Nem todo o mundo com
HIV vai ter lipodistrofia, má distribuição da
gordura que causa alterações físicas nas pessoas em tratamento. Muita gente nasce com o vírus, cresce tomando
antirretrovirais e envelhece sem apresentar um único desses sintomas. Mas, como
ninguém sabe de antemão se vai ou não ter, o certo é prevenir. E não há melhor
forma de fazer isso do que começar, o quanto antes, a fazer exercícios físicos.
Como faz questão de
dizer André Luiz de Seixas Soares, pós-graduado em condicionamento físico para
grupos especiais e em reabilitação cardíaca, exercitar-se faz bem para todo o
mundo. O fator HIV torna a prática ainda mais necessária para combater e prevenir
a lipodistrofia e, de quebra, beneficia a saúde em geral. "O exercício
muda a composição corporal, deixando-a com um aspecto mais harmônico",
explica.
Leonardo Emmanuel
Cerqueira Rêgo, criador do Saúde Mais, projeto da Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ) que, entre outras atividades, capacita professores de
educação física para trabalhar com soropositivos, diz que, com exceção do
rosto, não há área do corpo predisposta à lipodistrofia que uma atividade
física bem direcionada não possa atingir. "Um treinador preparado sempre
vai encontrar uma modalidade que atue na prevenção e na recuperação. Único
efeito que ele não atinge é a lipoatrofia facial, a perda de gordura no rosto,
que é corrigida com preenchimento."
O educador físico
Reinaldo Sobrinho, que ajudou a implantar o programa Malhar e Viver Mais para
pessoas vivendo com HIV nos Serviços de Atenção Especializada (SAEs) da
prefeitura de São Paulo, ensina que é essencial combinar atividades aeróbicas
(caminhada, bicicleta, corrida), musculação e dieta equilibrada. "Com
isso, além de ganhar massa magra (músculo), a pessoa fortalece o coração, evita
dores nas articulações, ganha condicionamento físico, queima gordura e mantém o
peso, condições importantes no tratamento", diz Reinaldo.
Como e onde se
exercitar.
Quem tem HIV
necessariamente não precisa de um programa específico de atividade física, mas
é preferível que tenha acesso a um. Infelizmente, é raro encontrar essa
especialidade nos serviços públicos.
O professor André
ressalta que muitos estudos provam que o educador físico preparado para
trabalhar com pessoas vivendo com HIV é tão importante para garantir a saúde
dos pacientes como outros profissionais que atuam com o infectologista --
dentista, nutricionista, farmacêutico, enfermeiro. "Esse treinador sabe
tirar o melhor desempenho físico do aluno sem sobrecarregar o sistema
imunológico dele", explica André. "Além do mais, acolhe sem fazer
distinção", completa Reinaldo Sobrinho.
André acha que, se
houvesse mais consciência e respeito na sociedade, esse perfil de treinador
faria parte do quadro de todas as academias. "Aliás, a própria academia
deveria colocar a prática de exercício como questão prioritária de saúde, não
de beleza. E os seus funcionários deveriam saber acolher todas as diferenças.
Se a academia não serve ao aluno, é ela que é inadequada, não ele."
E o que acontece é
que, nas academias particulares, o culto ao corpo e à beleza prevalece sobre a
saúde, o bem-estar e o discurso dos treinadores – e isso afasta as pessoas com
lipodistrofia, que se sentem discriminadas. Essa foi uma das maiores queixas
dos usuários do Malhar e Viver Mais ao receberam a notícia de que o projeto vai
acabar.
O Malhar e Viver Mais
funciona gratuitamente dentro de quatro SAEs da Prefeitura de São Paulo.
Começou em 2006, em oito, e foi diminuindo até que, no começo de abril, seus
três treinadores foram avisados de que suas atividades se encerram no fim de
maio.
Segundo o Programa
Municipal, o projeto vai passar por readequação e eles estão buscando
alternativas em outros lugares, como os Clubes da Comunidade (CDC) e parcerias
com outras instituições de atividades físicas. Os usuários do programa temem que
a mudança deixe de lado a atenção ao acolhimento.
"Poder ir para
uma academia onde um professor cuida da gente com carinho, sabe lidar com a
nossa situação e nos dá os exercícios adequados é a nossa maior
motivação", diz Alice Bosco, 55 anos, que faz ginástica no SAE Ipiranga.
"Não vou para outro lugar pra cair nas mãos de treinadores que podem me
dar um exercício errado e ainda me tratar com preconceito."
Alice conta que, ao
começar no programa, tinha muita lipodistrofia e baixíssima autoestima.
"Meu abdomem estava enorme, minhas pernas, fininhas. Agora, pareço uma
menininha, estou com o corpo lindo", orgulha-se.
André, que também é
formado em Programas de Saúde pela Universidade Federal do Rio de Janeiro,
lamenta o fim desse projeto. "Precisamos é de muito mais iniciativas como
essa na rede pública", defende. "Há muito tempo, a ginástica passou
do status de coadjuvante para o de terapia não-medicamentosa. Isso porque ela
traz melhoras em todos os aspectos, não só físico e biológico."
Não é à toa que os infectologistas
indicam a atividade física para todos os pacientes, independentemente da
lipodistrofia. "Faço ginástica por recomendação médica, porque eu não
dormia, comia mal, vivia indisposto, com colesterol alto. Com as aulas, tudo
isso melhorou", diz Cícero Oliveira, 72 anos, também usuário do Malhar e
Viver Mais no SAE Ipiranga.
Frequentadores do
projeto também falam muito dos benefícios trazidos pela convivência com outras
pessoas. "Lá, trocamos informações e discutimos vários assuntos", diz
o bancário aposentado Luiz Neto de Almeida, 51 anos.
O que fazer
enquanto o governo não age.
O certo, concordam
médicos e educadores físicos, é que quem vive com HIV não pode esperar pela boa
vontade dos governos para começar a se exercitar. São poucas, mas há algumas
Ongs que oferecem programas de ginástica gratuitos, como o Instituto Vida Nova,
na zona leste de São Paulo. Com apoio do Programa Municipal, ela mantém a
academia Malhação Vida Nova -- há aulas de alongamento, coordenação e força
muscular, hidroginástica, aeróbica, pilates, dança.
"Os alunos
chegam à Vida Nova com baixo autoestima, por causa da imagem corporal, e nos
dizem que querem controlar a lipodistrofia", diz a educadora física Mércia
Alves. "É um processo e o resultado depende do esforço individual. Quanto
mais foco e determinação, mais rápido a pessoa conquista melhorias."
Há alguns educadores
físicos especializados que dão aulas particulares, para um grupo ou uma única
pessoa. Outros oferecem consultoria.
Seja como for, de um
jeito ou de outro, numa academia particular, sozinho, com professor ou em
grupo, tanto Reinaldo quanto André insistem que é preciso malhar. André dá
algumas dicas para quem vai começar. Anote:
- Antes de tudo,
converse com o seu médico e diga que quer fazer uma avaliação cardiológica
antes de iniciar qualquer atividade física. Isso é importante para todo o
mundo, mais ainda para as pessoas com HIV, pois elas têm risco cardíaco maior.
- O progresso no
ritmo das atividades deve ser suave. Comece fazendo dez minutos de atividade
moderada (caminhada no parque, na praça ou na rua, bicicleta, natação) cinco
vezes por semana. Vá acrescentando cinco minutos por semana até chegar a 30
minutos. Mantenha os 30 minutos cinco dias na semana. A intensidade (dos
passos) deve ser suficiente para ficar cansado mas insuficiente para se sentir
exausto.
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