FONTE: Aurélio Schommer, TRIBUNA DA BAHIA.
Publicada pelo Feminino e Além,
site parceiro do Tribuna da Bahia.
Eu sou
a favor da liberação de todas as drogas, ou seja, substâncias entorpecentes, do
ponto de vista deontológico (seguindo princípios éticos-morais). Sou
contra ou pelo menos estou em dúvida do ponto de vista utilitário. Sim,
isso mesmo, eu não errei na correlação de fatores, embora contrarie o senso
comum. Explico-me.
Se eu
me guio por princípios, meu comportamento e minhas decisões tendem a ser
deontológicos. A propósito, em testes, mulheres apresentam significativamente
maior tendência a decisões deontológicas em relação aos homens.
Se eu
não ligo tanto para ética ou moral, ou até ligo, mas avaliando uma árvore por
seus frutos, não por sua essência, eu tendo a uma lógica e a um comportamento
utilitários.
Por
princípio, por regra moral, sou contra a interferência do Estado sobre qualquer
ato de um indivíduo que não afete abusivamente a liberdade de terceiros. O
Estado deve coibir o estupro e o roubo, por exemplo, justamente porque o
prejuízo a terceiros é evidente.
É assim
que John Locke enxerga o Estado necessário, para proteger os fracos dos fortes,
os eticamente corretos dos que abusam deles. Proibir alguém de fazer mal a si
mesmo, ainda que indiretamente afete terceiros, é abusivo de parte do Estado.
Portanto, o Estado não deve regular, muito menos proibir, o uso de qualquer
substância.
As
experiências com liberação de drogas, porém, me ensinam que é melhor privar a
sociedade de certas substâncias que agem profundamente sobre o comportamento
individual. Os entorpecentes foram proibidos no Ocidente no século XX.
Antes não o eram.
De lá
para cá, houve redução na incidência de outros crimes e um avanço da
produtividade e do cosmopolitismo, ou seja, aceitar as diferenças, privando-se
de usar violência contra hábitos e comportamentos lícitos de terceiros, porém
indesejáveis do ponto de vista do potencial agressor.
No
governo dos homens e no ordenamento das sociedades, liberdade deve ser a norma;
coibir a liberdade, exceção. Nisso não devem interferir fatores como “faz mal”
ou “não faz mal”. Isso está no campo da liberdade como norma, como estão a
sexualidade consensual, a expressão artística, o comércio e toda e qualquer
decisão lícita, ainda que prejudicial ao próprio sujeito.
Dito
isso, é falacioso o argumento de que a repressão às drogas cria máfias,
multiplica o fenômeno das gangues, corrompe a polícia. É falacioso não porque
não aconteça, mas porque se as drogas forem livres ou seguirá havendo um
mercado negro de drogas à margem do mercado legal ou quem tem tendência ao
crime de quadrilha se estabelecerá noutro ramo, como o roubo de cargas ou o
contrabando, por exemplo.
Do
ponto de vista utilitário, portanto, é melhor que o criminoso seja traficante
do que ladrão. Melhor ainda seria se fosse preso, num caso ou noutro, e da
cadeia não tivesse meios de comandar nenhuma atividade mafiosa.
Não
importa se as drogas fazem mal ou não, se criam máfias ou não. Nada disso
importa. Importa, como se dá com o controle ou proibição dos jogos de azar,
minimizar danos ao ordenamento social, às relações de reciprocidade e à
produtividade econômica. E as drogas causam danos em todas essas esferas.
Adicionalmente,
quem faz uso continuado de drogas, se viver o suficiente, provavelmente se
arrependerá de tê-lo feito, lamentando sobretudo as oportunidades perdidas, os
erros cometidos e os mal-entendidos na relação com familiares e amigos.
Creio
que devemos seguir observando as experiências de liberação limitada. Se elas
mostrarem que o comércio e o uso de drogas ora proibidas têm efeitos negativos
limitados, será o caso de seguir o princípio de não interferência do Estado no
campo das escolhas individuais que não afetam diretamente e demasiadamente
terceiros.
Mas
antes de pensar em liberar geral no Brasil será preciso abrir mão de
participação em tratados internacionais que proíbem a produção em larga escala,
o tráfico e o turismo ligado ao consumo de drogas.
Para
finalizar, uma analogia com o álcool (com o tabaco não cabe, pois não afeta o
comportamento do usuário). Em favor do álcool, diga-se preliminarmente que em
pequenas doses é altamente benéfico.
O
abstêmio tem expectativa de vida menor do que o bebedor em escala
reduzida. Também em favor do álcool, os países muçulmanos são em geral
péssimos exemplos de sociedades e neles não se consome álcool.
O
álcool entre nós é acompanhado de políticas de reduções de danos e limitação do
consumo, como as frequentes e acertadas blitzes da alcoolemia. Pensar em
redução de danos e limitação de consumo me parece o caminho alternativo
possível à mera proibição das drogas, da maconha à cocaína.
Simplesmente
liberar geral considero extremamente arriscado. Devemos lembrar que
princípios provêm de crenças, que podem estar certas ou erradas.
Pragmaticamente, utilitariamente, construímos as melhores sociedades de todos
os tempos, em todos os sentidos, restringindo o consumo de drogas pesadas.
Para
concluirmos que a proibição das drogas não tem nada com isso, convém muita
pesquisa e atenção às experiências limitadas de liberação.
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