Já contei algumas vezes
um exemplo recente e extremamente bem-sucedido de redução de gravidez na
adolescência. No início do século 21, o Reino Unido amargava uma das piores
taxas do continente europeu. Nos anos 2000, cerca de 40 em cada 1.000
adolescentes engravidavam. Dez anos depois, essa taxa caiu pela metade.
Milagre? Acaso? Nada
disso! Tudo parte de uma estratégia bem articulada que ficou conhecida como
"Dez anos para reduzir a gravidez na adolescência".
O trabalho incluiu uma
melhora substancial na qualidade dos programas de educação sexual nas escolas e
a distribuição farta e facilitada de métodos contraceptivos (incluindo aí a
pílula do dia seguinte).
Adicione-se a esse menu
nada básico, um lento e gradual processo de mudança de postura das garotas em
relação à maternidade precoce, mediado por um desejo de permanecer mais tempo
estudando e de investir mais na construção de um projeto pessoal e
profissional.
Veja bem: a estratégia
nunca focou em defender abstinência, correndo o risco de estigmatizar jovens
que já iniciaram sua vida sexual e de dificultar acesso a conhecimento sobre
sexualidade. A ideia era a de informar melhor, oferecer insumos para prevenção
e investir em projeto de vida.
Além disso, o fenômeno
pode ter tido camadas adicionais, além daquelas que foram alvo das estratégias
de redução. Para muitos especialistas, o advento das redes sociais também pode
ter tido um impacto nessa queda. Como? Garotas e garotos mais informados e
conectados, mais empoderados, mais alertas às diversas formas de violência
(inclusive sexual), e com maior autonomia para decidir sobre sua vida, estariam
adotando mais cuidado no sexo.
Quando se pensa em
política pública, isso tudo conta. Projetos bem estruturados, articulados, que
invistam em informação, insumos, autonomia, educação e futuro melhor, com
investimentos garantidos e planos de implementação, de execução, de
monitoramento e de avaliação de resultados. Não essa "lenga-lenga" de
que "não fazer sexo vai te salvar", "abstinência é o único
método 100% seguro" e vamos lá para o "Twitter" falar sobre
isso!
De novo, nada contra
abstinência, desde que seja uma escolha exclusivamente pessoal. Como política
de governo, não dá para engolir! Digo e repito: é inócua, ineficaz e
irresponsável (só para ficar nos "i"s mais publicáveis)! Diversas
experiências mundo afora mostram que a grande maioria dos jovens que se
comprometem com abstinência não conseguem manter sua meta nem mesmo no curto
prazo, ficando ainda mais vulneráveis! A Folha deu voz aos jovens na última
semana. Veja o que eles disseram aqui.
Pois é, mas o Brasil é
mais complexo do que o Reino Unido, muitos vão dizer! Verdade! Um país em quase
1 em cada 5 partos ocorre em mães adolescentes é mais difícil! Isso sem contar
que territórios distintos se comportam de forma absolutamente diferente.
Gravidez nos Jardins ou Higienópolis –bairros nobres de São Paulo– pode ser
acidente de percurso (com taxas de gestação da adolescência próximas às do
Reino Unido). Cerca de dez quilômetros de distância, do outro lado dos rios que
cortam a cidade, essa taxa ganha uma escala até dez vezes maior!
Opa! Então é só propor
abstinência do lado de lá da ponte? Não! Até porque basta conversar um pouco
com essas meninas para perceber que boa parte dessas gestações são desejadas,
planejadas, almejadas. É a busca de um lugar no mundo, um papel social, uma
tentativa de ganhar um status, de colocar no projeto de maternidade precoce
(que aliás, para elas não é visto como precoce) no lugar que poderia ser
ocupado por outro projeto de vida.
Para mudar isso só
mesmo investindo em melhor educação e construção de um futuro melhor, com mais
perspectivas de um futuro profissional alcançável por todos.
Para terminar mais uma
ideia: um
estudo de 2017 da Universidade de Indiana, nos EUA,
mostra que um pequeno aumento no salário mínimo poderia reduzir em até 2% a
taxa de gravidez na adolescência naquele país.
Em resumo: o que, de
fato, pode reduzir gestação na adolescência no Brasil é educação, projeto de
vida, melhores salários, autonomia e respeito ao jovem. Que tal trabalhar nesse
sentido? Se Brasília insiste em não fazer o dever de casa, que os municípios e
estados tomem suas iniciativas!
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Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.
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