O tema é tabu. Afinal,
a ingestão de álcool aumenta a ameaça de uma hipoglicemia, a queda brusca da
glicose no sangue, que pode ser catastrófica nos diabéticos, tão ou mais
perigosa do que a elevação desse açúcar na circulação. Isso porque sempre se
traduz em uma emergência. O cérebro depende de glicose até o último neurônio.
Não aceita nenhuma outra forma de energia em troca. E, se nada for feito no
período de escassez no abastecimento, ele pifa. Uma vez que já dei o susto,
descrevendo a vida do diabético (que não se cuida) como ela é, vamos a um
brinde: não, o álcool não é proibido.
O assunto foi debatido
por diversos especialistas e portadores da doença durante um evento pioneiro
que aconteceu no Rio de Janeiro no último sábado: O Meu Diabetes, criado pela
endocrinologista carioca Solange Travassos, ela mesma diabética desde os 14
anos de idade. Sua ideia foi reunir alguns dos grandes especialistas no
problema diante de uma plateia de mais de 600 diabéticos e seus familiares,
trazendo o que há de novo e tirando dúvidas do dia a dia.
Claro, existem exceções
— casos em que, por exemplo, a doença está descontrolada e não é momento para
fazer qualquer tim tim. Ou pacientes que apresentam complicações, como
neuropatias, porque a bebida alcoolica, ainda que bebericada com moderação,
piora as coisas para os nervos. Por isso, se você é
diabético, antes de botar uma bebida para gelar, converse com seu médico para
receber todas as orientações sobre, por exemplo, o uso de insulina, já que a
dose e o tipo mais indicado variam de organismo para organismo quando se bebe.
Mas é importante,
entenda, falar do assunto, que muitos pacientes nem levam ao consultório com o
medo de um pito. E, pior, muitas vezes bebem às
escondidas do clínico, sem terem recebido qualquer dica. Aí, sim, a dor de
cabeça pode ser pior do que a de uma mera ressaca. No mais, se for maior de
idade, souber conjugar direitinho o verbo maneirar, não tiver complicações e
ficar de olho no glicosímetro — o equipamento que mede as taxas de glicose — é
quase certo de que receberá o sinal verde para algumas happy hours. Não
tem por que negá-las.
Por falar em glicose,
ela precisa ser monitorada antes, durante e depois do brinde.
Vale chamar a atenção: suas taxas podem cair até mesmo várias horas depois do
consumo da bebida. Então, é mesmo para ficar de olho. Os sintomas desse quadro
são, em um primeiro instante, parecidos com os da embriaguez para muita gente.
O estômago pode embrulhar completamente, por exemplo. Um diabético às vezes
acha que está apenas altinho quando, na realidade, é a sua glicose que está
perigosamente à beira de um precipício.
Em relação ao limite
saudável de consumo, ele é igual para diabéticos e não diabéticos: uma dose
para mulheres e duas doses para homens. Sim, há um machismo na
fisiologia: o corpo deles dá conta de mais álcool do que o delas. Para ter
ideia do que seria uma dose: ela corresponderia a um copo de chope ou a uma
lata de cerveja de 330 mililitros ou a uma taça com 100 mililitros de vinho
(portanto, se a taça for grande, verta a bebida como gente fina, até
aproximadamente a metade e nunca até a boca) ou, ainda, a 30 mililitros de
qualquer destilado. Nem uma gota a mais.
Preste atenção no teor
de álcool indicado no rótulo. Faz diferença. Siga o princípio do quanto menor,
melhor. Uma pena é que, em qualquer bebida alcoolica, não
dá para encontrar outras informações sobre os nutrientes ali presentes, nem o
valor calórico. Facilitaria.
Há escolhas e escolhas.
A cerveja, por exemplo, está longe de ser a melhor delas, porque é sempre cheia
de carboidratos — não existe até quem a apelide de pão
líquido? Daí, a glicose dispara. Se a bebida for consumida com petiscos de
botequim, então, ela voa para o alto. Para quem é diabético tipo 1 ou mesmo
tipo 2, mas usuário de insulina, o jeito é repor esse hormônio para compensar.
Só que horas depois, como expliquei, quando o álcool estiver sendo
metabolizado, pode surgir o revertério de o açúcar depencar na mesma velocidade
com que subiu.
O whisky, por
sua vez, não é carregado de carboidratos e pode ser uma opção mais adequada.
Nesse aspecto, destilados caem melhor do que fermentados. Mas uma dose de vinho
é até aceitável, porque a taça contém em torno de 5 gramas de carboidrato.
E pode ser, esta sim, uma boa ideia, no lugar de caipirinhas, caipiroskas e
toda sorte de coquetéis que, mesmo se forem preparados com adoçantes, acabam
com carboidratos extras de frutas e que tais. Além de oferecem uma quantidade
imensa de calorias. Não se iluda: conforme o que o barman inventar de
colocar na coqueteleira, aquele copo todo enfeitado pode ser páreo para um
sanduíche com dois hambúrgueres, alface, queijo, molho especial, cebola,
picles… já sabe.
Não custa dar um recado
aos que tentam usar matemática para bancar a esperteza: a dose limite diária
não se acumula. Não adianta ser abstêmio de segunda à
quinta para uma desforra na balada de sexta. O excesso, além de provocar um mal-estar
mais intenso em quem sofre de diabetes, tem consequências que, para esse
paciente, podem ser mais graves do que para a população em geral. Não me refiro
só à hipoglicemia. Afinal, como pode ocorrer com qualquer cidadão que bebe
demais, a atenção e a tomada de decisões ficam comprometidas. Assim, vamos
imaginar, o diabético pode perder o aparelho de medir a glicose e, se passar
mal, não ter como monitorar seu organismo.
E, mesmo dentro da dose
limite e longe de ficar embriagado, a obediência à lei do se beber não dirija
deve ser estrita. Porque, se o açúcar cair quando
estiver ao volante, o risco de acidentes se tornará imenso. Repito: isso pode
acontecer algumas horas depois do consumo. E, cá entre nós, qualquer dose de
álcool não cai bem na direção.
Talvez uns se perguntem
se vale a pena tanto cuidado para tomar uma taça aqui, uma cerveja acolá. Pode
valer, por que não? A vida dos diabéticos não é diferente: às vezes, de tão
boa, pede um brinde. E, para quem se cuida, ele é mais do que merecido. Saúde!
Sobre
o autor.
Lúcia Helena de
Oliveira é uma jornalista apaixonada por saúde, assunto sobre o qual escreve há
mais de três décadas, com cursos de especialização no Brasil e no exterior.
Dirigiu por 17 anos a revista SAÚDE, na Editora Abril, editou 38 livros de
autores médicos para o público leigo e, recentemente, criou a Vitamina, uma
agência para produzir conteúdo e outras iniciativas nas áreas de medicina,
alimentação e atividade física.
Sobre
o blog.
Se há uma coisa que a
Lúcia Helena adora fazer é traduzir os mais complicados conceitos da ciência da
saúde, de um jeito muito leve sem deixar de ser profundo, às vezes divertido,
para qualquer um entender e se situar. E é o que faz aqui, duas vezes por
semana, sempre de olho no assunto que está todo mundo comentando, nos novos
achados dos pesquisadores, nas inevitáveis polêmicas e, claro, nas tendências
do movimentadíssimo universo saudável.
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