Seria possível ficar
aqui até o final de 2018 apenas falando das inúmeras apresentações
interessantes que foram feitas na AIDS
2018,
Conferência Mundial de HIV, que ocorreu na semana passada em Amsterdã, Holanda.
Mas preferi selecionar aquelas que podem gerar uma reflexão enriquecedora na
discussão sobre prevenção de HIV no Brasil.
Nesse sentido, um
workshop chamado "A
Eliminação do HIV é Agora uma Realidade entre Homens Gays",
realizado no segundo dia da conferência, é perfeito para discutirmos o momento
atual do enfrentamento brasileiro dessa epidemia.
Nesse workshop,
representantes de 3 cidades que já estão conseguindo reduzir os novos casos de
infecção por HIV entre homens gays – Sydney (Austrália), Londres (Inglaterra) e
Nova Iorque (EUA) – ensinaram para o resto do mundo as lições aprendidas nesse
processo. E, de maneira nada surpreendente, as lições são muito parecidas nas
três cidades.
Em todas elas, após a
implementação de um programa de ações estratégicas que colocava em prática as
descobertas científicas dos últimos anos, provenientes de pesquisas sérias e
ensaios clínicos, rapidamente já foi possível identificar o declínio do número
de novas infecções.
Na Austrália, por
exemplo, depois de alguns anos da implementação do programa integrado de
prevenção, chegou-se à impressionante redução de 52% no número de casos novos
de HIV entre homens gays na região central de Sydney e de 25% em todo estado de
New South Wales. Isso significa que, dentro de alguns anos, já será
possível imaginar o fim da epidemia de HIV nessa região.
Segundo os
palestrantes, esse sucesso começa com o engajamento político e comunitário com
a causa. E assim trazer a epidemia de HIV que se concentra desproporcionalmente
entre homens gays, travestis e mulheres trans para o centro do planejamento das
políticas públicas de saúde. Afinal, sem vontade política, interesse da
comunidade e nem recursos necessários para as ações de um programa de prevenção,
nada acontecerá.
Um exemplo disso é a
briga jurídica que já se estende há anos na Inglaterra sobre o oferecimento
gratuito da Profilaxia Pré-Exposição (PrEP) pelo sistema público de saúde
inglês. Lá, mesmo que a estratégia ainda não seja distribuída pelo governo
britânico, desde 2015 um número enorme de homens gays passou a comprar os
comprimidos da PrEP, com a ajuda de uma ONG,
de um laboratório indiano de genéricos, aumentando consideravelmente o número
de pessoas dessa comunidade que utilizavam a estratégia de prevenção. Desde
então, o número de novos casos de HIV em Londres caiu em cerca de 30%.
O envolvimento
da comunidade é um dos maiores motores dessa
transformação. A cidade de Nova Iorque, mobilizou a comunidade gay com uma
grande campanha de combate ao estigma associado ao HIV, reforçando que as
pessoas são todas iguais não importando o resultado de suas sorologias. Assim,
conseguiu aumentar e muito a cobertura e frequência das testagens para HIV e,
com isso, reduzir o número de novos casos de HIV nesse grupo em quase 15% num
período de apenas 1 ano.
Nas 3 cidades, a
abordagem do programa de HIV é centrada no indivíduo, buscando reconhecer as
demandas que cada contexto de vida tem, com especial atenção ao suporte
psicossocial. Depois disso, os passos são simples: testagem frequente, o início
precoce da terapia antirretroviral para aqueles que já vivem com HIV, e
oferecimento gratuito de camisinhas, PEP e a PrEP (exceto em Londres), para que
cada pessoa escolha aquilo que se encaixa na sua realidade.
Quando olhamos para o
Brasil, sabemos que existem ainda importantes questões a ser enfrentadas para o
sucesso no enfrentamento dessa epidemia. Questões como o moralismo, julgamento,
culpabilização, sorofobia
e homo/transfobia, presentes entre profissionais da saúde e na sociedade. Ou
mesmo questões complexas e intersetoriais como a desigualdade social.
Mas é nítido também
como, em termos de ações estratégicas, estamos cada vez mais alinhados com os
caminhos que, no resto mundo, deram certo para o controle da epidemia entre
homens gays.
Sobre o autor.
Médico Infectologista formado pela Faculdade de Medicina da USP, Rico Vasconcelos trabalha e estuda, desde 2007, sobre tratamento e prevenção do HIV e outras ISTs. É atualmente coordenador do SEAP HIV, o ambulatório especializado em HIV do Hospital das Clínicas da FMUSP, e vem participando de importantes estudos brasileiros de PrEP, como o iPrEX, Projeto PrEP Brasil, HPTN083 (PrEP injetável) e na implementação da PrEP no SUS. Está terminando seu doutorado na FMUSP e participa no processo de formação acadêmica de alunos de graduação e médicos residentes no Hospital das Clínicas. Também atua na difusão de informações dentro da temática de HIV e ISTs no Brasil, desenvolvendo atividades com ONGs, portais de comunicação, agências de notícias, seminários de educação comunitária e onde mais existir alguém que tenha vida sexual ativa e possua interesse em discutir, sem paranoias, como torná-la mais saudável.
Sobre
o blog.
Com uma abordagem
moderna e isenta de moralismo sobre HIV e ISTs, dois assuntos que
tradicionalmente são soterrados por tabus e preconceitos, Rico Vasconcelos
pretende discutir aqui, de maneira leve e acessível, o que há de mais atual e
embasado cientificamente circulando pelo mundo. Afinal, saber o que realmente
importa sobre esse tema é o que torna uma pessoa capaz de gerenciar sua própria
vulnerabilidade ao longo da vida sexual. Podendo assim encontrar as melhores
maneiras para manter qualidade no sexo, e minimizar os prejuízos físicos e
psicológicos associados ao HIV e ISTs.
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