FONTE: iG São Paulo, TRIBUNA DA BAHIA.
Recentemente, a cantora Jesse J surpreendeu
os fãs ao anunciar que não era mais bissexual e que pretendia se casar com um
homem. "Para mim, foi uma fase”, afirmou laconicamente a popstar
britânica, numa entrevista ao tabloide inglês The Mirror. Mas será que alguém,
seja anônimo ou famoso, pode decretar com tanta certeza que deixou de ser bi ou
que sua orientação sexual nunca mais vai mudar?
A resposta para esta pergunta não é simples,
segundo a terapeuta sexual e diretora do Instituto Kaplan Maria Helena Vilela.
“A Jessie pode até não se relacionar novamente com alguém do mesmo sexo, mas
ela não pode ter esta certeza disso de antemão, inclusive porque não está claro
cientificamente quais são os fatores que levam alguém a ser bissexual, gay ou
mesmo heterossexual”, aponta Maria Helena.
Particularmente, a razão da bissexualidade
se mostra ainda menos clara. A psicóloga e sexóloga Carla Cecarello explica que
esta forma da sexualidade, muitas vezes, tem um caráter sazonal na vida de
muitas pessoas.
“A homossexualidade é algo bem definido, se
trata de uma pessoa que tem uma orientação afetiva sexual voltada paro mesmo
sexo. A heterossexualidade, por sua vez, é uma orientação afetiva sexual
voltada para o oposto. O bissexual, no entanto, é alguém que pode estar e não
ser homossexual ou heterossexual”, explica Carla, acrescentando que a cantora
britânica pode estar numa fase hétero de sua bissexualidade.
Do mesmo modo, a cantora pode voltar a viver
uma fase homossexual de sua bissexualidade. “A Jessie J poder estar vivendo um
momento em que está heterossexual. É um estado, não uma condição. De qualquer
forma, não é uma chavinha que a pessoa troca quando quer, não é como mudar de
roupa”, pondera Carla.
A terapeuta sexual e psicóloga Ana Canosa
entende que a preocupação em definir a bissexualidade como uma fase da vida
aparece, muitas vezes, em pessoas que não se despiram dos preconceitos e das
convenções sociais. “As pessoas mais livres se permitem viver o desejo de uma
maneira mais ampla”, avalia Ana, lembrando que a parte mais conservadora da
sociedade sempre reage a algo que escapa dos padrões pré-estabelecidos.
“De modo geral, as pessoas são
preconceituosas em relação a tudo, a quem é assexuado, aos transegêneros, aos
homoafetivos. A sociedade quer enquadrar todos na heteronormatividade. Por
outro lado, os ativistas LGBT também se mostram preconceituosos ao seguir o
padrão de enquadrar ou não alguém na heteronormatividade”, pondera Ana.
Maria Helena também vê as convenções sociais
como limitadores de uma expressão plena da sexualidade das pessoas. “Não há
porque limitar, o desejo não tem gênero. O ser humano superou a função
unicamente reprodutora do sexo. Nós nos apaixonamos por pessoas, pelo que elas
representam para nós, o sexo dela nem sempre é preponderante”, constata a
terapeuta sexual.
“Não há uma teoria que explique
definitivamente porque alguém se apaixonou por um homem moreno, alto e de barba
e não por um cara loiro, gordinho e de bigode. Da mesma maneira, não dá para
explicar porque uma mulher apaixona por outra mulher e não por um homem”,
completa Maria Helena.
NINGUÉM PRECISA SE
DEFINIR.
Em seu último livro, “Sexualidade Sem
Fronteiras” (MG Editores), o psicanalista Flávio Gikovate aponta que as
divisões heterossexual, homossexual e bissexual ficaram obsoletas no futuro,
com as pessoas não precisando se encaixar em padrões definitivos. Gikovate vê a
questão como um “Muro de Berlim” prestes a ser derrubado.
“A derrubada do muro permite aos habitantes
de um lado migrar para o outro – e vice-versa – quantas vezes isso lhes parecer
razoável e adequado”, analisa Gikovate, apostando na ideia de que o sexo das
pessoas não será um fator definitivo no envolvimento delas. “Em breve, quem irá
definir a orientação sexual será o encantamento amoroso”, projeta o psiquiatra.
“Se o amor migrar de um parceiro para outro
de gênero diferente, o erotismo tenderá a migrar junto. Isso quando
conseguirmos algo ainda difícil, que é acoplar o sexo ao amor e não à
agressividade, como acontece hoje”, conclui Gikovate.
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