Resumo da notícia
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Se você tem trinta anos ou mais provavelmente já teve ter assistido ao
filme "Feitiço do Tempo", uma comédia que retrata um jornalista que
vai fazer a cobertura, a contragosto, de uma festa comum em algumas cidades
americanas e canadenses que é o Dia da Marmota. De acordo com a crença local, o
comportamento do animal diz como será o inverno. Para surpresa e desespero do
jornalista, no dia seguinte após a festa, tudo se repete como no dia anterior.
E no dia seguinte novamente, até que ele percebe se está preso em um looping
temporal. Alguma semelhança com a sua rotina devido a quarentena?
Estar em casa por uma imposição externa e não por vontade própria pode nos deixar confusos, perdidos, com humor volátil e imprevisível. Além dos medos que sentimos por toda a situação, nos confrontamos com diversas perdas: a pior delas é a perda do mundo externo, que se afasta de nós. O que era banal até um mês atrás, some das nossas vistas. Alimentamos a ilusão de que o mundo existe automaticamente, sem nos darmos conta de que somos nós os agentes de escolhas, de horários, atividades e laços sociais.
Por isso, VivaBem conversou com alguns especialistas em saúde mental para nos ajudar a passar esses dias de isolamento sem que tenhamos a noção de estarmos presos no tempo.
1. Mantenha-se no controle.
Criarmos uma rotina prazerosa é um de nossos principais desafios diante da nova realidade que nos circunda e envolve: horas de sono necessárias, distribuição do tempo entre trabalho, lazer, atividades físicas, conversas, arrumação da casa, etc. E considerarmos o entorno que passa a ser nossa nova realidade de isolamento, que inclui espaço, tempo e pessoas. Pessoas, no caso de quem mora com a família, que sempre estiveram no mesmo território geográfico, mas não necessariamente no mesmo território psíquico, numa espécie de isolamento já praticado, antes do Covid-19.
Muitos estão sofrendo não de isolamento, mas de convívio cotidiano e difícil com os habitantes da casa. Novos pactos precisam ser verbalizados e construídos, para propiciar uma melhor convivência com nossos familiares, às vezes nem tão familiares assim.
Seja qual for a situação, o importante é que você consiga manter o controle do seu tempo, das suas atividades e agenda. Você pode escolher se dedica um tempo a assistir TV ou ler um livro, por exemplo. Se vai estudar um idioma ou praticar um exercício. Seja qual for o seu dilema, organize-se. Isso vai ajudar na sensação de que os dias são iguais e nada muda e ainda pode te ajudar a realizar atividades que antes não fazia, assim como o personagem do filme, que após perceber que não tem jeito, passa a aproveitar o tempo de forma produtiva, ajudando a si mesmo e as pessoas a sua volta.
2. Divida as tarefas.
Caso você more com mais pessoas, uma dica para não cair em uma rotina é dividir as tarefas da casa em forma de rodízio. Cada dia uma pessoa é responsável por realizar uma tarefa diferente. Casais com filhos podem alterar atividades de higiene com educação.
Não somente o desafio de dividir as tarefas, mas a convivência intensa entre os membros da casa podem ser um ótimo exercício para praticar a tolerância e a paciência.
3. Concentre-se no que te faz bem.
Com a distância física de outros espaços e outras pessoas, o nosso mundo interno ganha maior importância, o que nem sempre é agradável. Na melhor das hipóteses, o tempo livre pode ser comemorado e preenchido com atividades prazerosas; na pior, o tédio pode chegar em forma disforme, assombrando nossos dias e tornando o tempo um fardo, sem nenhum prazer. Cabe lembrar que o tédio não é fruto do isolamento: ele pode nos inundar e bloquear nossa criatividade mesmo quando somos muito estimulados. Então, concentrar-se em atividades que te fazem bem minimiza as possibilidades de negatividade como o tédio, o pessimismo e sentimentos como angústia e tristeza.
4. Reflita sobre o que te move.
Somos seres simbólicos que sonhamos, desejamos, temos memória e acervos internos. O que pode nos salvar diante de momentos catastróficos como o atual é o desejo de saber, que nos move em direção a buscas, construção de sentidos, de laços sociais. O momento atual pode ser encarado como um convite a visitar o nosso acervo interno, o infantil que todos carregamos, onde o sonho, o lúdico, a fantasia, tem mais valor do que a produtividade e a racionalidade.
Mas atenção: o desejo de saber, que expande nosso acervo, precisa ser revestido de cuidados: do mesmo modo que a angústia pede serenidade, podemos embarcar num caminho de consumo, de alimentos, informações, notícias, e passamos do tédio ao enjoo, à saturação, que também nos distancia do bem-estar.
5. Questione-se.
Algumas questões podem movimentar nossa vitalidade e nos tirar do tédio, do marasmo, da angústia sem nome:
? O que é fundamental hoje?
? Como pretendo usar as horas do meu dia?
? O que gostaria de fazer, agora que tenho tempo livre?
? O que já vinha me incomodando, antes do isolamento?
? Como entendo minha mudança de humor?
? O convívio social tem me feito bem?
? Por que ter pressa?
? Sou uma pessoa curiosa? o que me move?
? Quais meus medos? com quem gostaria de falar deles, me abrir?
Outras questões podem surgir, e todas elas nos convocam a encarar esse
isolamento e propor um contato com nosso mundo interno, complexo, habitado por
sonhos e pesadelos, fantasmas, fantasias e laços sociais.
6. Mexa-se e se desafie
a fazer coisas novas.
Praticar exercícios físicos é aconselhado em todos os momentos pelos
profissionais da saúde mental. Os benefícios são diversos. Um estudo
norte-americano constatou que em 60% das pessoas analisadas tinham baixa
prevalência de ansiedade e depressão por realizarem atividades físicas
(https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0091743503000422). Inúmeros
profissionais de várias modalidades de atividades físicas estão
disponibilizando treinos gratuitamente na internet: desde ginástica, musculação
e crossfit até dança, pilates e yoga estão acessíveis na rede já com adaptações
para você fazer em casa.
Mas se fazer atividade física não é fácil para você, experiente fazer
coisas que te desafiem, que você nunca experimentou fazer ou nunca se deu bem.
Pode ser mexer com plantas ou cozinhar, por exemplo, o importante é você dar
oportunidade para o novo e utilizar o tempo a seu favor. E não se esqueça que
esse momento vai passar. Tente se lembrar de analisar em quais aspectos que a
quarentena te fez crescer.
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Fontes: Dora Tognolli, psicóloga e psicanalista, membro da diretoria da
SBPSP (Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo) e Eduardo Perin,
psiquiatra e especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) pelo
Ambulatório de Ansiedade do HC-FMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo).
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