No auge da ressaca, é
comum se prometer que não beberá de novo. Mas alguns dias (ou horas) depois, a
vontade de abrir uma garrafa de vinho ou de tirar a cerveja da geladeira parece
superar as lembranças dos estragos da noite anterior. E a ciência está mais
perto de entender por quê.
Um estudo realizado na
Universidade Brown, nos Estados Unidos, publicado na quinta-feira (25) pela
revista 'Neuron' mostra que isso acontece devido à ação molecular do álcool,
que interfere na formação das memórias de quem o consome.
Compreender este
fenômeno pode ser uma ferramenta a mais para quem busca soluções contra a
dependência e o abuso de álcool. A expectativa dos pesquisadores é que, no
futuro, medicamentos e terapias possam atuar nesses sinais moleculares.
Não
existe experiência ruim - na memória.
Segundo a
neurocientista Karla Kaun, principal autora do estudo, uma ingestão moderada de
álcool já altera a formação das memórias no nível molecular e cria
"memórias de recompensa". É aquela sensação positiva evocada depois
de um comportamento, que faz com que a pessoa tenha vontade de repeti-lo.
"Buscamos
compreender por que o abuso de álcool e drogas pode produzir memórias
gratificantes quando, na verdade, produzem neurotoxinas", afirma Kaun.
"Todas as drogas –
álcool, opiáceos, cocaína, metanfetamina – têm efeitos colaterais adversos.
Deixam os usuários enjoados, dão ressaca às pessoas... Por que as achamos tão
recompensadoras? Por que nos lembramos das coisas boas sobre elas e não das
ruins? Minha equipe busca entender em um nível molecular o que as drogas causam
nas pessoas, por que elas provocam desejos", disse.
A pesquisadora conta
que entender o que acontece com as moléculas nesta formação dos desejos pode
ser passo importante para ajudar a recuperar alcoólatras e viciados em outras
drogas. "Talvez possamos diminuir o tempo ou a intensidade dessas memórias
de desejo", vislumbra.
Cérebro
de mosca.
Para o estudo, os
pesquisadores utilizaram drosófilas – as moscas-da-fruta – como cobaias
alcoólatras para analisar como a bebida "sequestra" a formação das
memórias. Enquanto os seres humanos têm mais de 100 bilhões de neurônios, o
inseto tem apenas 100 mil - daí a escolha.
Os pesquisadores usaram
ferramentas genéticas para desativar os genes-chaves ao mesmo tempo em que as
mosquinhas eram treinadas para encontrar mais álcool. Isso permitiu que Kaun e
sua equipe "vissem" quais proteínas eram fundamentais no
comportamento de recompensa.
Foi quando eles notaram
que esse comportamento tem origem na via de sinalização Notch, um receptor da
membrana celular que, quando ativado, faz a célula produzir proteínas.
No caso do consumo de
álcool, ativa-se a produção de proteína capaz de reconhecer a dopamina –
justamente provocando a sensação de bem-estar. Ou seja: o álcool atua
justamente neste caminho, o da formação da sensação agradável ou não de uma
memória.
Kaun observou que o
processo nunca significou "ligar ou desligar" o gene da dopamina. A
alteração foi sempre com relação à quantidade de proteína produzida.
Biologicamente,
portanto, para quem consome álcool a lembrança sempre vai ser boa – as
variações serão de intensidade. "Com este estudo, concluímos que é preciso
não só analisar quais genes são ativados e quais são desativados, mas também as
formas como esses genes passam a atuar", comenta a cientista.
Kaun acredita que uma
taça de vinho já desencadeia esse processo de alteração na memória. "Mas a
pessoa já volta ao normal em uma hora", calcula. "Já se você ingerir
três taças, mesmo com um intervalo de uma hora entre elas, esse efeito vai
durar por 24 horas."
Outros
campos de pesquisa.
Agora os pesquisadores
estão estudando como opiáceos interferem nas vias moleculares – a expectativa é
que os resultados sejam semelhantes. "Acreditamos que tais resultados
podem ser traduzidos para outras formas de vício, mas agora estamos estudando
isso", comenta a cientista.
Em paralelo, uma
parceria com um professor de psiquiatria e comportamento humano da mesma universidade
deve possibilitar o exame de amostras de DNA de pacientes alcoólatras. A
intenção dos cientistas é descobrir se há alguma variação genética que possa
indicar esse comportamento abusivo.
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