“Só foi possível
perdoá-lo porque, com o diagnóstico médico, descobri que ele fazia aquilo de
maneira inconsciente”. Essa é a explicação que o designer Pedro* dá para ter seguido seu relacionamento de cinco anos
com o administrador Luiz* que, durante o sono,
várias vezes, tentou ter relações sexuais com ele. Há pouco mais de um ano, o
casal soube a razão desse comportamento: Luiz tem sexomnia ou sexonambulismo,
uma disfunção do sono que faz com que a pessoa queira ou execute atos sexuais
enquanto dorme.
Pesquisas apontam que o
distúrbio
atinge
7% da população mundial - 80,6% dos pacientes são homens - e que eles não se
lembram, a posteriori, de seus atos. Segundo o neurologista do Instituto de
Medicina do Sono de Campinas e Piracicaba, Shigueo Yonekura, esse distúrbio
acomete pessoas cujos cérebros, à noite, não "desligam" totalmente as
regiões neuronais responsáveis pela sexualidade e ou a afetividade. Segundo o
especialista, muitos dos sexonâmbulos se masturbam e perturbam seus parceiros
de maneira agressiva.
O distúrbio tem cura.
Geralmente, ela é alcançada com remédios e, em alguns casos, com associação de
terapia. E, para diminuir a incidência de episódios, os pacientes precisam
evitar café, álcool e outras drogas e tente levar o dia com o mínimo de
estresse possível.
De acordo com
Yonekyura, o sexonambulismo surge na transição entre os ciclos do sono.
São eles: o N1 e N2, que são os estágios superficiais, em que você pode acordar
com qualquer barulho, N3, que é mais profundo, e o REM (movimento rápido dos olhos,
em inglês), onde acontecem os sonhos.
Caso o paciente
apresente esse tipo de comportamento, ele deve procurar um especialista em
distúrbios do sono. Há medicamentos para isso, que não alteram o dia a dia,
garante Yonekura.
O paranaense Pedro, um homem
trans de 28 anos, foi quem buscou tratamento para Luiz,
de 31. Ele conta que o parceiro acordava no meio da noite “me abraçando
vigorosamente”:
“Quando isso acontecia,
eu perguntava se estava tudo bem e o chamava pelo nome. Ele só parava, não
acordava, e aparentemente voltava a dormir. Ao amanhecer, eu perguntava o que
tinha acontecido e ele não tinha memória nenhuma do que havia ocorrido”.
Luiz fala que era
assustador não ter essa lembrança e que se sentia muito culpado. “É inaceitável
fazer algo contra meu parceiro”, afirma.
“Percebi que ele
precisava de ajuda no mesmo dia em que chegou ao ponto de eu qualificar aquilo
como tentativa de estupro. Ser abraçado durante a noite é incômodo, mas acordar
com seu parceiro fazendo movimentos de cunho sexual em cima de ti? Isso é
inadmissível”, diz Pedro.
O sono do casal passou
a ser interrompido de quatro a cinco vezes na noite. Isso acabou prejudicando o
dia deles, porque estavam sempre cansados. Durante uma época, até dormiram
separados. Pedro então foi atrás de um médico para o companheiro.
Luiz fez
polissonografia, exame que mede a atividade respiratória, muscular e cerebral
durante o sono. O especialista detectou o sexonambulismo e lhe receitou um
remédio para cortar os episódios. Ele tomou o medicamento por oito meses e hoje
sente que está controlado.
“É uma situação
difícil, ainda mais conhecendo as estatísticas sobre estupro. Só foi possível
perdoá-lo por saber que ele estava inconsciente. Caso contrário, já teria
denunciado e me afastado”, conclui Pedro.
*Os
nomes foram trocados a pedido do casal.
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