O Brasil tem altas
taxas de detecção da hanseníase nos bolsões de pobreza das regiões norte,
nordeste e centro-oeste do País. E quando é avaliada a incidência de casos com
deformidades e incapacidade física, também se observa altos índices no sul e no
sudeste. Isso indica que houve demora no diagnóstico da doença, feito apenas
quando ela já se manifestava na forma avançada e, em geral, transmissível. Esse
é o panorama da hanseníase no Brasil traçado pela médica dermatologista Maria
Ângela Bianconcini Trindade, do Hospital das Clínicas da FMUSP (Faculdade de
Medicina da USP).
A doença surge
inicialmente como manchas esbranquiçadas e indolores na pele e queda de pelos.
Nas fases mais avançadas, pode afetar troncos neurais periféricos,
articulações, gânglios e até órgãos internos, além de causar impotência,
infertilidade, cegueira e comprometimento do fígado e do baço. Se não tratada,
evolui para deformidades nas mãos e pés.
Embora os tratamentos
tenham avançado nas últimas décadas, o Brasil ainda ocupa a segunda posição na
detecção de casos novos e possui 92% do total de notificações dos países das
Américas. Segundo Maria Ângela, por se tratar de uma doença endêmica e
negligenciada, há casos em todas as classes sociais, porém, existem mais
notificações nas regiões onde há mais desigualdades sociais.
É o caso do estado de
Tocantins, que tem 88,13 novos casos por 100 mil habitantes. Em Mato Grosso, o
número é de 80,62; no Maranhão, 47,43; e no Ceará, 18,94. O índice de
referência considerado aceitável é de um caso para 100 mil habitantes.
No Sul e no Sudeste, o
número de notificações é mais baixo: no Rio Grande do Sul, por exemplo, é de
0,92 por 100 mil habitantes; Santa Catarina, 1,13; São Paulo, 2,95; e Minas
Gerais, 5,34. Os dados são do Ministério da Saúde relativos ao ano de 2016.
O que também é
preocupante é que "no Sul e no Sudeste, cerca de 15% das pessoas tiveram
registro com deformidades físicas no momento do diagnóstico, o que coloca essas
regiões à frente de outros estados que possuem taxas endêmicas da doença",
explica ela, que também é pesquisadora do IMT (Instituto de Medicina Tropical
de São Paulo) da USP.
Comparado aos níveis
mundiais, o Brasil também se mantém no topo da lista, com cerca de 30 mil casos
novos registrados nos últimos dez anos, perdendo somente para a Índia, que teve
123.785 casos.
Para extinguir a
circulação do bacilo da hanseníase (Mycobacterium Leprae) no mundo, a cada
cinco anos, a OMS (Organização Mundial da Saúde) divulga diretrizes de combate
à doença como problema de saúde pública. Na atual, de 2016-2020, as ações foram
baseadas em três pilares: fortalecer parcerias do governo; promover detecção
precoce e tratamento imediato para evitar a incapacidade e a transmissão do
bacilo; e barrar a discriminação e promover a inclusão.
No documento Estratégia
Global para Hanseníase 2016-2020 da OMS, onde estão listadas as estratégias, a
detecção precoce da doença e o tratamento de pacientes com múltiplas drogas
continuam sendo a base de controle da endemia. Regionalmente, no Brasil, vêm
sendo realizadas ações de busca ativa como educação em saúde para diminuição da
doença, o que, na visão da pesquisadora, teria contribuído para aumentar o
número de detecção no nordeste.
Além do enfoque médico,
as atuais estratégias da OMS deram maior visibilidade e peso aos aspectos
humanos e sociais que afetam o controle da hanseníase. Maria Ângela acredita que
a redução de estigmas e a promoção da inclusão podem colaborar para aumentar o
diagnóstico nas fases iniciais da doença.
Tratamento.
Os dois tipos de
hanseníase (paucibacilar e multibacilar) são tratados com uma quimioterapia
múltipla (poliquimioterapia), baseada em três medicamentos (rifanpicina,
dapsona e clofazimina) que, juntos, matam 90% dos bacilos em sete dias.
Para a forma
paucibacilar (com poucos bacilos), o tratamento tem duração de seis meses, e
para a multibacilar (com muitos bacilos), um ano. A poliquimioterapia é
fornecida pela OMS e distribuída gratuitamente pelo SUS (Sistema Único de
Saúde). Nas áreas com grande prevalência de casos novos já está sendo
implantadas medidas terapêuticas com drogas para prevenção, como é feito com a
tuberculose, diz Maria Ângela.
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