mamutes, porque temos
pouquíssimas evidências."
A descoberta do fêmur
foi um golpe de sorte. Originalmente coletado por Rainer Schoch, do Museu
Estadual de História Natural de Stuttgart, o osso pertencia a um animal de
cauda longa, chamado Pappochelys, um parente sem casco das tartarugas modernas.
O fêmur e seu
crescimento irregular chamaram a atenção de Yara Haridy, ex-aluna de medicina e
hoje paleontóloga do Museu de História Natural, em Berlim.
Segundo Haridy,
enquanto muitos paleontólogos procuram os restos mais limpos - ou pelo menos
mais representativos -, as marcas deixadas por doenças e lesões também podem
explicar um pouco da vida dos animais antigos. O estudo de tais fósseis é
chamado de paleopatologia, e combina aspectos modernos da medicina forense e de
práticas médicas.
"Faço basicamente
um processo de eliminação, que é como os diagnósticos em seres humanos
funcionam. Você vai da possibilidade mais geral para diagnósticos mais
específicos e realmente estranhos", disse Haridy.
Ela e seus colegas
trouxeram o fêmur para o dr. Patrick Asbach, radiologista no Charité, um
hospital universitário em Berlim. Examinando uma microtomografia
computadorizada do osso, os pesquisadores passaram por uma lista de verificação
das possíveis causas.
"Se você olhasse
por fora, poderia facilmente pensar que este era um osso incorretamente curado.
Inicialmente, achei que o animal tinha uma cabeça femoral quebrada ou algum
tipo severo de problema na tíbia", disse Haridy.
Os ferimentos curados
são o tipo mais comum de patologia fóssil; contudo, os exames mostraram que,
sob o crescimento, o osso estava intacto. Então Haridy considerou outras
possibilidades. Uma anomalia congênita existiria de ambos os lados do fêmur,
não de um só. E, mesmo que o atrito e a pressão excessiva possam causar
crescimento ósseo, o fêmur é protegido por músculos.
Sobrou apenas a
possibilidade de doença. Mas a maioria das doenças desgasta o osso em vez de
aumentá-lo, ou leva a infecções que afetam camadas inferiores.
Os tumores benignos
podem às vezes crescer nos ossos, mas tendem a se originar na cartilagem e têm
um aspecto completamente diferente: "Eles ou produzem um monte de
cartilagem ou começam a realmente reabsorver o osso", disse Haridy.
A equipe identificou o
inchamento como um osteossarcoma, um tipo de câncer ósseo encontrado também nos
seres humanos. De acordo com a Organização Nacional para Doenças Raras, de 750
a mil casos são diagnosticados nos Estados Unidos anualmente.
A falta de evidências
de câncer pré-histórico chegou a levar os pesquisadores a especular que a
doença seria um fenômeno moderno relacionado com a vida pouco saudável,
ambientes cheios de poluentes ou maior expectativa de vida. Outros
especialistas sugeriram a presença possível de um gene supressor de tumores nos
vertebrados, cuja falha permitiria que os tumores benignos acabassem se
tornando metástases. Porém, com a ausência de evidências fósseis, não havia
nenhuma prova.
Além da incerteza,
algumas linhagens animais parecem menos suscetíveis ao câncer que outras:
crocodilos e alguns outros répteis, juntamente com tubarões e ratos-toupeira,
raramente são incomodados pela doença, e os tumores dos invertebrados não se
assemelham muito aos dos vertebrados.
Ainda assim, há outros
achados recentes que sugerem a antiguidade do câncer. Em 2001, uma equipe de
paleontólogos russos identificou um possível osteossarcoma craniano em um
anfíbio do início do período Triássico, enquanto um tumor benigno de mandíbula
de um precursor de mamíferos de 255 milhões de anos foi relatado em 2016.
"O que torna isso
muito legal é que agora entendemos que o câncer é basicamente um interruptor
profundamente enraizado que pode ser ligado ou desligado", disse Haridy.
"Não é algo que aconteceu recentemente em nossa evolução. Não é algo que
aconteceu no início da história da humanidade, ou mesmo na história dos
mamíferos."
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